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Srie Experimentando Teorias em Linguagens Diversas
AngelA PAivA Dionisio(organizao)
Multimodalidades e LeiturasFuncionamento cognitivo, recursos semiticos, convenes visuais
Pipa ComunicaoRecife - 2014
Srie Experimentando Teorias em Linguagens Diversas
AngeLA PAivA Dionisio i LeiLA JAnot De vAsconceLos i MARiA MeDiAneiRA De souzA
Imagem da CaPaRelicrio 6. srie Relicrios de sebastio Pedrosa. 1998. Fotografia de Fred Jordo (imago).gentilmente cedida para a srie experimentando teorias em Linguagens Diversas.
CaPa, Projeto grfICo e dIagramaoKarla vidal e Augusto noronha (Pipa comunicao - www.pipacomunica.com.br) eQUIPe PIBId LetraS UfPe
gnes christiane de souzaAnne caroline Arajo de LimaAndra silva MoraesAngela Paiva DionisioBibiana terra soares cavalcanticssia Fernanda de oliveira costaDaniella Duarte FerrazDbora Xavier Lavarene sampaioelilson gomes do nascimentoFelipe de oliveira Bezerragetulio Ferreira dos santosHellayne santiago de Azevedo
Joo Alberto Barbosa de gusmo Juliana serafim dos santosLarissa Ribeiro Didier Lucille Maia BatistaLeila Janot de vasconcelosMaria de Lourdes cavalcante chaves Maria eduarda souza gonalvesMaria Medianeira de souzaMariana Bandeira Alves FerreiraRaquel Lima nogueiraRenata Maria da silva Fernandessaulo Batista de souza
o trabalho Srie experimentando teorias em Linguagens diversas de angela Paiva dionisio, PIBId Letras UfPe e Pipa Comunicao foi licenciado com uma Licena creative commons - Atribuio-nocomercial-
semDerivados 3.0 no Adaptada.com base no trabalho disponvel em http://www.pibidletras.com.br.
Podem estar disponveis autorizaes adicionais ao mbito desta licena em http://www.pibidletras.com.br.
Catalogao na publicao (CIP)Ficha catalogrfica produzida pelo editor executivo
D592
Dionisio, Angela Paiva. Multimodalidades e leituras: funcionamento cognitivo, recursos semiticos, convenes visuais / Angela Paiva Dionisio [org.]. - Recife: Pipa comunicao, 2014. 80p. : il.. (srie experimentando teorias em linguagens diversas)
inclui bibliografia. isBn 978-85-66530-28-5
1. Lngua Portuguesa. 2. Lingustica. 3. Multimodalidade. 4. Leituras. i. ttulo.
410 cDD 81 cDu
c.pc:01/14ajns
UNIVerSIdade federaL de PerNamBUCo
ReitoRiAansio Brasileiro de freitas dourado
PR-ReitoRiA PARA Assuntos AcADMicosana maria Santos Cabral
cooRDenAo institucionAL Do PiBiD - uFPeSrgio ricardo Vieira ramos
cooRDenAo PeDAggicA Do PiBiD - uFPeeleta freire
cHeFiA Do DePARtAMento De LetRAsjos alberto miranda Poza
cooRDenAo Do suBPRoJeto PiBiD LetRAs - uFPeangela Paiva dionisio
gRADuAnDos PiBiD LetRAsgnes Christiane de Souza, anne Caroline arajo de Lima, Bibiana terra Soares Cavalcanti, Cssia fernanda de oliveira Costa, daniella duarte ferraz, elilson gomes do Nascimento, Hellayne Santiago de azevedo, felipe de oliveira Bezerra, getlio ferreira dos Santos, juliana Serafim dos Santos, Larissa ribeiro didier, Lucille maia Batista, maria eduarda Souza gonalves, maria de Lourdes Cavalcante Chaves, mariana Bandeira alves ferreira, raquel Lima Nogueira, renata maria da Silva fernandes
suPeRvisoRes PiBiD LetRAs
dbora Xavier Lavarene Sampaio (escola Professor Leal de Barros)Saulo Batista de Souza (escola Senador Novaes filho)
coLABoRADoRes PiBiD LetRAsandra Silva moraes (mestrado Pg Letras-UfPe, NIg UfPe)Leila janot de Vasconcelos (Neuropsicloga, NIg UfPe)maria medianeira de Souza (Professora departamento de Letras, NIg UfPe)
Multimodalidades e Leituras:funcionamento cognitivo, recursos semiticos, convenes visuais
Volume 1
Paris. ilustrao de Karla Vidal
Sumrio
09 APRESENTAO MultiModalidades, leituras e trs histrias que se
cruzaM: uMa apresentao
13 INTRODUO
19 CAPTULO 1 linguagens, FuncionaMento cognitivo e leitura
23 Funcionamento neuropsicolgico e aprendizagem
32 Linguagem, lngua e leitura
41 CAPTULO 2 MultiModalidade, convenes visuais e leitura
43 Multimodalidades, multiletramentos: situando conceitos
50 Historiando (um pouco) os estudos multimodais
64 Convenes visuais e leitura
71 CONSIDERAES fINAIS
9Multimodalidades, leituras etrs histrias que se cruzam: uma apresentao
Universidade Federal de Pernambuco, final dos
anos 1990, comeo dos anos 2000. Apesar de frequen-tarmos turmas diferentes, vivencivamos uma realida-de bastante parecida. ramos trs alunos recm-chega-dos ao curso de Letras, cheios de planos e expectativas,
mas ainda sem muita noo concreta do que nos aguar-dava. Ser que iramos aprofundar nossos conhecimen-tos de anlise sinttica? Destrinchar ainda mais as clas-ses morfolgicas? Quem sabe praticar a conjugao de
verbos exticos? Mal sabamos naquela poca o quo
distantes esses questionamentos estavam do percurso
que acabamos efetivamente trilhando em nossas vidas
acadmicas.
A guinada para encontrarmos o caminho que de
fato desejvamos percorrer no se deu, certo, de uma
hora para outra. Assim como tantos alunos e mesmo
alguns professores do curso de Letras, estvamos acos-tumados a pensar o nosso objeto analtico como sendo
estritamente o texto verbal, a partir do qual seriam pro-duzidos estudos fonticos, lexicais, morfossintticos
e, quando muito, semntico-pragmticos. Ilustraes,
fotos e grficos, aliados a recursos de composio e im-presso, como tipo de papel, cor, diagramao, etc. to-dos esses elementos essenciais compreenso do texto
eram ento tidos como meros adornos, passveis s de
comentrios pontuais e a ttulo de curiosidade.
Apresentao
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claro que, naquele momento, no era sequer
discutida a noo de multimodalidade. Contudo, An-gela Dionisio na poca, nossa professora de Lngua
Portuguesa , com sua postura inovadora e de impor-tncia fundamental para a referida virada em nos-so percurso acadmico, j apresentava, em um livro
discutido em sala, questes como: a leitura se realiza
a partir do dilogo do leitor com o objeto lido seja
escrito, sonoro, seja um gesto, uma imagem, um acon-tecimento (Martins, 1997, p.33).
No cenrio atual, j se pode observar um terreno
frtil para as discusses em torno desse tema, o que
vem motivando cada vez mais pesquisadores a enve-redarem por essa seara e contriburem para a reflexo
desse complexo processo de construo de sentidos
que a leitura. o caso de Medianeira de Souza, que,
da posio de orientanda de Angela, passou a tambm
orientar trabalhos nessa rea, pontuando a importn-cia da gramtica sistmico-funcional hallidayana para
os estudos multimodais.
Alm disso, como no poderia deixar de ser, essa
nova agenda estimula a reflexo sobre o papel da es-cola nesse processo, de como o ensino da leitura passa
a se configurar e de como se d o processamento cog-nitivo de textos salientemente multimodais. nesse
sentido que o dilogo com reas de conhecimento
afins se torna ainda mais necessrio, sendo de grande
importncia reflexes como as da neuropsicloga Lei-la Janot de Vasconcelos.
Por tudo isso, Multimodalidades e Leituras: Fun-cionamento cognitivo, recursos semiticos, conven-es visuais, escrita por Angela Dionisio, Leila Janot
Multimodalidades e Leituras
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de Vasconcelos e Medianeira de Souza, mais do que
oportuna para os dias de hoje, uma obra indispen-svel para todos os linguistas, analistas do discurso,
professores e estudantes que lidam no seu cotidiano
com textos dos mais variados gneros, apresentando
modos semiticos cada vez mais complexos, interati-vos e sofisticados.
No Captulo 1. Linguagens, Funcionamento Cognitivo e Leitura, as autoras tomam como pon-to de partida o filme primeira vista, para discutir a relao entre o funcionamento neuropsicolgico e
a aprendizagem. As pesquisadoras defendem que o
professor, numa situao de aprendizagem, ao lan-ar mo de recursos semiticos para a construo de
gneros textuais em usos didticos, tem que conside-rar fatores como o funcionamento neuropsicolgico
do aprendiz, bem como as funes neuropsicolgicas
subjacentes e envolvidas nesse contexto especfico. Ao
longo do captulo, procura-se compreender ento que
fatores so passveis de serem concebidos como facili-tadores do processo de construo de uma aprendiza-gem significativa.
No Captulo 2. Multimodalidade, Conven-es Visuais e Leitura, as estudiosas, dando con-tinuidade reflexo sobre leitura e aprendizagem,
salientam a importncia do desenvolvimento de mul-tiletramentos, dado o carter multimodal dos textos.
Em razo disso, as autoras discutem essa intrnseca
relao entre multiletramentos e multimodalidade,
situando esses conceitos e apresentando um breve
percurso histrico dos estudos multimodais, o que
realizado tambm por meio de anlises de textos de
Apresentao
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configuraes diversas. discutida, ainda, a impor-tncia das convenes visuais como elementos que
atuam diretamente na organizao social das comuni-dades e, consequentemente, dos gneros textuais por
elas produzidos. O domnio desses cdigos convencio-nais apresentado, portanto, como um dos aprendiza-dos a serem desenvolvidos em contexto escolar, contri-buindo para que os estudantes compreendam textos
produzidos a partir de mltiplas linguagens.
Dessa forma, Multimodalidades e Leituras tem o mrito de discutir, de modo conciso e objetivo, alguns
dos principais temas relacionados s prticas de leitu-ra de textos multissemiticos um assunto que ainda
necessita ser bastante difundido, sobretudo entre o p-blico brasileiro.
Por fim, no podemos deixar de concluir a nossa
narrativa inicial acerca do nosso percurso acadmico.
Bom, hoje ns trs somos (quase) todos doutores
Nadiana est em vias de concluso do curso e todos
trabalhamos com multimodalidade. O convite para
fazermos esta Apresentao, alm de ser uma hon-ra, celebra nossa caminhada por essa rea, agora com
passos mais firmes de profissionais realizados, e anun-cia novos meandros por percorrer, ainda como jovens
cheios de planos e expectativas.
Recife, dezembro/2013Leonardo Mozdzenski,
Paloma Borba e Nadiana Lima
REFERNCIA BIBLIOGRFICAMARTINS, Maria Helena. O que leitura. 3.ed. So Paulo, Bra-siliense, 1997.
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Introduo
Esta citao descreve uma postura tradicional que permeou, por
muito tempo, a prtica de leitura em nossa sociedade (ser que no
encontramos ainda em alguns contextos este julgamento?), ao mesmo
tempo em que deixa transparecer conceitos essenciais relacionados s
atividades de leitura como recursos semiticos, multimodalidade, desen-volvimento cognitivo etc.
Na citao de McCloud, a relao palavrafigura atrela a formao do hbito de ler ao desenvolvimento cognitivo. Se situssemos esta re-lao numa linha do tempo de desenvolvimento escolar, teramos como
ponto de partida, os alunos do ensino fundamental, nas sries iniciais,
ou seja, aqueles leitores para quem as figurinhas devem se fazer presen-
Quando crianas, nossos primeiros livros tinham muitas figuras e pouqussimas palavras, por ser mais fcil assim. medida que crescemos, fo-mos lendo livros com muito mais texto. Figuras, s ocasionais... at que, finalmente, chegamos aos livros de verdade... aqueles sem figura alguma. (McCloud, 2005:140, grifos do autor).
Introduo
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tes ao lado das palavras, ou devem at prevalecer na constituio dos tex-tos, pois facilitam a leitura. J na outra extremidade, local onde devem
estar os adultos, os graduandos na academia, a ausncia das figurinhas
quase obrigatria nos textos, pois revela a maturidade do leitor. Livros
sem imagens so, ento, os livros de verdade; consequentemente, leito-res de verdade so aqueles que so capazes de l-los. Ora se tal crena
ainda norteasse nossa postura metodolgica, se tal crena fosse verdade,
teramos que, no mnimo, ao nos tornarmos adultos com a pretenso
de sermos aceitos como leitores proficientes, renunciarmos aos avanos
tecnolgicos e aos textos produzidos pelas mdias tecnolgicas.
Ainda seguindo nesta nossa linha do tempo, entre as duas extremi-dades, que so livros para crianas (com imagens) e livros para adultos (sem imagens), estariam os jovens, ou seja, os alunos regulares do ensino
mdio. Como deveriam ser, ento, os livros para eles? Qual seria a quan-tidade ideal de palavras e imagens em textos para tais leitores? Como
aferir quantidade de palavras e imagens no processamento textual? Ali-s, isto possvel? Talvez a pergunta mais pertinente e adequada aqui
seja: quais as orientaes para compor um texto em que haja palavras e
imagens? No h uma resposta nica, visto que a relao palavraima-gem no to simples. Precisamos, inicialmente, decidir de que ngulo iremos olhar para esta relao e com que finalidade.
Se estamos nos reportando s imagens em livros de literatura, temos
que avaliar, por exemplo, a relao da imagem com o gnero ( um livro
de narrativas? um livro de poemas? um livro de adivinhas?), qual a
funo das imagens na construo do livro? Se o livro de natureza did-tica, devemos ter uma noo clara das convenes das linguagens, dentre
elas a fotografia, o desenho, as linhas, para cincias como a Biologia, a
Matemtica, a Histria, a Qumica etc. Observar a cumplicidade entre
gnero textual, linguagens e reas do conhecimento fundamental, visto
que grficos, tabelas, mapas, desenhos anatmicos, por exemplo, apre-sentam convenes que vo alm das do sistema lingustico. So con-
Multimodalidades e Leituras
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venes que, como vimos, compem os gneros, integrandos os aspectos
textuais, espaciais e grficos em diferentes mdias.
McCloud (2005, p.194-195) ainda nos lembra de que
todas as mdias so um subproduto de nossa incapacidade de
comunicao mente a mente. Triste, lgico, porque quase to-dos os problemas da humanidade surgem dessa incapacidade.
Cada Meio de Comunicao serve apenas como uma ponte en-tre as mentes. A mdia transforma pensamentos em formas que podem atravessar o mundo fsico, reconvertendo-os por um ou mais sentidos de novo em pensamentos. Nos Quadrinhos, a converso segue da mente pra mo, pro papel, pro olho, pra mente. (grifos do autor).
As linguagens empregadas neste processo vo depender dos suportes
dos textos, pois , justamente, no texto onde os modos (imagem, escrita,
som, msica, linhas, cores, tamanho, ngulos, entonao, ritmos, efeitos
visuais, melodia etc.) so realizados. Num ambiente digital, os quadri-nhos podem assumir praticamente qualquer tamanho e forma, conforme o mapa temporal seu DNA conceitual crescer na nova placa., ressalta
McCloud (2005, p.223, grifos do autor). Se voltarmos o nosso olhar para
a leitura dos quadrinhos, lembramos das consideraes de Ramos (2013,
p.107-108): a medida que o leitor amadurece, preciso registrar que h
obras voltadas a este pblico, prontas para serem descobertas.
Importante que salientemos no apenas os recursos tecnolgicos
envolvidos que entram no processo de significao, tudo est permeado
pelas emoes dos interlocutores, pois tudo como lembra o neurologista
Oliver Sacks, em Janela da Alma:
Introduo
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Assista a cena: Janela da Alma: [00h4237 a 00h4424]
Para assistir: http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/
trechos-em-video-serie-verbetes-enciclopedicos/
Todos ns somos criaturas emocionais. E creio que todas as nossas
percepes, as nossas sensaes e experincias so carregadas de
emoo, de emoo pessoal. Acredito que a emoo fique, por assim
dizer, codificada na imagem.
Retomamos aqui a noo de materialidade dos modos que constituem
as nossas interaes, assim como salientamos o fato de estarem
conectados com o nosso corpo e sentidos. Embora a sensorialidade no
seja um ponto forte da maioria das pesquisas multimodais, o corpo e seus
sentidos definitivamente afastam a multimodalidade das abstraes das
teorias lingusticas do sculo XX e permitem considerao das respostas
corpreas e da fisicalidade no domnio do significado. (cf. fonte: http://multimodalityglossary.wordpress.com/)
Os contedos que constituem este volume so apresentados em
dois captulos: no primeiro, Linguagem, funcionamento cognitivo e lei-tura, noes relativas a essas trs importantes atividades so mostra-das e comentadas, focando mais especificamente a relao intrnseca e
indissocivel entre funcionamento neuropsicolgico e aprendizagem, e
Multimodalidades e Leituras
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entre linguagem, lngua e leitura de modo a comprovar no s a interde-pendncia entre essas atividades humanas e sociais, como tambm sua
relevncia para o ensino-aprendizagem, bem como para a vida de todos
nessa sociedade cada vez mais tecnolgica e diversificada no que diz
respeito leitura. No segundo captulo, Multimodalidade, convenes vi-suais e leitura, essas noes so abordadas centrando-se os conceitos de multimodalidade e multiletramentos; na histria dos estudos multimo-dais; nas definies de convenes visuais e sua relao com a leitura e a
compreenso, tudo isso atrelada noo de gneros textuais. Esse painel
comentado de forma interligada oferece ao leitor uma percepo clara
do papel desses aspectos da significao nas diversas formas de interao
das quais tomamos parte cotidianamente.
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Captulo 1linguagens, Funcionamento
cognitivo e leitura
O filme primeira vista (1999), baseado em Tempo de Despertar de Oliver Sacks, conta a histria de um rapaz que ficou cego na infncia, mas
que no considera a sua cegueira como um problema. Ele vive muito bem
com essa condio, trabalha, mora sozinho e auxiliado pelo seu co guia.
Um dia, porm, ele se apaixona por Amy, uma jornalista que o convence
a fazer uma nova cirurgia, com um mtodo, um tratamento especial. A
cirurgia um sucesso e ele volta a ver, mas passa a enfrentar alguns pro-blemas, tais como ter dificuldades com (i) a noo de espao e distncia
(ele esbarra nos mveis, em carros), com (ii) a noo de identificao dos
objetos e das pessoas pela viso, ele fazia pelo tato (cenas em que ele no
confunde os talheres, por exemplo), no identifica as pessoas (confuso
entre a namorada e a irm), pois ele reconhecia as duas pela voz, pelo chei-ro e no pelos rostos delas. Vejamos algumas cenas do filme:
primeira vista: [5548 - 5646]
Cena 1: Identificando objetos (uma lata de refrigerante Coca-cola)
logo aps a cirurgia, no quarto do hospital.
http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-
video-serie-verbetes-enciclopedicos/
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
20
Jen: Que podemos fazer?Virgil: Ponha algo na minha mo.
(Amy pega uma lata de refrigerante e entrega para ele.)
Virgil: Certo.
Mdico: Agora, use seu senso de tato, s associe. O que v sua
frente? Use seu tato.
Virgil: a lata.
Mdico: Certo, certo.
Jen: O que est acontecendo?Mdico: Ele est associando. Seus dedos dizem ao crebro, o
crebro diz aos olhos, e a ele reconhece o que est sua frente.
primeira vista: [1:00:17 1:00:46]
Cena 2: Identificando a irm (Jen), confunde-a com Amy (a
namorada)
http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-
video-serie-verbetes-enciclopedicos/
Virgil: Amy?
Jen: No, a Jen.Virgil: Ento esta voc.
Jen: Esta sou eu.
21
Multimodalidades e Leituras
Aps recuperar a viso, o personagem passou a viver num mundo
em que as suas noes de objetos, distncias, foram alteradas. Ele precisa
reaprender a dar significado ao novo mundo, a exemplo de uma criana.
Porm com um agravante: em sua memria j existe o registro de uma for-ma de ler, de interagir com o mundo. J existem outras significaes, outra
forma de enxergar o mundo. A imensa quantidade de imagens com a qual
ele passa a conviver de repente requer um processo rduo de adaptao.
Vejamos duas das cenas que representam essa adaptao:
primeira vista: [1:09:01 1:10:20]
Cena 3: O mdico mostra uma revista com a ma e pergunta se
uma imagem ou a prpria fruta.
http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-
video-serie-verbetes-enciclopedicos/
Mdico 2: O que isto?
Virgil: ... uma ma. Uma ma.
Mdico 2: timo. timo. Agora voc ganhou o forno eltrico.
Certo... O que isto?
Virgil: uma ma.
Mdico 2: Certo, mas uma ma ou apenas uma foto de uma
ma?
Virgil: Certo. Ento, isto uma piada, certo? O que est dizendo,
que meus olhos mentem?
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
22
Mdico 2: Bem, sua viso pode e ir pregar peas em voc. No
importa o que eu possa ensin-lo, no importa os exerccios que eu
possa lhe dar, eles ainda vo pregar peas em voc. Precisa aprender a
confiar em seus instintos.
Virgil: Eu no tenho instinto... Meu instinto fechar os olhos e
sentir como posso sair do seu consultrio.
Mdico 2: o instinto de autopreservao... mas voc tem outros.
Olha, Virgil, precisa aprender a ver da forma como aprendeu a falar.
Percepo, viso, vida, tudo experincia, tudo sair e explorar o
mundo por si mesmo. No basta s ver... tem que olhar, tambm.
primeira vista: [1:32:33 1:33:04]
Cena 4: Aprendendo perspectiva.
http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-
video-serie-verbetes-enciclopedicos/
Amy: Virgil! Ei, Virgil! Virgil, cuidado! Cuidado!
(Um carro quase atropela Virgil, ele desvia rapidamente.)
Amy: Jesus, o que estava fazendo?! O que est fazendo?!
Virgil: Estava olhando o txi enquanto chegava bem perto. Isso
perspectiva.
Amy: , mas vai acabar se matando se fizer isso no meio da rua.
Virgil: No quis assust-la. Sinto muito.
23
Multimodalidades e Leituras
A memria humana tem essa capacidade de guardar, armazenar, re-cuperar informaes etc. Numa situao de aprendizagem, o professor, ao
recorrer aos recursos semiticos na construo de gneros textuais para
uso didtico, deve levar em conta os diversos fatores envolvidos, dentre
eles, aqueles ligados ao funcionamento neuropsicolgico do aprendiz, s
funes neuropsicolgicas subjacentes e envolvidas na especfica circuns-tncia de aprendizagem, alm da prpria qualidade do material utilizado,
uma vez que as prticas e intervenes associadas ao ser humano so, as-sim como ele, extremamente complexas. O que buscamos , como profis-sionais envolvidos com a educao e com a linguagem, compreender os
fatores que podem ser considerados facilitadores do processo de aprendi-zagem para que se possa utilizar os recursos disponveis, a fim de construir
uma aprendizagem significativa.
funcionamento Neuropsicolgico e Aprendizagem
Conhecimento compartilhado
BUNZEN, Clecio e MENDONA, Mrcia (orgs.). Mltiplas linguagens para o ensino mdio. So Paulo: Parbola, 2013.
na perspectiva na neuropsicologia, aprender envolve,
necessariamente, o funcionamento cerebral. uma construo,
um processo pessoal e intransfervel. h um refinado sincronismo
entre como o crebro se desenvolve, o que modela seu crescimento
e maturao e a sua capacidade cognitiva. as estruturas e as
conexes do crebro so esculpidas por numerosas influncias
ambientais e biolgicas. como o centro do pensamento, emoo,
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
24
planejamento e autorregulao, o crebro passa por um longo
processo de crescimento e de refinamento que tem continuidade
ao longo da vida. este desenvolvimento mais intenso na infncia,
passando pela adolescncia e pelo adulto jovem e, continuando,
atravs de diferentes fases de desenvolvimento e mudanas, por toda
a vida adulta. o sistema adaptativo. em sua evoluo constante,
o crebro muda as caractersticas das interconexes (nmero e
intensidade), em funo da experincia adquirida pela interao
com o ambiente. a maneira como usamos nosso complexo sistema
cerebral torna-se um fator crtico para o refinamento das funes
neuropsicolgicas e da personalidade, medida que crescemos e
nos desenvolvemos. isto significa, portanto, que todas as nossas
interaes sociais possibilitam mudanas, podem promover
desenvolvimento, refinamento em relao forma de responder
demanda da vida cotidiana.
assim, os seres humanos se diferenciam por terem uma es-
trutura distinta, fruto das interdependentes e contnuas interaes
sociais, mas so iguais em sua forma de organizao. ou seja, to-
dos ns temos, por exemplo, crebro, mas cada um de ns tem
uma estrutura cerebral distinta, um funcionamento peculiar. por
outro lado, os processos biolgicos de organizao, desenvolvi-
mento e maturao cerebral so semelhantes aos diversos indiv-
duos. , justamente, esta concepo de estrutura distinta que per-
mite pensar sobre a histria de vida de um ser humano em parti-
cular. pensar sua histria, compreender seu processo de desenvol-
vimento, identificar sua forma de funcionamento, discernir formas
de interveno, vislumbrar possibilidades de crescimento, permite,
portanto, hipotetizar uma condio variada em termos de maior
ou menor capacidade de atendimento s demandas sociais.
a capacidade de aprendizagem engloba, segundo a neuro-
psicologia, o processamento de informaes codificao, orga-
25
Multimodalidades e Leituras
nizao, armazenagem e evocao e este processamento depen-
de da estrutura e funcionamento cerebral, este ltimo resultante
do nvel operacional das funes neuropsicolgicas, tais como
ateno, memria, percepo, linguagem, funes executivas e in-
teligncia. a neuropsicologia, campo de conhecimento que visa
relacionar cognio e comportamento com atividades do sistema
nervoso, em condies normais e patolgicas, por meio do estu-
do de redes neuronais, utiliza-se de conhecimentos de anatomia,
fisiologia, psicologia, psiquiatria e neurologia, entre outras reas
(cf. nitrini, 1996, apud lopes, 2006: 9). esta cincia objetiva estu-
dar como os indivduos adquirem, transformam e usam as infor-
maes sensoriais por meio de manipulao de smbolos ou ima-
gens mentais e como a capacidade resultante influencia a conduta
e as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem.
a cognio humana compreende os processos e produtos
mentais (conscincia, inteligncia, pensamento, imaginao, cria-
tividade, elaborao de planos e estratgias, resoluo de proble-
mas, inferncia, conceitualizao e simbolizao etc.), atravs dos
quais percebemos, conhecemos, concebemos e transformamos o
mundo. um dos pontos de conexo entre esta noo de cognio
e os estudos de gnero, na perspectiva dos estudos retricos do
gnero (erg), que pode ser vislumbrado, recai no fato de o gnero
se construir atravs das nossas interaes sociais em situaes es-
pecficas, possibilitando, assim, atribuir sentido ao meio social. ou
seja, o gnero constitui atividade humana medida que, por suas
prprias convenes ideolgicas e retricas, a organiza, a regula,
a estrutura (cf. Bawarshi e reiff, 2010; Bazerman, 2005, 2006,
2007; artemeva, 2008). ao elaborarmos um texto, como um arti-
go cientfico ou um captulo de livro, como este, fatores de diver-
sas naturezas esto imbricados, como: o convite para escrev-lo; o
tempo disponvel das autoras e a data prescrita pelos organizado-
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
26
res; como nos identificamos como autoras (as circunstncias so
motivadoras? estamos felizes com o processo? quais argumentos
vamos construir no texto e como vamos orquestr-los? para quem
escrevemos? etc.); as pesquisas e anotaes, as escolhas lingus-
tico-discursivas1 (alm do estilo de cada autora e das especifici-
dades de linguagem das reas neuropsicologia e lingustica); a
manuteno ou no da estrutura formulaica captulo de livro aca-
dmico e a responsabilidade pelas escolhas feitas; a busca por um
interlocutor para discutir nossos problemas de escrita; a histria
social da multivocalidade (Bazerman, 2007, p.61) das autoras;
as experincias pessoais de escrita de cada autora; o planejamento
da estrutura do texto; as consequncias sociais do ato de tornar o
texto pblico; etc.
a complexa atividade mental, na produo de um gnero,
abarca aspectos do contexto externo, assim como por eles auxi-
liada. durante a entrevista gneros textuais, com carolyn Miller
e charles Bazerman (2011), o pesquisador salienta a necessidade
de se investigar a interao entre cognio e gnero, e acrescenta:
a pesquisa sobre o crebro sugere sua plasticidade e seu cresci-
mento ao longo da vida. alm disso, em cada evento, o crebro se
configura diferentemente em torno do evento e em torno do con-
texto percebido. portanto, penso que chegou o momento certo de
refletirmos sobre como a tipificao de gneros e outras maneiras
ordenadas de responder ao nosso ambiente social, material e his-
trico influenciam a cognio. o gnero um conceito importan-
te a ser levantado nessa arena. (www.nigufpe.com.br)
1. as formas lingusticas so tipificaes sociais de que dependemos para moldar nossos significados em formas socialmente transmissveis. ao usar a linguagem comum, realizamos nossos pensamentos em termos compartilhados. na medida em que trabalhamos para usar os significados que requerem formas menos comuns ou para usar configuraes de formas incomuns, damos mais trabalho aos leitores para seu reconhecimento e interpretao do incomum. (Bazerman, 2007, p.49).
27
Multimodalidades e Leituras
diante de tal observao, podemos questionar se no estaria
a noo de tipificao dos gneros textuais para a noo de percepo de
categorias de goldberg. para o autor,
a percepo de categorias, a capacidade de identificar exempla-
res nicos como membros de categorias genricas, uma capaci-
dade cognitiva fundamental, sem a qual teramos sido incapazes
de lidar com o mundo nossa volta (goldberg, 2002: 89).
a organizao genrica que fazemos nos contextos sociais em que nos inserimos no seria resultado desta nossa capacidade? o nosso letramento no demandaria do exerccio desta nossa ca-pacidade cognitiva? ao compreendermos gneros como fenme-nos de reconhecimento psicossocial que so parte de processos de atividades socialmente organizadas (Bazerman, 2005:32) no es-taramos identificando os exemplares textuais especficos, nicos, a desempenharem determinada funo social? a inadequao do uso de um gnero textual pode acarretar danos sociais, como por exemplo, a apresentao de um ipva vencido a um policial de trn-sito gera uma penalidade ao motorista ou a sua substituio por um iptu atualizado tambm inadequada. portanto, a nossa fa-miliaridade com os gneros textuais no processo de aprendizagem no faria parte desse processo de (re)categorizaes contnuas. e, desse modo, no poderia tal tipo de conhecimento ser um gran-de aliado do professor? isso porque fazemos projees cognitivas constantemente com base em padres regulares, recorrentes em situaes sociais, e isto um aspecto essencial na aprendizagem.
ao longo da nossa vida, em situaes de aprendizagem atravs do uso de gneros textuais, motivao, estado emocional, vida escolar, interaes com o meio ambiente, condio orgnica, estado de sade vamos moldando e refinando o nosso prprio funcionamento neuropsicolgico, construindo um especfico apa-
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
28
rato cognitivo. aprender um processo inerente ao ser humano, mas cada indivduo aprende de uma determinada maneira, depen-dendo do seu estilo cognitivo, do seu funcionamento neuropsico-lgico e de cada uma das funes neuropsicolgicas envolvidas. a Figura 1 Funcionamento Neuropsicolgico demonstra as funes neuropsicolgica
o funcionamento neuropsicolgico como um todo resulta da
atuao das vrias funes neuropsicolgicas. cada funo tem
que ser vista na sua especificidade e na sua contribuio no fun-
cionamento como um todo. no momento em que um aluno est
assistindo a uma aula, na qual o professor est usando recursos
semiticos com fins especficos, alguns fatores neuropsicolgicos
subjacentes e necessrios aprendizagem esto em processo. a
adequao do contedo, material, metodologia no garante que
figura 01 - funcionamento neuropsicolgico
29
Multimodalidades e Leituras
todos os alunos iro aprender da mesma maneira, conseguiro
entender e armazenar as informaes. a codificao, compreen-
so e reteno dependem da condio neuropsicolgica de cada
pessoa: isto , funcionamento neuropsicolgico diferente, apren-
dizagem diferenciada.
de acordo com a configurao do funcionamento neurop-
sicolgico, teremos capacidades de aprendizagem diferenciadas
e, paralelamente, de acordo com a estratgia de ensino utilizada,
conseguiremos armazenar mais ou menos informaes ou conse-
guiremos reter mais informaes de uma maneira mais fcil, mais
rpida e mais prazerosa. o objetivo do ensino seria, portanto, criar
estratgias eficientes que possam atingir um grande leque de esti-
los cognitivos, possibilitando experincias significativas de apren-
dizagem, que permitam quer a ampliao de conhecimentos, quer
o desenvolvimento de nveis de funcionamento cognitivo mais efi-
cientes em relao demanda da vida cotidiana. o processo de
aprendizagem envolve a compreenso, a significao do conte-
do, assim como a reteno das informaes entendidas, para que
possam ser utilizadas em outras ocasies e em outros contextos
(vasconcelos e dionisio, 2013, p.47-52).
Vasconcelos e Dionisio (2013, p.47-52) exemplificam as funes neu-ropsicolgicas no processamento da leitura, tomando por base em uma
questo apresentada no ENEM 2010. Vejamos:
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
30
Segundo pesquisas recentes, irrelevante a diferena entre os sexos
para se avaliar a inteligncia. Com relao s tendncias para reas
do conhecimento, por sexo, levando em conta a matrcula em cursos
universitrios brasileiros, as informaes do grfico asseguram que:
a) os homens esto matriculados em menor proporo em
cursos de Matemtica que em Medicina por lidarem melhor com
pessoas.
b) as mulheres esto matriculadas em maior percentual em cursos
que exigem capacidade de compreenso dos seres humanos.
c) as mulheres esto matriculadas em percentual maior em
Fsica que em Minerao por tenderem a trabalhar melhor com
abstraes.
figura 02 - questo do ENEM 2010. Disponvel em http://down-load.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2010/AZUL_Do-mingo_GAB.pdf. Acesso em 26 mar. 2012.
31
Multimodalidades e Leituras
d) os homens e as mulheres esto matriculados na mesma
proporo em cursos que exigem habilidades semelhantes na
mesma rea.
e) as mulheres esto matriculadas em menor nmero em
Psicologia por sua habilidade de lidarem melhor com coisas que
com sujeitos.
As autoras fazem os seguintes comentrios sobre a proposta da
questo:
o enunciado do problema constitudo por texto escrito,
apresentao da situao problema e alternativas de respostas,
e um grfico, extrado da revista Superinteressante. a estrutura da
questo exige familiaridade, por parte do estudante, com estes
dois gneros textuais especficos, que so o tipo de questo de
compreenso e o grfico. para responder ao comando dado
no enunciado, o aluno deve primeiro compreender as relaes
entre texto verbal e os dados grficos fornecidos no grfico (os
textos colocados direita Eles tendem a usar a cabea para lidar
com coisas inanimadas e abstraes. Por isso so maioria nos cursos de
exatas e esquerda E elas tm mais habilidade em compreender as
pessoas e emoes. Ento dominam as carreiras que tm a ver com isso so
dispensveis ao processo de resoluo). observamos, portanto,
que o processo de resoluo do problema envolve: (i) linguagem:
ler (identificar, compreender e relacionar os dados do enunciado),
(ii) ateno: focalizar e manter a ateno nos dados e na tarefa a
executar, (iii) memria de trabalho: manter os dados, distribudos
no enunciado, na mente enquanto relaciona estes mesmos dados
para chegar s concluses necessrias, (iv) memria de longo prazo:
utilizar a aprendizagem e conhecimento anterior em relao
leitura de um grfico e formas de relacionar os dados dos dois
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
32
eixos de informao, (v) habilidades visuo-perceptivas: trabalhar com
os dados do enunciado, considerando-os em termos de percepo
e organizao espacial eixo direito e esquerdo, linha divisria com
as informaes abaixo e acima da mesma, (vi) funes executivas:
iniciar a atividade, identificar o raciocnio necessrio resoluo,
formular um plano de ao e estabelecer os passos a serem
seguidos, manter a ateno e raciocnio at a concluso da tarefa,
flexibilidade mental para levantar outra hiptese de trabalho caso
a primeira no atenda demanda da proposta, monitoramento
da prpria atividade para assegurar que todas as etapas estejam
atendidas, verificao entre o resultado obtido e a solicitao do
problema.
Linguagem, lngua e leitura
estamos nos centrando em situaes de aprendizagem
em que os alunos sejam leitores fluentes, isto , leitores que
reconheam os signos, palavras ou no, com facilidade e
rapidez, uma vez que a familiaridade com o lido mantm uma
relao com o processo de compreenso. por isso, precisamos
rever as orientaes metodolgicas, visto que os dados do ideB
revelam que, apesar dos esforos governamentais despendidos,
nossos alunos do ensino mdio continuam a apresentar baixo
desempenho nas avaliaes nacionais e internacionais, em relao
compreenso de enunciados2. para intervir adequadamente
no sentido de aprimorar a formao do leitor na escola bsica,
necessrio compreender alguns aspectos tericos do prprio
2. no cabe neste captulo, nem o nosso propsito uma discusso sobre a natureza de tais avaliaes. para aprofundar tal discusso, indicamos a leitura de Bonamino, coscarelli e Franco (2002) e Marcuschi (2006).
33
Multimodalidades e Leituras
processo de compreenso, como as noes de linguagem e lngua.
tais conceitos subsidiam o processo de compreenso, entendido
aqui no contexto de aprendizagem, guiado por princpios da
lingustica, mais especificamente os estudos dos gneros textuais,
e da neuropsicologia. como sabemos, linguagem e lngua no
so sinnimos. a linguagem humana a capacidade que temos de
transformar ideias em signos que possibilitam a interao com o
outro. esta capacidade humana envolve, como j ressaltamos, o
uso de todos os sistemas de signos convencionados e percebidos
pelos sentidos, no apenas o lingustico. para gil (2010: 2-3),
se o ser humano pode conhecer o mundo e nele agir, graas a um
funcionamento coordenado dos recursos cognitivos e s mltiplas
conexes que o crebro tece, no s entre os dois hemisfrios3,
mas tambm no interior de cada hemisfrio, desenhando uma
rede complexa, articulada de uma ponta outra da neuraxe.
inmeros vnculos so tecidos entre a cognio, a afetividade, a
sensitividade e a motricidade.
o conhecimento que construmos, lembra goldberg
(2002:89),
acerca do mundo exterior multimdia por natureza. podemos
evocar a imagem visual da copa verde de uma rvore, o som de suas
folhas movidas pelo vento, o aroma de suas flores desabrochadas
e a sensao de aspereza da casca em nossos dedos.
continua o autor afirmando que, apesar das representaes
de coisas e eventos terem mltiplas modalidades sensoriais,
algumas so mais dependentes de certas modalidades sensoriais
do que de outras (2002:90).
3. esta noo ser desenvolvida no item Linguagem neste captulo.
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
34
um exemplo pode ser demonstrado com os verbos visualizar
e mentalizar, os quais remetem para o processo de conceber, sem
ver, uma imagem mental de algo. segundo goldberg (2002: 90),
se pedirmos a algum para descrever um objeto, a probabilidade
de que a descrio se restrinja aparncia do objeto, e s depois,
se insistirmos, ele falar do som, do cheiro ou do tato. (...)
ao mesmo tempo, as representaes mentais de aes fsicas
andar, correr, bater so menos visuais e mais motoras e tteis/
proprioceptivas por natureza..
consequentemente, agimos na sociedade atravs do uso
de diversas linguagens. no entanto, todos ns agimos mais
especificamente atravs de um sistema lingustico adquirido na
rede social com a qual interagimos. ao falarmos, colocamos em
conexo indivduos, linguagens, cultura e sociedade, isto porque,
cada vez que falamos, informamos muito ao nosso interlocutor
sobre ns mesmos: tanto sobre a individualidade como sobre
os grupos (tnico, nacional, social) a que julgamos pertencer.
Bortoni-ricardo (2004: 48) acrescenta que,
alm da rede social com que o indivduo efetivamente interage,
devemos considerar tambm o seu grupo de referncia, pessoas com
quem esse indivduo no interage fisicamente ou por meio de
recursos como internet, telefone, etc., mas tem como modelo para
sua conduta. geralmente esse grupo de referncia escolhido pela
experincia vicria, isto , a experincia que o indivduo adquire
assistindo novelas de televiso, filmes, ou ouvindo relatos.
, pois, atravs da lngua, atividade cognitiva, scio-interativa
e scio-histrica, que manifestamos nossos pensamentos, nossos
sentimentos, nossa identidade, nossos desejos etc. a lngua se
manifesta no seu funcionamento na vida diria, seja em textos triviais
do cotidiano ou prestigiosos e cannicos que persistem na tradio
cultural (Marcuschi, 2008:65), isto , em gneros textuais. quando
35
Multimodalidades e Leituras
pensamos em investigar a linguagem humana, devemos nos atentar
a campos cognitivos diversos, como o biolgico (a linguagem tem
sua predisposio biolgica), o perceptual (as diversas capacidades
sensoriais) e o conhecimento de prticas sociais (a linguagem
relaciona-se com os aspectos histricos e sociais). aqui, estamos
tomando o termo linguagem como um sistema semitico cujas
formas de representao se constituem em modos semiticos. ao
focarmos os estudos do sistema lingustico, no devemos perder
este enfoque funcional, que prioriza o domnio cognitivo que envolve
os usos culturais, histricos, ideolgicos dos signos. (vasconcelos e
dionisio, 2013, p.44-47).
como j afirmamos, a linguagem humana4 pode ser
entendida, de forma ampla, como uma herana social, uma
prtica cultural, que permite aos seres humanos (re)elaborar uma
vasta quantidade de conceitos e princpios e a possibilidade de
um contnuo crescimento e desenvolvimento cognitivo. estudos,
pesquisas e avaliaes neuropsicolgicas, em se tratando
da linguagem e aprendizagem, trabalham, principalmente,
investigando o funcionamento do processo de compreenso.
isto , o ato de compreender um texto e de expressar o que
compreendeu so inter-relacionados e constituem uma condio
essencial de uma situao de aprendizagem. atividades como
interpretar um texto multimodal, entender um enunciado de um
problema, localizar/ identificar os dados relevantes de uma tabela,
refletem uma atividade cognitiva onde est presente, alm de
outras funes neuropsicolgicas, o uso da linguagem, aqui visto
em sua concepo ampla.
4. existem inmeras questes ligadas linguagem que poderamos apresentar e discutir neste captulo, mas no este o nosso propsito. interessa-nos ponderar sobre alguns conceitos e relaes com outras funes neuropsicolgicas, que nos paream relevantes, como indicado neste item do captulo.
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
36
o conceito de atividade inclui tanto o comportamento
observvel quanto a competncia e o processamento interno.
os modelos atuais da atividade lingustica integram trs ou mais
dimenses que a dividem em forma, contedo e uso. as alteraes
que podem limitar a atividade lingustica so agrupadas em trs
dimenses: as alteraes fsicas e sensoriais (podem afetar tanto o
canal de produo vocal/motor como o de recepo visual/
auditivo), as cognitivas (funes ateno, memria, funes
executivas, percepo) e as emocionais e motivacionais.
de acordo com as bases biolgicas da linguagem estabelecidas
por damsio e damsio (2004), o crebro processa a linguagem
atravs de trs grupos de estrutura:
1) um amplo conjunto de sistemas neuronais, situados em
ambos os hemisfrios cerebrais, que permitem as interaes no-
lingusticas entre o corpo e seu entorno (sistemas sensoriais e
motores).
2) um nmero menor de sistemas neuronais, localizados em
geral no hemisfrio cerebral esquerdo, que permitem a gerao
de fonemas, as combinaes fonticas e as regras sintticas para
combinar palavras.
3) um conjunto de estruturas, em boa parte, situadas tambm
no hemisfrio esquerdo, que agem como intermedirias entre
os dois primeiros. podem receber um conceito e estimular a
produo verbal ou receber palavras e fazer com que os conceitos
correspondentes sejam evocados.
ao associarmos neuropsicologia e a lingustica, na anlise
do processo de compreenso no contexto escolar, sugerimos que,
com a explicitao dos processos cognitivos envolvidos na leitura
de um texto, ressaltamos a concepo de que entender um texto
produzir sentidos; compreender um processo cognitivo, ou
37
Multimodalidades e Leituras
seja, entra em jogo toda a complexidade humana. o texto precisa
ser visto como um produto, algo que um resultado, que possui
estrutura, mas que tambm, na terminologia de Beaugrande
(1977:10 apud Marcuschi, 2008:80) evento comunicativo para
o qual convergem aes lingusticas, cognitivas e sociais. se
tomssemos, por exemplo, os textos Mizael Barbeiro e antonio
porqueiro, o que poderamos dizer sobre eles? obviamente
algumas possibilidades de leitura podem ser construdas, mas,
medida que situamos os contextos de suas ocorrncias, passamos
a ter mais direcionamentos de leitura, observando as funes
sociais das escolhas semntico-morfolgicas exercidas pelos
termos Barbeiro e porqueiro.
originalmente, estes nomes foram utilizados em
propagandas polticas em muros, no interior da paraba e de
pernambuco. Jessier quirino as coletou e as publicou no livro
poltica de p de Muro: o comit do povo, submetendo-as a um
novo contexto e a um novo suporte. em outras palavras, o gnero
textual original (propaganda poltica) no suporte textual original
(muro), fotografado e retextualizado por Jessier Quirino, associado
com uma tcnica de representao textual (intertextualidade
citao de provrbios/frases feitas) ganham um outro suporte
(livro Figura 03 e Figura 04).
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
38
figura 03
figura 04
39
Multimodalidades e Leituras
em Mizael Barbeiro, o termo Barbeiro um substantivo
formado a partir de verbo que designa o ser que exerce a atividade
de barbear algum. Mas, ao ser posto junto ao nome prprio,
passa a predicar sobre ele, caracterizando-o pela atividade
profissional. J em antonio porqueiro, o termo derivado
porqueiro sinaliza o tipo de animal que antonio vende: porco.
ento, Barbeiro e porqueiro so substantivos especificadores
de outros substantivos que identificam os candidatos e no
correspondem aos seus sobrenomes oficiais. porm, ao serem
transportadas para um novo contexto discursivo (o livro de Jessier
Quirino), e ao serem inseridos novos arranjos textuais (VOTE NUM CANDIDATO... + Tem que fazer barba, cabelo e bigode... e Tem que ser dono dos porcos...), as propagandas possibilitam novas leituras;
agora recheadas de humor, de ironia.
para ser vereador, Mizael Barbeiro tem que fazer de tudo
(barba, cabelo e bigode), pois este o sentido do provrbio;
para ser vereador preciso ser o melhor, o poderoso, ou seja, o
dono dos porcos, como antonio porqueiro. a localizao das
legendas acima das fotos das pichaes polticas e o uso das
reticncias so recursos semiticos, empregados no processo
de retextualizao, permitem a leitura do texto como um bloco
contnuo, possibilitando uma progresso temtica, ao mesmo
tempo em que sinalizam a diversidade de autoria e de contextos
das produes de escrita. (vasconcelos e dionisio, 2013, p.57-60).
BUNZEN, Clecio e MENDONA, Mrcia (orgs.). Mltiplas linguagens para o ensino mdio. So Paulo: Parbola, 2013.
Neste captulo, discutimos a intrnseca e, portanto, natural inter-rela-o que envolve inteligncia, memria, capacidade de aprendizagem, lin-guagem, lngua, leitura, atividade lingustica e diversos modos de leitura,
captulo 1 Linguagens, funcionamento Cognitivo e Leitura
40
ao exemplificarmos com gneros multissistmicos a que estamos expostos
em situaes de ensino-aprendizagem ou na vida diria, os quais exigem a
ativao instantnea dessas habilidades, ou capacidades, para a adequada
compreenso e utilizao desses gneros e, consequente atuao em so-ciedade. O objetivo do captulo foi demonstrar que a devida apropriao
dessas noes tornar alunos e professores mais competentes para as per-formances lingusticas, por assim dizer, requeridas cotidianamente.
41
Captulo 2Multimodalidade, convenes
visuais e leitura
A nossa histria de indivduo multiletrado comea com a nossa inser-o neste universo em que o sistema lingustico apenas um dos modos de
constituio dos textos que materializam as nossas aes sociais. Um texto
um evento construdo numa orientao multissistemas, ou seja, envolve
tanto aspectos lingusticos como no-lingusticos no seu processamento
(Marcuschi, 2008, p.80). Trazer para o espao escolar uma diversidade de
gneros textuais em que ocorra uma combinao de recursos semiticos
significa promover o desenvolvimento cognitivo de nossos aprendizes.
(Significa tambm um enorme desafio, quando levamos em considerao
a nossa formao docente, a rapidez dos avanos tecnolgicos e a fami-liaridade dos nossos alunos com as mdias digitais em seu cotidiano fora
da escola). Multiletrar , portanto, buscar desenvolver cognitivamente
nossos alunos, uma vez que a nossa competncia genrica se constri e se
atualiza atravs das linguagens que permeiam nossas formas de produzir
textos. Assim, as prticas de multiletramentos devem ser entendidas como
processos sociais que se interpem em nossas rotinas dirias. Multiletrar
preciso! Multiletrar deve ocorrer, no processo de aprendizagem dos con-tedos de qualquer disciplina, atravs de atividades que permitam a com-preenso de um simples fato: Nosso alfabeto expandiu-se. (Jean-Claude
Carrire, 2010, p.19). Nosso alfabeto no mais formado apenas de letras,
sem vida, sem cor e sem movimento. Assim como os gneros no so ape-nas forma, so modos de ser, so formas de vida (cf. Bazerman, 2006), as
nossas prticas de leitura e de escrita sinalizam nossa forma de viver as
linguagens, de conviver com as multissemioses da nossa sociedade multi-letrada. Se o professor guiar as atividades de forma a dar cor, movimento,
textura e perfume aos textos, certamente estar fomentando estratgias
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
42
cognitivas que possibilitam aos aprendizes perceberem a vida dos gneros
textuais, favorecendo assim a construo do conhecimento (cf. Dionisio,
2011, s/p).
O processo de compreenso textual pelo qual procuramos nortear
nossa prtica docente se orienta pela perspectiva de que a multimodali-dade um trao constitutivo dos gneros. Portanto, no texto, materiali-dade dos gneros, onde os modos (imagem, escrita, som, msica, linhas,
cores, tamanho, ngulos, entonao, ritmos, efeitos visuais, melodia etc.)
so realizados. O que faz com que um modo seja multimodal so as com-binaes com outros modos para criar sentidos. Ou seja, o que faz com que
um signo seja multimodal so as escolhas e as possibilidades de arranjos
estabelecidas com outros signos que fazemos para criar sentidos, com os
mesmos, quais as articulaes criadas por eles em suas produes textuais.
Importante salientar que os signos fornecem um modo material de com-preender como as pessoas trocam significados, independentemente dos
meios pelos quais elas o fazem: linhas de um desenho, sons de uma fala
ou movimentos de gesto, e assim por diante (http://multimodalityglos-sary.wordpress.com/). Nesta correlao entre gneros, textos e modos, o conceito de materialidade assume uma grande importncia, visto que
uma premissa subjacente para (a maioria) das abordagens mul-timodais que todos os modos disponveis em uma cultura so
usados para gerar significado; e esses modos so selecionados em
conjuntos delineados para gerar significado que melhor se ajustem
a necessidades especficas. Todos os modos, tanto em funo de
sua materialidade e do trabalho que as sociedades realizam com
aquele material com o som se tornando fala, ou msica; com mo-vimentos de mos e falas feitos contra o torso superior se tornan-do gestos oferecem potenciais especficos para gerar significado e
trazem consigo limitaes. (Fonte: http://multimodalityglossary.
wordpress.com/).
43
Multimodalidades e Leituras
Multimodalidades, multiletramentos: situando conceitos
Compartilhamos os argumentos de Bezerra (2010, p. 293-294), ao res-saltar que a formao de um professor de lngua, materna ou estrangeira,
incluir, necessariamente, o estudo da lngua como objeto heterogneo,
dos gneros e textos como multifacetados e flexveis e das estruturas lin-gusticas como formas adequadas aos gneros textuais produzidos social-mente.
Nesta perspectiva, situamos o conceito de multiletramentos em seus
dois sentidos apontados por Rojo (2012, p.13): multiplicidade de culturas e multiplicidade de linguagens.
No que se refere multiplicidade de culturas, preciso notar: como
assinala Gracia Canclini (2008[1989]308-309), o que hoje vemos
nossa volta so produes culturais letradas em efetiva circulao
social, como um conjunto de textos hbridos de diferentes letra-mentos (vernaculares e dominantes), de diferentes campos (ditos
populares/de massa/erudito), desde sempre hbridos, caracteriza-dos por um processo de escolha pessoal e poltica e de hibridizao
de produes de diferentes colees.
J o conceito de multiplicidade de linguagens se refere aos modos ou semioses nas produes dos textos, sejam impressos, sejam em mdias au-diovisuais. Ou seja, multimodalidade ou multissemiose dos textos con-temporneos, que exigem multiletramentos (cf. Rojo, 2012, p.19).
Dionisio (2010, p.164-165) j chamava a ateno para o fato de que:
As alteraes fsicas no processo de construo dos gneros provo-cam, consequentemente, uma mudana tambm na forma de ler os
textos. O dinamismo da imagem do filme passou para a charge vir-tual, para o pster interativo, a disposio do texto na pgina oscila
entre os moldes ocidentais e orientais de escrita; estes so apenas
alguns exemplos que deixam transparecer a necessidade de reviso
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
44
do conceito de leitura e de suas estratgias que utilizamos em nos-sas aulas. Consequentemente, se os gneros se materializam em
formas de representao multimodal (linguagem alfabtica, dispo-sio grfica na pgina ou na tela, cores, figuras geomtricas etc.)
que se integram na construo do sentido, o conceito de letramen-to tambm precisa ir alm do meramente alfabtico. Precisamos
falar em multiletramento!
Em Cenrios futuros para as escolas, um dos artigos do volume 3 Multiletramentos da Coleo Educao no Sculo XXI da Fundao Tele-fnica, Rojo (2013, p.21) define multiletramentos como
prticas de trato com os textos multimodais ou multissemiticos
contemporneos majoritariamente digitais, mas tambm digitais
impressos que incluem procedimentos (como gestos para ler, por
exemplo) e capacidades de leitura e produo que vo muito alm
da compreenso e produo de textos escritos, pois incorporem a
leitura e (re)produo de imagens e fotos, diagramas, grficos e in-fogrficos, vdeos, udio etc.
Concordamos, plenamente, que a abordagem de um texto extrapo-la os recursos lingusticos escritos estticos, ou seja, as escolhas lingus-tico-discursivas. No entanto, no a concebemos como restrita aos tex-tos contemporneos nem majoritariamente digitais. Se tomarmos como
ilustrao uma das pesquisas realizadas por OHalloran (2004, p.96), ao
apresentar um breve histrico da multimodalidade na escrita matemtica,
constatamos, no incio da Renascena, que o desenho de corpo huma-no, experincia sensual e aspectos circunstanciais propiciavam o contexto
para a formao de conceitos matemticos. No eram meros desenhos ou
ilustraes, eram ilustraes que visavam ao desenvolvimento das teorias
em si, como podemos comprovar nas figuras a seguir:
45
Multimodalidades e Leituras
Gostaramos de revisitar uma anlise de Dionisio (2005), ao abordar
os recursos semiticos de uma fotografia:
Cena na Disneilndia, Califrnia, 2004 Fonte: acervo angela dionisio
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
46
Ao comentar esta fotografia, a autora a descreve como um ato de cor-tejo, de reverncia, em que o personagem Pateta, no cenrio de um parque
da Disney, cumprimenta uma jovem senhorita com um beijo na mo: a po-sio elevada do brao e da mo da menina, a postura levemente recuada
do corpo sinalizam a aceitao do ato com reserva, ou timidez; a posio
inclinada da cabea do Pateta, a posio das mos e a forma como segura
a mo da menina condizem com a formalidade do ato, marcando o envol-vimento de ambos os personagens no ato comunicativo que desenrola no
instante em que a cmera fotogrfica capta a interao. Em 2005, Dionisio
no considerou este evento como multimodal, mas hoje o consideramos
sem a menor dvida.
Neste sentido, os nossos atos de fala, sugere van Leeuwen (2004), de-vem ser entendidos como microeventos multimodais, nos quais todos os
signos apresentados se combinam para determinar a inteno comunica-tiva (van Leeuwen, 2004, p.8). De acordo com o verbete Signo, do Multi-modality Glossary, destacamos que
um aspecto diferenciador da semitica social (intrinsecamente
relacionado noo de Peirce) a perspectiva dos signos como re-novados constantemente (e.g. Kress, 1997). (...) Signos fornecem
um modo material de compreender como as pessoas trocam sig-nificados, independentemente dos meios pelos quais elas o fazem:
linhas de um desenho, sons de uma fala ou movimentos de gesto, e
assim por diante. Ao abranger todos os modelos de representao e
comunicao, teorias do signo (ou semitica) so coerentes com a
metodologia multimodal. Fonte: http://multimodalityglossary.wordpress.com/ Acessado em 24/09/2012.
Theo van Leeuwen utiliza um pster de recrutamento Kitchener para
mostrar como trs modos de representao se integram estilisticamen-te: desenho, palavra e tipografia. A imagem do dedo indicador apontan-do para o leitor do cartaz, o olhar srio dirigido ao leitor, o uniforme e o
bigode militares simbolizam autoridade; o uso da segunda (you) e a ter-
47
Multimodalidades e Leituras
ceira (your country) pessoas do discurso, a lexicalizao do requerimento (need) e do sujeito requeredor (country) e a impresso tipogrfica da pa-lavra YOU mais forte e mais densa em relao s demais palavras realizam um ato comunicativo multimodal. Tipografia e caligrafia no so apenas
veculos para o significado lingustico, mas modos semiticos em si mes-mos, salienta van Leeuwen (2004, p.14).
A tarefa do linguista, ou do semioticista social, reside, portanto, em
revelar estes sistemas de escolhas e possibilidades. Para van Leeuwen
(2005, p.3), ns no deveramos perguntar o que a Semitica, mas sim que tipo de atividades a Semitica, ou ainda, o que faz um semioticista. O prprio autor elenca trs respostas: (i) coletar, colecionar e catalogar sis-tematicamente, inclusive com suas histrias, os recursos semiticos; (ii)
Fonte: www.gguerras.wordpress.com
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
48
investigar como os recursos semiticos so usados em contextos institu-cionais, histricos, culturais especficos e como as pessoas falam sobre os
recursos nestes contextos (ou seja, como planejam, ensinam, justificam,
criticam etc) e (iii) contribuir para descobrir e desenvolver novos recursos
semiticos e novos usos dos recursos existentes. Para van Leeuwen, por-tanto, o foco da Semitica Social no apenas na imagem como represen-tao, mas tambm a imagem como (inter)ao. (van Leeuwen, 2003, p.19 apud Fei 2004, p. 55).
Enfim, uma das maiores pesquisadores em estudos multimodalidade
e ensino, Carey Jewitt apresenta assim o verbete MULTIMODALIDADE:
Multimodalidade uma abordagem interdisciplinar que entende a comunicao e a representao como envolvendo mais que a lngua. Os estudos nesse campo tm se desenvolvido nas ltimas dcadas de modo a tratar sistematicamente de questes muito discutidas sobre as mudanas na sociedade, por exemplo, em relao s novas mdias e tecnologias. Abordagens multimodais tm proposto conceitos, mtodos e perspectivas de trabalho para a coleo e anlise de aspectos visuais, auditivos, corporificados e espaciais da interao e dos ambientes, bem como da relao entre os mesmos.
Trs pressupostos tericos interconectados esto subjacentes multimodalidade.
Primeiro, a multimodalidade pressupe que a representao e a comunicao sempre se baseiam em uma multiplicidade de modos, todos contribuindo para o significado. Ela se concentra na anlise e descrio do repertrio completo de recursos gera-dores de sentido usados pelas pessoas (recursos visuais, falados, gestuais, escritos, tridimensionais, entre outros, dependendo do domnio da representao) em diferentes contextos, e no desen-volvimento de meios que mostram como esses so organizados para gerar sentido.
49
Multimodalidades e Leituras
Em segundo lugar, a multimodalidade pressupe que os recursos so socialmente modelados atravs do tempo para se tornarem geradores de sentido, os quais articulam os significados (sociais, individuais/afetivos) exigidos pelos requerimentos de diversas co-munidades. Esses grupos organizados de recursos semiticos para gerao de sentido so chamados de modos, os quais realizam ta-refas comunicativas de modos diferentes o que torna a escolha de modo um aspecto central da interao e do significado. medida que grupos de recursos so usados na vida social de uma dada co-munidade, mais completa e finamente articulados eles se torna-ro. Para que algo seja um modo h necessidade de um senso cultural compartilhado em uma comunidade de recursos e como esses podem ser organizados para realizar significados.
Finalmente, a multimodalidade pressupe pessoas orquestran-do o sentido atravs de uma seleo e configurao particular de modos, enfatizando a importncia da interao entre modos. Portanto, todo ato comunicativo modelado pelas normas e re-gras operando no momento de produo do signo, influenciado pelas motivaes e interesses das pessoas em contextos sociais especficos.
A pesquisa multimodal at o presente pode ser classificada de acordo com quatro principais pontos de concentrao:
1) A descrio sistemtica de modos e seus recursos semi-ticos.
2) A investigao multimodal da interpretao e interao com ambientes digitais especficos.
3) A identificao e desenvolvimento de novos recursos se-miticos digitais e novos usos de recursos j existentes nos ambientes digitais; e
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
50
4) A contribuio para pesquisa de mtodos para a coleta e anlise de dados digitais e ambientes dentro da pesquisa social.
H um debate considervel quanto multimodalidade ser con-siderada uma teoria, de fato, ou se mais apropriado v-la como um mtodo. Comparada etnografia, possvel defender que a multimodalidade pode atuar como uma teoria, perspectiva ou mtodo, e que esses diferentes graus de comprometimento com a multimodalidade ajudam a fazer sentido daquilo que pode ser visto como multimodal.
Historiando (um pouco) os estudos multimodais
Gunter Kress, Theo van Leeuwen e Robert Hodge so os autores dos
dois livros considerados marcos iniciais para os estudos multimodais. Em
1996 foi publicado Reading Image: The Grammar to Visual Design de Kress e van Leeuwen e, em 1998, Social Semiotics, de Hodge e Kress. O pionei-rismo destes autores se deve ao fato de proporem o desenvolvimento das
principais noes da Lingustica Sistmico-Funcional (modo, transitivi-dade1, dado/novo etc), originalmente voltadas para o sistema lingustico,
para outros modos de comunicao.
Desta forma, verificamos que as perspectivas de estudos multimodais
com vis social encontram respaldo, ou melhor dizendo, um nascedou-ro na teoria lingustica desenvolvida pelo linguista britnico M. Halliday.
Este estudioso desenvolveu uma perspectiva de anlise da linguagem, co-nhecida como Lingustica Sistmico-Funcional, que defende o postulado
de que as nossas escolhas, ao fazermos uso da lngua, so sempre em fun-
1. sobre o tema Transitividade e sobre a Lingustica Sistmico-Funcional, sugerimos o livro transitividade e seus contextos de uso, de Maria anglica Furtado da cunha e Maria Medianeira de souza, editora cortez, 2011.
51
Multimodalidades e Leituras
o de um contexto social. Sem se remeter a esse contexto, no h como
se descrever e interpretar adequadamente as diversas prticas que realiza-mos com a linguagem, bem como compreender os sistemas que compem
as lnguas. Para o autor, a linguagem um potencial semitico ao qual re-corremos para significar, e os usos recorrentes consolidam as significaes
contidas nesse potencial. Halliday (1985, 2004) compreendia a linguagem
como um modo semitico, que cumpre propsitos sociais, na qual iden-tificou a existncia de trs tipos de trabalho semitico e os denominou de
metafunes: ideacional, interpessoal e textual.
A metafuno ideacional representa ou constri os significados de
nossa experincia do mundo exterior ou interior por meio do sistema de
transitividade (significados representacionais). A interpessoal expressa as
interaes e os papis assumidos pelos usurios, revelando as atitudes des-ses usurios para com o interlocutor e para com o tema abordado por meio
do sistema de modo e modalidade (significados interacionais). A meta-funo textual est ligada ao fluxo de informao e organiza a textualiza-o por meio do sistema de tema e de coeso (significados textuais). As
duas primeiras metafunes so as manifestaes, no sistema lingustico,
dos dois propsitos mais gerais que fundamentam os usos da linguagem:
entender o ambiente e influir sobre os outros, a que se associa um terceiro,
o textual, que codifica esses propsitos.
Nessas trs metafunes, a orao a realizao simultnea de trs
significados: uma representao (significado no sentido de contedo); uma troca (significado como forma de ao); e uma mensagem (significa-do como relevncia para o contexto). Dessa forma, cada elemento de uma
lngua explicado por referncia a sua funo no sistema lingustico total.
Uma gramtica funcional , assim, aquela que constri todas as unidades
de uma lngua como configuraes de funes e tem cada parte interpre-tada como funcional em relao ao todo. Nela, uma lngua interpretada
como um sistema semntico, entendendo como semntico todo o sistema
de significados da lngua.
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
52
No livro seminal Gramtica do design visual, infelizmente ainda no traduzido para lngua portuguesa, Kress & van Leeuwen (1996, 2006) ree-laboraram as metafunes propostas por Halliday e as desenvolveram para
descrio e compreenso do potencial semitico dos elementos visuais,
sonoros, grficos etc que podem compor um texto. As tabelas abaixo, ex-tradas de Fernandes e Almeida (2008:12) nos permitem visualizar de for-ma resumida as relaes estabelecidas pelos autores:
Halliday Kress & van Leeuwen
ideacional representacional
responsvel pelas estruturas que constroem visualmente a natureza dos eventos, objetos e participantes envolvidos, e as circunstncias em que ocorrem. indica, em outras palavras, o que nos est sendo mostrado, o que se supe que esteja ali, o que est acontecendo, ou quais relaes esto sendo construdas entre os elementos apresentados.
interpessoal interativa
responsvel pela relao entre os participantes, analisada dentro da funo denominada de funo interativa (Kress e van leeuwen, 2006), onde recursos visuais constroem a natureza das relaes de quem v e o que visto
teXtual coMposicional
responsvel pela estrutura e formato do texto, realizada na funo composicional na proposio para anlise de imagens de Kress & van leeuwen, e se refere aos significados obtidos atravs da distribuio do valor da informao ou nfase relativa entre os elementos da imagem
Tabela 1: as metafunes (Fernandes e alameida, 2008, p. 12)
53
Multimodalidades e Leituras
Segundo Halliday (1985), diferentes redes sistmicas codificam dife-rentes tipos de significado, ligando-se, pois, s metafunes da linguagem
supramencionadas. Assim, o sistema de transitividade, especificando os
papis dos elementos da orao como ator, meta etc, codifica a experi-ncia do mundo, e liga-se, portanto, metafuno ideacional. O sistema
de modo, especificando metafunes como sujeito, predicador, comple-mento etc, diz respeito aos papis da fala, e liga-se com a funo interpes-
Tabela 2: a gramtica visual (Fernandes e alameida, 2008, p. 12)
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
54
soal. O sistema de tema e informao, especificando as relaes dentro
do prprio enunciado, ou entre o enunciado e a situao, diz respeito
metafuno textual. Em outras palavras, pode-se dizer que a metafuno
ideacional realizada pela categoria lxico-gramatical da transitividade;
a interpessoal se realiza pelo modo e a modalidade; e a textual pelas es-truturas temticas. Como assegura van Leeuwen (2004, p.16) muitos dos
conceitos desenvolvidos nos estudos da gramtica e do texto no so es-pecficos para a lngua.
Esse princpio ser aplicado por Kress & van Leeuwen (1996, 2006)
anlise visual, levando-se em conta as diferenas entre esses trs po-tenciais semiticos. Esses autores defendem ser possvel uma gramtica
para a anlise das imagens, uma sintaxe visual, pois, para esses autores,
imagens no so veculos neutros desprovidos de um contexto social. As-sim como a linguagem verbal, o social e o cultural so influenciadores dos
significados potenciais que a imagem pode encapsular. Assim, os autores
postulam que a linguagem visual dotada de uma sintaxe especfica na
qual os elementos se organizam em estruturas visuais para comunicar
um todo coerente, at ento associados exclusivamente anlise crtica
de textos verbais (ALMEIDA, 2008, p.10), bem como argumentam que
as imagens, em seu uso comunicativo, preenchem as mesmas funes. O
infogrfico a seguir orienta sua sintaxe, seu modo de leitura, atravs dos
nmeros em marcadores negritados e das setas que codificam os proces-sos de produo e distribuio do produto.
55
Multimodalidades e Leituras
Analisando esse infogrfico, Nascimento (2012, p. 425) afirma que:
a leitura do gnero no pode ser realizada conforme os moldes tradicionais, visto que mescla diversos modos de representao na construo do sentido, a saber: nmeros, cores, imagens, texto verbal e setas. Para que a leitura fosse realizada adequadamente, o leitor deveria seguir as ordens do simbolismo matemtico e acom-panhar as setas. A linguagem verbal conjugada s outras semioses permite o conhecimento da causa do fenmeno: Falha no processo de produo na fbrica de Guarulhos causou problema, bem como a elucidao das etapas que causaram a falha no processo de fabri-cao do Toddynho. A imbricao desses vrios modos semiticos compe um novo discurso no qual a imagem se funde com o ver-bal e constri novos sentidos discursivos, denominados de prticas textuais multimodais ou multissemiticas.
Infogrfico Toddynho sobre suspeitaFonte: site uol, in: nasciMento, r. g. do verbal ao visual: uma anlise multimo-dal de infogrficos sob a tica sistmico-funcional, in: souza, M. et al (orgs.). sinta-xe em foco. recife: ppgl/uFpe, coleo letras, edio eletrnica, 2012, p.409-437
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
56
Outra razo apontada por van Leeuwen (2004, p. 11) para atentarmos
na anlise de gneros em relao s imagens consiste em observar que os
limites entre os elementos ou estgios de ambos os gneros so sempre si-nalizados visualmente. Vamos tomar um estudo preliminar, realizado em
2010, por Dionisio e Vasconcelos, quando analisaram a explicao de fra-es equivalentes, em um livro didtico de Matemtica, destinado ao ensi-no fundamental, para observarmos as demarcaes visuais entre os modos
semiticos, entre outros aspectos. Transcrevemos, com adaptaes, um
fragmento da anlise feita pelas referidas autoras. Vejamos, inicialmente,
o fragmento do livro didtico de Matemtica:
Fonte: lezzi, g.; dolce, o.; e Machado, a. Matemtica e realidade, 6 ano. so paulo: atual, 2009, p. 167)
57
Multimodalidades e Leituras
Nesse trecho, o conceito de fraes equivalentes envolve trs sistemas semiticos para demonstrao do referido conceito, que so sistema lin-gustico, simbolismo matemtico e representao visuais de noes ma-temticas. No primeiro pargrafo, o problema apresentado por meio de
sentenas lingusticas, nas quais a indicao das divises do todo (deno-minador) e da quantidade das partes tomadas (numerador) se d pelo uso
do numeral cardinal e no por uma lexia. Em seguida, so propostos o pro-blema a ser resolvido Quem comeu mais chocolate? e a soluo Obser-vamos que os dois comeram quantidades iguais. Esta descrio lingustica poder favorecer a criao de uma imagem mental.
A continuidade da explicao do conceito se d pela retextualizao,
ou seja, retomam-se os dados do problema pela representao visual dos
dados (Luiz dividiu seu chocolate em 6 partes iguais e comeu 4 delas. Ot-vio preferiu dividir o seu em 3 partes e comeu 2 partes), atravs das repre-sentaes das barras de chocolate, e pelo simbolismo matemtico ( 4/6 e 2/3). A retextualizao, ou transduo, na terminologia de Kress, anun-ciada pela dixis textual, seguida de dois pontos Vejamos:. As operaes envolvidas demonstram uma organizao visual de contiguidade espacial
entre as representaes das barras de chocolate, dividas de acordo com as
informaes dadas no texto escrito, e as sentenas lingusticas que as re-presentam (Luiz comeu 4/6 do chocolate; Otvio comeu 2/3 do chocolate). Essa organizao um aspecto que poder cognitivamente favorecer um
melhor processamento pela memria de trabalho. A insero do simbolis-mo matemtico, como ncleo do sintagma nominal da sentena, ocorre
exatamente neste momento da reescrita do conceito, em que a represen-tao visual da frao se d por uma metfora de uma forma geomtrica.
Em outras palavras, verificamos a integrao, na unidade sintagmtica, do
verbal e do simbolismo matemtico, associada representao visual.
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
58
Nas representaes das barras de chocolate, linhas e cores permitem
a visualizao de que, apesar da representao numrica ser diferente, ex-pressa quantidades iguais. Logo, ambos os meninos comeram quantida-des iguais. A ausncia da cor e o pontilhado enfatizam essa quantidade.
A cor marrom, por sua vez, sinaliza o quanto ainda resta das barras de
chocolate, ou seja, favorece a imagem de um mesmo inteiro, condio para
que existam fraes equivalentes. Seguindo OHalloram (2004, p. 112), o
entrosamento dos sistemas de construo de sentido atravs dos recursos
semiticos garantem o sucesso na construo do texto matemtico.
J em relao ao desenho em que os dois meninos tambm mostram
suas barras de chocolate divididas de acordo com as informaes do texto
escrito, acreditamos ser menos informativo visualmente, por apresenta-rem apenas a diviso do inteiro e no indicao das quantias consumidas.
59
Multimodalidades e Leituras
Em sntese, essa anlise metafuncional das imagens baseia-se em trs pressupostos estabelecidos por esses estudiosos por compreenderem a re-levncia e a fora dos textos imagticos na sociedade hodierna. Vale sa-lientar que, em nenhum momento, os estudiosos defendem a supremacia da imagem sobre a linguagem verbal. Nessa perspectiva, postulam que os modos de representam verbal e visual (i) no so equivalentes nem veicu-lam os mesmos significados, (ii) no meramente coexistem e (iii) a imbri-cao entre eles pode afetar a forma e a leitura da mensagem veiculada. Atentemos para isso, observando os dilogos das cenas 1 e 2, transcritas a seguir, do filme Entre os muros da escola:
(i) os modos de representam verbal e visual no so equivalentes nem veiculam os mesmos significados
Entre os Muros da Escola: (00:51:21 00:51:50)
Cena 1: O aluno Souleymane l seu autorretrato, que s teve 1 linha
http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-
video-serie-verbetes-enciclopedicos
Souleymane: Eu me chamo Souleymanee no tenho nada a dizer
porque ningum me conhece a no ser eu.
Alguns alunos aplaudem.
Prof.: Chega, chega. Ficou muito bom, um pouco longo, mas
muito bom. Os outros se esforaram para escrever 10 linhas e voc
escreve uma s?
Souleymane: No sou a fim de contar a minha vida.
Prof.: E porque os outros se...
Souleymane: Se so a fim, problema deles. Eu no conto nada da
minha vida.
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
60
Entre os Muros da Escola: (01:02:46 01:03:00)
Cena 2: Souleymane traz em seu celular algumas fotos de sua
famlia e mostra aos amigos.
http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-
video-serie-verbetes-enciclopedicos
Prof.: Vamos entrar.
Aluno: Senhor, senhor. O Souleymane trouxe fotos pra o
autorretrato.
Souleymane: nada. As fotos esto uma porcaria.
Prof.: Boa ideia.
Aluno: Mostra a.
Souleymane: Compre um celular.
Prof.: Os pintores fazem autorretratos e fotgrafos tambm.
Souleymane: No sou pintor.
Prof.: Isso eu sei, venham, andem.
Na leitura dos dilogos transcritos das cenas, podemos perceber a di-ferena entre os significados gerados pelo modo verbal (dilogos) e pela in-tegrao linguagem e outros recursos semiticos (filme); ao se ler as duas
cenas, temos uma descrio do que se passou em sala de aula no momento
da apresentao do autorretrato de Souleymane e do momento posterior
em que se anuncia que ele, Souleymane, dessa vez, trouxe o autorretrato
em fotos, mas perdemos a riqueza semitica dos gestos, tom de voz, ex-presses faciais, alinhamentos corporais dos envolvidos etc. Somente com
a leitura dos dilogos, sem vermos as imagens, a significao de natureza
61
Multimodalidades e Leituras
predominantemente informativa, diferentemente da significao multimo-dalmente construda nas cenas quando vistas na histria. Quando lemos,
por exemplo, a fala de Souleymane: no sou a fim de contar minha vida,
na cena 1 e No sou pintor, na cena 2, s podemos imaginar sua expresso,
mas o jeito de sentar, sua roupa, seu olhar, os quais compem sua personali-dade e juntos constroem a significao das cenas no se revelam apenas pela
linguagem verbal.
(ii) os modos de representao verbal e visual no meramente coexistem
O verbal e o visual no meramente coexistem: os autores ressaltam,
nesse momento, a linguagem visual como ncleo de informao mais im-portante em alguns casos; a integrao fotografia e legenda, to cara ao
fotojornalismo, uma evidncia dessa afirmao, atravs da qual podemos
comprovar na cena 3, tambm do filme Entre os Muros da Escola, a fora da imagem,mas com o apoio do texto escrito, no caso, a legenda:
Entre os Muros da Escola: (00:04:57 01:06:03)Cena 3: O professor explica a Souleymane como se faz uma legenda.http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-video-serie-verbetes-enciclopedicos
Aluno: Agora ficou melhor, est melhor.
Prof.: Essa foto est boa mesmo. Pode colocar uma legenda nela.
Souleymane: Legenda como?
Aluno: Como nas histrias em quadrinhos.
Prof.: No esse tipo. como aquele texto que vem nas fotos dos
jornais.
Souleymane: Como no Le Parisien?
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
62
Prof.: Como, por exemplo, no Le Parisien. O que pode escrever, quem esta mulher?
Souleymane: Minha velha.
Prof.: Como assim?
Souleymane: Minha me.
Prof.: Pronto, pode dizer que a sua me. Depois pode explicar
que ela est fazendo esse gesto para evitar ser fotografada.
Aluno: Ele e o irmo ficaram irritando ela.
Souleymane: No vou escrever isso, cara.
Prof.: Por que ela fez esse gesto?
Souleymane: Ela no gosta de fotos.
Prof.: Escreva isso, minha me no gosta que tirem foto dela
Pronto, voc fez uma legenda. Viu? Se fizer isso em todas as fotos
vai ficar timo.
Nessa cena, os dilogos acontecidos entre o professor e o aluno Sou-leymane sobre como se fazer legendas, mostram a importncia do apoio
da linguagem verbal em momentos em que as imagens tm um papel cen-tralizador, como nesse caso das fotografias no autorretrato; embora, nesse
exemplo, a visualidade concentre, por assim dizer, o ncleo informativo,
a imbricao com a escrita (legenda) potencializa os efeitos significati-vos e amplia, expande essa significao para o contexto de produo das
fotografias. Assim, na interpretao do gnero autorretrato aqui tratado e
de outros onde se faz presente, a legenda possibilita um acrscimo de co-nhecimentos que a imagem por si s no consegue realizar. A coexistncia
dos dois modos, portanto, est mais do que justificada.
63
Multimodalidades e Leituras
(iii) a imbricao entre as semioses pode afetar a forma e a leitura
da mensagem veiculada
Narradores de Jav [00:12:44 00:13:26]
http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/trechos-em-video-serie-
verbetes-enciclopedicos/
Descrio do fragmento retirada do roteiro final do filme
Narradores de Jav:
Imagem de escritos riscados em todas as paredes da pequena casa de cho de terra: so frases, fragmentos de poemas e pensamentos dispersos, porm cuidadosamente diagramados junto aos poucos objetos pendurados e aos batentes de janelas e portas.
Nessa espcie de poesia visual, temos um forte entrelaamento dos
modos verbal e visual, uma vez que se trata de textos dispersos. O que os
une exatamente a forma, a composio, ou seja, o modo visual, a forma
cilndrica em que o autor disps os fragmentos escritos e que materializam
uma significao que no possvel sem a conjugao dos dois modos,
ou que seria distinta sem tal unio. Nesse caso, a leitura, a compreenso
dos pequenos textos bastante diferente da que seria dos textos isolados
captulo2 Multimodalidade, Convenes Visuais e Leitura
64
ou dispostos em linhas horizontais como o comum para a escrita. Uma
amostra potica das diferentes possibilidades de nos comunicarmos, de
dizermos mais.
Convenes Visuais e Leitura
A capacidade de compartilharmos convenes est diretamente re-lacionada com a organizao social das comunidades e, em decorrncia,
com a organizao dos gneros textuais. Basta lembrarmos, por exemplo,
as pinturas das cavernas, onde os homens registravam a histria de sua
comunidade. Certamente, os membros daquele grupo podiam ler os de-senhos ali registrados. As grandes catedrais da Europa Medieval simbo-lizavam verdadeiros livros didticos sobre a teologia crist, como ainda
hoje se observa no interior de algumas igrejas; consiste numa forma de
acesso religio. Na sociedade contempornea, a diversidade de arranjos
retricos na escrita, s vezes, no-padres, ou seja, exigindo modos de ler
semelhantes leitura oriental, resulta da influncia da mdia, do desenvol-vimento tecnolgico. J senso comum que nossos hbitos de leitura esto
sendo reelaborados constantemente. Desta forma, os materiais didticos
e, por decorrncia, a postura do professor e as formas de avaliao tambm
devem ser.
Kostelnik & Hasset (2003:24) defendem que as convenes prestam
um servio inestimvel aos usurios, ao se tornarem hbitos da mente.
A aprendizagem destas convenes, s vezes, requer uma situao for-mal como uma situao escolar em que h um treinamento formal para a
aquisio do simbolismo cientfico, para a notao musical, diagramas de
circuitos, por exemplo. Ou seja, para um processamento cognitivo ade-quado da informao apresentada em cada lio, em cada novo contedo,
o aprendiz precisa ir tambm se tornando um leitor visualmente fluente
naquela disciplina. Outro fator de dificuldade que o professor precisa fi-car atento consiste na composio mosaica dos gneros, isto , geralmen-
65
Multimodalidades e Leituras
te os gneros comportam convenes que so selecionadas e reagrupa-das como os padres de deslocamento de um caleidoscpio (Kostelnik e
Hasset 2003:32). Muitas vezes, em situao de avaliao, so oferecidos
aos alunos, grficos, tabelas produzidas por profissionais do design