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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Cincias Sociais Aplicadas Programa de Ps-Graduao em Educao - PPGEd Linha de Pesquisa: Estratgias de Pensamento e Produo de Conhecimento
Orientadora: Marta Maria C.A. Pernambuco
NATAL, ABRIL, 2005
JOS SVIO OLIVEIRA DE ARAJO
Tese de doutoramento apresentada como pr-requisito para obteno do grau de doutor pelo Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientao da Profa. Dra. Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco.
NATAL, ABRIL, 2005
Catalogao na base de pesquisa Grupo de Estudos em Prticas Educativas em Movimento - Gepem/PPGED/UFRN
Resp. Pedro Daniel Meirelles Ferreira CRB-4 1369 Recife /PE
A663c TESE
Arajo, Jos Svio Oliveira. A cena ensina: uma proposta pedaggica para formao de professores de teatro / Jos Svio Oliveira Arajo. - Natal, 2005. 177p.
Orientadora : Prof Dr Marta Maria C. A. Pernambuco Tese (Doutorado) Programa de Ps-Graduao em Educao .
Centro de Cincias Sociais Aplicadas - Universidade Federal do Rio Grande do Norte .
1. Educao Formao de professores . 2 Teatro Encenao. - I. Ttulo . II. PERNAMBUCO, Marta Maria C. A.. (Orientadora)
CDU 37.08:792.08
por
JOS SVIO OLIVEIRA DE ARAJO
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Marta Maria C. A. Pernambuco (UFRN) Orientadora
Profa. Dra. Maria Lcia de Souza Barros Pupo (USP) (1 Examinador)
Prof. Dr. Aro Nogueira Paranagu de Santana (UFMA) (2 Examinador)
Profa. Dra. Betania Leite Ramalho (UFRN) (3 Examinador)
Prof. Dr. Jos Pereira de Melo (UFRN) (4 Examinador)
Prof. Dr. Srgio Coelho Borges Farias (UFBA) (1 Suplente)
Profa. Dra. Terezinha Petrucia da Nbrega (UFRN) (2 Suplente)
Dedicatria
minha me Maria de Lourdes Oliveira Arajo, meu pai Jos Maria de Arajo (in memorian),
meu irmo Paulo, minha irm Ftima
minha esposa Elisete Schwade e ao meu filho Daniel, pelo amor, carinho e compreenso
e ao pequeno Jos Ivo, que vai nascer numa casa sem teses para serem escritas (pelo menos por enquanto).
Agradecimentos
professora, amiga e orientadora Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco, pela orientao e amizade nestes ltimos 20 anos.
Aos amigos e cmplices Eugnio Borges, Carmem Rego e Irene A. P. Paiva (minha comadre querida) que junto comigo formam um
Incrvel exrcito de Brancaleone.
Ao Programa de Ps-Graduao em Educao/UFRN, seus coordenadores funcionrios e professores, que tanto contriburam com minha formao neste programa.
comunidade do NEPECT, Vera Amaral, Alvamar, Marta Gen, Pedro Daniel, Pedro Henrique, Daliane, Maria Jos, Elione, Gilberto, Renata,
Hiramisis, Chao, Allyson, Gilson, Siomara, Margarida, Wani, Srgio e Dona Nova, companheiros de conversas, cafs e trabalho.
Aos Professores Jos Pereira de Melo, Luiz Carlos Menezes, Conceio Almeida, Terezinha Petrcia Nbrega, Maria Lcia Pupo e Aro Paranagu de Santana pelas crticas e interlocues.
Aos professores Edgar Assis de Carvalho e Vera Lourdes P. Rocha, pelas contribuies nos momentos iniciais deste trabalho.
Direo do CCHLA, a Chefia do DEART e Coordenao do Curso de Educao Artstica pelo apoio durante a elaborao deste trabalho.
Aos Professores Makarios Maia, Snia Othon, Lenilton Teixeira e Marcos Bulhes pela constante parceria e dilogo na construo desse trabalho e de um projeto acadmico para o Teatro como
rea de conhecimento no DEART/UFRN.
Dejardiere e Ricardo Pinto (meus anjos-da-guarda) pela amizade e assessoria.
Aos Alunos e Profes do Curso de Especializao em Ensino de Teatro pela parceria e dilogo, especialmente Ronaldo Costa, orientando e parceiro de investigaes no ensino de Iluminao Cnica.
Aos monitores do Laboratrio de Encenao Teatral pela presena constante e apoio imprescindvel.
Ao grupo do Projeto Egipcaca da UnP, aos professores Cristvo Pereira e Cristina Pavarini pela amizade e apoio a este trabalho.
Aos meus Alunos de Cenografia e Encenao, ao Grupo Clowns de Shakespeare, aos Agentes Comunitrios de Sade do Projeto Folc Sade e ao Grupo Estandarte de Teatro pela fertilidade das
experincias que propiciaram para este trabalho.
Aos professores Carlos Guilherme Octaviano do Valle, Julie Antoinette Cavignac e Oscar Maurcio Gomez pelos Abstract, Resum e Resumem respectivamente.
CAPES pela bolsa no perodo de fevereiro a maio de 2002.
Srgio Farias, Itamar, Ingrid Koudela, Carmela Soares, Snia Machado de Azevedo, Biange Cabral, Narciso Telles, Flvio Desgranges, Sheila Maluf e todos os amigos e colegas do GT Pedagogia
do Teatro da ABRACE.
Aos meus tios William e Rosa, aos meus primos e amigos de Barreta, nosso refgio paradisaco.
Seu Ivo, Dona Laura e toda famlia Schwade pela torcida.
minha me Maria de Lourdes Oliveira Arajo, meu irmo Paulo Arajo e minha cunhada Eleide, por tudo que significam para mim.
E principalmente, minha esposa Elisete Schwade, meus filhos Daniel Schwade Arajo e Jos Ivo Schwade Arajo, razo e o sentido de minha jornada.
RESUMO
A finalidade ltima deste trabalho apresentar alternativas para novos processos de formao de professores de teatro, discutindo diferentes aspectos que possibilitem uma capacitao profissional desta natureza e abordando a compreenso do campo artstico de forma indissocivel do campo pedaggico. Partindo do pressuposto que ensinar e aprender so atos de construo de conhecimentos, essa proposta pedaggica tem como objetivo o desenvolvimento de prticas teatrais educativas nas quais a produo de representaes teatrais sejam atos pedaggicos sistematizados. Enquanto prtica cultural espetacular organizada, o teatro abordado como um sistema de representao, cujos elementos so construes de diferentes atos de conhecimento, gerando diversos campos de atuao teatral, articulados de modo policntrico atravs do conceito de encenao e problematizados segundo questes de natureza textual, corporal e espacial. Os referenciais tericos e metodolgicos desta tese situam-se no pensamento do educador Paulo Freire acerca da organizao dialgica de processos de ensino, na produo do GEPEM Grupo de Estudos de Prticas Educativas em Movimento (PPGEd/UFRN) e em diferentes contribuies na rea da Pedagogia Teatral, particularmente aquelas que privilegiam uma compreenso do fenmeno teatral como uma prtica coletiva e em processo, dialogando com diferentes formas teatrais presentes tanto nas contribuies j incorporadas s tradies do teatro ocidental, como tambm, com snteses e reflexes produzidas por pesquisadores e pensadores contemporneos do teatro. A proposta pedaggica aqui apresentada consiste de trs eixos bsicos: a) concepo de rea; b) organizao curricular; c) produo de materiais para alunos e professores.
PALAVRAS-CHAVE: Formao de professores; Teatro; Encenao; Ensino de Teatro.
ABSTRACT
The main purpose of this work is to present alternatives to new training processes of
drama teachers. We will discuss different aspects of these training processes which might offer professional capabilities to teachers. We will also approach the understanding of the artistic field in its intrinsic relations to the pedagogic field. As far as teaching and learning practices are concerned, they must be seen as actions by which knowledge is constructed. Therefore this pedagogical proposal intends to develop theater practices in Education through which the production of theater performances might be seen as systematized pedagogical actions. Considered as an organized cultural practice and spectacle, theater is approached as a system of representations, whose internal elements are constructed by different practices of knowledge. They produce different fields of theatrical action, articulated in a multicentered approach through the concept of performance. According to textual, bodily and spatial issues, the internal elements of theater have to be also questioned. The theoretical and methodological references of this thesis are based on the ideas formulated by Paulo Freire, the Brazilian educator who reflected on the dialogic organization of teaching processes, as well as the academic production of GEPEM - Grupo de Estudos de Prticas Educativas em Movimento (PPGEd/UFRN). Other different theorists and researchers in the field of Theater in Education have also helped to inform this work, particularly those ones who have contributed and privileged an understanding of the drama phenomenon as a processual colective practice. These authors have been inspired by different theatrical forms in the world today, some of them already incorporated in Western drama traditions as well as others presented and developed in contemporary theater. Therefore, our pedagogical proposal consists of three basic axes: 1) the conception of the acting area; b) the organization of curriculum materials; c) the development of learning resources for students and teachers.
RSUM
L objet de ce travail est de prsenter des alternatives de nouveaux processus de formation de professeurs de thtre, montrant difrents aspects qui rendent possible une professionalisation de cette nature et abordant la comprhension du champ artistique dune faon indissociable du champ pdagogique. Em partant du prssupos que lenseignement et laprentissage sont des actes de construction de connaissances, cette proposition pdagogique a comme objectif que le developpement de pratiques thtrales soient des actes pedagogiques sistmatiss. Comme pratique culturelle spectaculaire organise, le thtre est abord comme um sistme de reprsentation dont les lments sont des constructions de diffrents actes de connaissance, engendrant diffrents champs daction thtrale, articules dun mode polycentre au travers du concept de mise em scne et problematiss selon des questions de nature textuelle, corporelle et spatiale. Les rfrences thoriques et mthodologiques de cette thse se trouvent dans la pense de lducateur Paulo Freire propos de lorganisation dialogique du processus denseignement, dans la production du GEPEM Groupe Dtudes de Pratiques Educatives en Mouvement (PPGED/UFRN) et dans diffrentes contributions de la pdagogie thtrale, particulirement celles qui privilgient une comprhension du phnomne thtral comme une pratique collective et en changement, dialogant avec diffrentes formes thtrales presentes dans les contributions dej incorpores aux traditions du thtre occidental, ainsi quavec des synthses contemporaines du thtre. La proposition pdagogique ici prsente consiste em trois axes principaux: a) Conception daire; b) organisation du cursus; c) Production de matriel pour lves et professeurs.
RESUMEN
La finalidad de este trabajo es presentar alternativas para nuevos procesos de formacin de profesores de teatro, discutiendo diferentes aspectos que posibiliten una capacitacin profesional de esta naturaleza y abordando la compresin del campo artstico de una manera indisociable del campo pedaggico. Partiendo del principio que ensear y aprender son actos de construccin del conocimiento, esta propuesta pedaggica tiene como objetivo el desarrollo de prcticas teatrales educativas en las cuales la produccin de representaciones teatrales sean actos pedaggicos sistematizados. El teatro, como prctica cultural espectacular organizada, es abordado como un sistema de representaciones, cuyos elementos son construcciones de diferentes actos del conocimiento, generando diferentes campos de actuacin teatral, articulados de modo poli-cntrico a travs del concepto de escenificacin y problematizados segn cuestiones de naturaleza textual, corporal y espacial. Los referenciales tericos y metodolgicos de esta tesis se sitan en el pensamiento del educador Paulo Freire acerca da la organizacin dialgica de procesos de enseanza, en la produccin del GEPEM Grupo de estudios de prcticas educativas en movimiento (PPGED/Universidad Federal do Rio Grande do Norte - UFRN) y en diferentes contribuciones en el rea de la Pedagoga Teatral, particularmente aquellas que privilegian una compresin del fenmeno teatral como una prctica colectiva y en proceso, dialogando con diferentes formas teatrales presentes, considerando las contribuciones ya incorporadas a las tradiciones del teatro occidental, as como las sntesis y las reflexiones producidas por investigadores y pensadores contemporneos del teatro. La propuesta pedaggica aqu presentada consiste en tres ejes bsicos: a) concepcin de rea; b) organizacin curricular; c) produccin de materiales para alumnos y profesores.
SUMRIO
Introduo..........................................................................................................
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Captulo I
Desafios para o ensino de teatro e o papel do professor.............................. 271.1 Desafios para o ensino de teatro......................................................................... 281.2 Superao do senso comum pedaggico............................................................ 301.3 Teatro para todos................................................................................................. 321.4 Teatro como cultura............................................................................................. 361.5 Superao das insuficincias de material de apoio e material didtico............... 371.6 Aproximao entre pesquisa em ensino de teatro e ensino de teatro................. 39
Captulo II
Encenao Teatral: objeto artstico e instrumento pedaggico...................
43
2.1 Consideraes sobre uma concepo de teatro................................................. 442.2 Atos de conhecimento e suas especialidades no mbito da ao
teatral coletiva..................................................................................................... 592.3 Questes estruturadoras de conhecimento nas prticas teatrais........................ 68
2.3.1 Questes de texto............................................................................................ 72 2.3.2 Questes de corpo.......................................................................................... 77 2.3.3 Questes de espao........................................................................................ 83
Captulo III
Dilogos na formao do professor de teatro................................................
89
3.1 Do sujeito que aprende s condies de aprendizagem..................................... 903.2 Do ensino de teatro s aprendizagens especficas............................................. 1033.3 Da organizao de uma matriz curricular para formao de
professores de Teatro.......................................................................................... 110
Captulo IV
O Labirinto o Fio: registrando experincias e sistematizando conhecimentos....................................................................
120
4.1 Construindo cenas............................................................................................... 1214.2 O papel da luz na construo de uma cena........................................................ 1264.3 A natureza fsica da luz e da viso humana........................................................ 1324.4 O espao a ser iluminado.................................................................................... 1344.5 Iluminao de formas e atores............................................................................. 1374.6 A rede eltrica de um teatro e os equipamentos
bsicos usados na iluminao............................................................................ 1404.7 O projeto de iluminao e sua execuo............................................................. 1504.8 Avaliao e referncias........................................................................................ 157
Consideraes finais........................................................................................ 161
Referncias......................................................................................................... 165
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O foco desta tese concentra-se na identificao e sistematizao de
organizadores que possibilitem a construo coletiva de um processo de
formao de professores de teatro, considerando as aes necessrias para a
organizao de uma programao curricular desta natureza.
Minha opo por este recorte de trabalho no se pauta numa deciso
pontual, mas pela confluncia de vrios percursos de vida e formao
acadmica, cuja resultante, em geral, apontava para a reflexo e interveno em espaos que me possibilitassem pensar e sistematizar aes para o
problema do acesso e produo de bens culturais.
Foi de grande significado, para minha formao tica e acadmica, ter
participado, como bolsista de iniciao cientfica, do projeto Ensino de Cincias a Partir dos Problemas da Comunidade, em 1985/86. Ainda como
estudante de licenciatura em Qumica/UFRN, pude acompanhar o
desenvolvimento de uma srie de cursos para professores de escolas pblicas,
conduzidos por Marta Pernambuco, Demtrio Delizoicov e Jos Andr Angotti,
que dialogavam com as idias educacionais de Paulo Freire na construo de
uma abordagem social para o ensino de cincias no ensino fundamental.
Este momento foi particularmente especial, por permitir a um estudante
que dava os primeiros passos no mundo acadmico, assistir e partilhar do
trabalho de investigao de um grupo de professores universitrios altamente
motivados e empenhados, gerando em mim uma impresso muito boa do
trabalho acadmico, de modo que, a marca deste momento, foi decisiva na
escolha dos caminhos profissionais que eu viria a seguir.
A produo deste grupo na identificao dos organizadores de uma
prtica educativa para programas de ensino de cincias na escola pblica,
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resultou em uma srie de reflexes pedaggicas e materiais didticos,
abordando os contedos de cincias das sries iniciais numa perspectiva
dialgica freireana, possibilitando a gerao de contedos programticos para
o ensino de cincias a partir de sucessivas problematizaes de questes que
emergem de diferentes esferas e representaes das realidades dos sujeitos. Este projeto de pesquisa se desdobrou em outras frentes e foi a base
para a criao do Grupo de Estudos de Prticas Educativas em Movimento
(GEPEM), espao ao qual esta tese de doutorado se vincula. Paralelamente a esta experincia, em 1987 iniciei minha trajetria teatral
atuando como msico e ator, no ento recm-fundado Grupo Estandarte de
Teatro, Natal-RN. Gradativamente, fui direcionando minhas preocupaes para
a produo e coordenao dos processos de encenao, principalmente pela
influncia do trabalho que realizei como assistente de direo de Carlos
Nereu1.
Nos primeiros passos de meu percurso teatral, recebi uma influncia
decisiva do pensamento tico e esttico de Carlos Nereu sobre teatro. Sua
forma de conduzir o trabalho teatral frente aos grupos que dirigia, reunia as
qualidades tcnicas de um diretor teatral ousado e criativo com a pacincia
pedaggica e capacidade de sistematizao de um bom professor. Suas
passagens por diferentes espaos teatrais do RN, deixaram marcas profcuas
na organizao do trabalho teatral de grupos e indivduos, especialmente nos
aspectos da qualidade da iniciao teatral e no acompanhamento sistemtico
do trabalho dos atores e demais agentes de um processo teatral.
1 Carlos Nereu (1958 -1996) foi um dos diretores de teatro mais importantes da dcada de
oitenta em Natal, RN, influenciando e formando vrios profissionais de teatro.
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Os diferentes problemas e necessidades presentes num grupo teatral,
fazem desse espao um interessante campo de iniciao e formao, uma vez
que muitas pessoas comeam sua prtica teatral em grupos de teatro e ali
desenvolvem a continuidade de sua formao teatral. Atividades como estudos
e pesquisas para montagem de espetculos, palestras com convidados,
oficinas de aprofundamento tcnico, entre outras, possibilitam que muitos
grupos de teatro atuem como espaos de formao e ensino de teatro.
Atravs de prticas teatrais pautadas no projeto tico-poltico-esttico de grupos de teatro como o Estandarte (Natal, RN), inicialmente dirigido por Nereu e cuja proposta central era levar o teatro s periferias da cidade do Natal, pude partilhar uma forma de entendimento do fazer teatral centrada na questo da
ampliao e socializao deste bem cultural.
Ainda neste grupo, durante o processo de preparao dos atores para a
montagem de No Se Paga, No Se Paga(1989 1990), pude perceber o alcance de uma formao teatral criteriosa e pedagogicamente bem elaborada,
quando tomei conhecimento do sistema de jogos teatrais de Viola Spolin, atravs da cuidadosa sistematizao que nos foi apresentada pela Profa. Vera
Rocha, do Departamento de Artes da UFRN.
Em minha passagem pelo grupo Argamassa (Natal, RN), tambm dirigido por Carlos Nereu, que estimulava o grupo ao estudo e
experimentao teatral, pude acompanhar o trabalho de um elenco
basicamente formado por funcionrios da Caixa Econmica Federal que, aps
o seu expediente bancrio, ainda encontravam tempo para dedicar-se
atividade teatral.
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Neste grupo, pude observar, do ponto de vista de quem coordena, j que no Estandarte eu trabalhava como ator, os desafios de organizao de uma
montagem teatral, seus procedimentos, tcnicas de criao e pesquisa, alm
da estimulante observao do trabalho de direo de atores praticado por
Nereu, trabalho este que eu partilhava na condio de assistente de direo,
mas que posteriormente eu viria a assumir como diretor do grupo Argamassa,
em 1989.
Em 1991, j tendo abandonado a Licenciatura em Qumica, ingressei no curso de Licenciatura em Educao Artstica/UFRN e, paralelamente, comecei
a ministrar minhas primeiras oficinas de iniciao teatral para grupos de jovens atravs de um projeto social da Prefeitura Municipal de Natal, RN2.
Nesse perodo, adotei como principal referncia no planejamento de uma oficina de teatro, o material produzido pelo projeto Vamos Fazer Teatro nas Escolas, da Sub Coordenadoria de Atividades Culturais, da Secretaria de
Educao/RN, idealizado por Carlos Nereu e Ivonete Albano3.
Este material consistia, basicamente, de apostilas com seqncias de
exerccios e jogos teatrais, textos sobre tpicos como histria do Teatro no Brasil e no Mundo, alm de orientaes sobre procedimentos de estudo para
composio de personagens para os jovens atores dos grupos de teatro assistidos pelo projeto. Predominava, naquele material, a influncia de Stanislavski, Spolin, Boal e Brecht, com foco particularmente voltado para a
preparao de atores.
2 Estas oficinas de iniciao teatral se destinavam a grupos de jovens assistidos pelo projeto
Gente Nova da ATIVA (Associao de Atividades de Valorizao Social). Estes jovens, numa faixa etria entre 13 e 17 anos, tinham em comum o fato de residirem em bairros populares na zona oeste de Natal (Cidade Nova, Bom Pastor, Quintas e Guarita) 3 Atriz e tambm integrante do Grupo Estandarte de Teatro.
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As primeiras oficinas de teatro que tive a oportunidade de ministrar eram
basicamente pautadas naquele material e, de 1991 a 1994, realizei diversos
cursos de iniciao teatral em Natal e outras cidades do RN, como Pat,
Currais Novos e Mossor.
Embora estas oficinas tenham me permitido o amadurecimento de
experincias teatrais voltadas para a construo coletiva de cenas e no uso da
improvisao teatral como recurso de construo dramatrgica, muitas
limitaes ainda precisavam ser superadas.
O final deste perodo coincidiu com o semestre de concluso de minha
Licenciatura, quando tive a oportunidade de ministrar uma oficina de iniciao
teatral na Escola Estadual Jorge Fernandes, no bairro de Potilndia, em Natal,
como atividade ligada disciplina Prtica de Ensino em Artes Cnicas. Esta
experincia me permitiu uma primeira sistematizao de minha prtica como
professor de teatro, me possibilitando identificar muitas fragilidades na forma
como eu vinha conduzindo minhas oficinas.
Atravs das rodadas de avaliao ao final de cada sesso da oficina, os
alunos em geral questionavam o fato de que, nas primeiras aulas, eles no
conseguiam perceber para que serviam aqueles exerccios introdutrios, o que
fazia com que os realizassem mais em funo do aspecto ldico do que pelo
reconhecimento do que poderiam representar enquanto uma preparao para o
trabalho teatral.
Estas inquietaes me impulsionaram a rever a organizao pedaggica
de minha oficina, ao observar que, nas atividades iniciais da mesma, ocorria
uma rgida verticalizao do processo de trabalho, que partia sempre de uma
concepo fechada, pr-estabelecida pelo professor, na qual a perspectiva do
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trabalho corporal como forma de instrumentalizar os atores para os exerccios
de representao que viriam posteriormente, desconsiderava a viso que os
alunos poderiam trazer acerca do teatro, do sentido de suas prticas e formas
organizao.
A reflexo acerca dos limites daquela abordagem me permitiu perceber
a apropriao acrtica que eu fizera dos materiais de Carlos Nereu e Ivonete
Albano, reconhecendo o quanto eu havia aplicado aqueles procedimentos de
forma descontextualizada, produzindo uma prtica educativa pautada
exclusivamente na autoridade de um saber do professor em detrimento de um
dilogo pedaggico com a cultura prevalente4 dos alunos.
Estas constataes impuseram a necessidade de reorganizao de
minha oficina de iniciao teatral, ampliando sua estrutura pedaggica, de
modo a permitir uma abordagem dialgica do processo de ensino de teatro,
cujas etapas se alternavam num dilogo entre a fala do professor, as falas dos alunos e o conhecimento universalmente sistematizado na rea.
Este aspecto tambm foi de particular importncia por possibilitar a
construo de dilogos entre referncias terico metodolgicas, como Viola
Spolin, Stanislvski, Boal, Brecht, Paulo Freire e as experincias pedaggicas
que eu j havia partilhado no projeto Ensino de Cincias a Partir de Problemas da Comunidade, que nesta poca j havia resultado na consolidao da base de pesquisa GEPEM Grupo de Estudos de Prticas Educativas em
Movimento.
Estas inquietaes foram a base para a proposio de meu projeto de mestrado, que iniciei em 1995, sob orientao da Profa. Dra. Marta
4 Esta expresso ser discutida no Cap. 03 desta tese.
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Pernambuco, um trabalho no qual pude desenvolver alguns critrios para o
planejamento de uma prtica teatral educativa, discutindo e ampliando minha concepo de teatro e produzindo uma viso de rea a partir de diferentes
prticas de ensino.
A dissertao de mestrado Teatro e Educao: uma viso de rea a
partir de prticas de ensino, defendida em Maro de 1998, no Programa de
Ps-Graduao em Educao da UFRN, dividiu-se em trs aspectos
fundamentais:
- Organizao de um dilogo metodolgico entre importantes referncias
para a construo de uma prtica teatral educativa, a saber: as discusses
sobre fazer, contextualizar e apreciar no ensino de arte, produzidas por Ana
Mae Barbosa; as estratgias didticas para ensino de teatro, produzidas no
sistema de Jogos Teatrais de Viola Spolin; e a organizao de processos
educativos dialgicos presentes nas sistematizaes produzidas pelo
GEPEM Grupo de Estudos e Pesquisas de Prticas Educativas em
Movimento, cuja produo tem como referncia o pensamento de Paulo Freire, no que diz respeito dialogicidade, multiculturalidade e aspectos
que envolvem a construo coletiva na organizao dos processos de
ensino.
- Levantamento de aspectos relativos estrutura do conhecimento na rea
de Teatro.
- Sistematizao de algumas de minhas experincias em Ensino de Teatro,
como: Oficinas de iniciao Teatral, processos de formao em Grupos de
Teatro e prtica docente no curso de Licenciatura em Educao Artstica-
Habilitao Artes Cnicas/UFRN.
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A produo desse trabalho me possibilitou identificar alguns elementos
organizadores para uma prtica teatral educativa problematizadora, baseada
na construo de relaes entre o conhecimento universalmente sistematizado
e questes que emergem das esferas e representaes das realidades dos
alunos, estimulando-os a construir relaes com os conhecimentos
sistematizados como um instrumento de ao e reflexo.
Diante da infinidade de tcnicas e possibilidades de construo das
prticas teatrais, uma abordagem problematizadora objetiva, entre outros aspectos, desenvolver critrios de seleo acerca dos contedos que sero
privilegiados num determinado processo de ensino, bem como, sistematizar
sua apropriao por parte dos sujeitos da educao, como um processo organizado de produo de conhecimentos e no apenas de transmisso e
assimilao. Este processo torna-se dinmico e transformador, na medida em
que os alunos possam se apropriar e transformar as tcnicas de representao
teatral, articulando estes conhecimentos com outras questes produzidas em
diferentes esferas de sua existncia.
As diversas experincias teatrais partilhadas ao longo do processo de
elaborao daquele trabalho ofereceram um campo de investigao rico e
diversificado como, por exemplo, o desafiante projeto de abordagem das comdias shakespereanas que me foi proposto pelo grupo de teatro Clowns de
Shakespeare (Natal, RN), me possibilitando, na condio de diretor teatral do grupo, de 1995 a 1998, pensar e sistematizar formas de trabalho nas quais um
processo de criao de uma encenao teatral fosse tambm um processo
organizado de formao teatral.
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Assim sendo, a montagem do espetculo A Megera DoNada, foi
organizada de modo a privilegiar a aquisio, construo e desenvolvimento de
contedos teatrais que propiciassem ao grupo repensar sua prpria
organizao interna, sua concepo teatral e ainda instrumentaliz-los para um
melhor exerccio de sua prtica artstica.
As reflexes produzidas naquela prtica teatral educativa, apresentadas
na citada dissertao, me possibilitaram uma primeira reflexo sistematizada
acerca do desenvolvimento de processos de criao teatral, organizados
tambm como processos de formao.
Ainda que isso tenha acarretado no prolongamento do tempo para a
realizao da montagem teatral, em comparao a outros processos de
produo, todos os membros do grupo concordaram em participar da criao e
execuo de todas as etapas de produo dos elementos que compunham
quela encenao, estudando suas tcnicas de produo, antecedentes
histricos e aspectos estticos, como forma de suprir lacunas de formao,
uma vez que o grupo era composto basicamente por pessoas vindas de outras
reas, como jornalismo, publicidade, fsica, geografia, entre outras. Este trabalho, alm de ter produzido desdobramentos importantes, como
a consolidao do grupo Clowns de Shakespeare no cenrio teatral potiguar e
a criao do Projeto Casa da Ribeira, foi tambm, para mim, um ponto forte para a sistematizao de processos de ensino de teatro que possibilitem
articular, simultaneamente, aspectos artsticos e pedaggicos.
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Outra situao de particular importncia para o desenvolvimento das
idias aqui contidas, foi a oportunidade de participar do Projeto Folc Sade5, que me permitiu elaborar e ministrar algumas oficinas de iniciao teatral, cujo foco centrava-se na necessidade de utilizao da linguagem teatral como
estratgia de comunicao social.
Com carga horria total de 40h e concentrada em apenas uma semana
de trabalho, cada uma destas oficinas apresentava novos e particulares
desafios, uma vez que, as localidades onde atuvamos apresentavam
diferentes realidades culturais e particularidades distintas nas questes de
sade pblica, exigindo um grau de organizao da construo teatral coletiva
bem mais preciso, que permitisse desenvolver um processo de
problematizao, aquisio de elementos de linguagem, criao e sntese
teatral para cada um dos pequenos espetculos encenados ao fim de cada
curso.
Desta forma, fui moldando minhas opes estticas a partir de
experincias teatrais diversificadas, as quais propiciaram direcionar meu foco
de estudo do teatro para as prticas teatrais enquanto prticas educativas, bem
como a respectiva sistematizao destas experincias, de tal maneira, que este
tem sido o principal leit motiv que me instiga a refletir sobre a formao teatral
e suas pedagogias.
Assim sendo, o perfil de minha formao me possibilitou orientar meus
estudos dos processos pedaggicos presentes na construo de uma prtica
teatral, como parte das estratgias de construo de conhecimento inerentes
produo artstica desta rea, compreendendo que criar, pesquisar e
5 De junho de 1995 a julho de 1996, servio do Projeto FolcSade, na Secretaria de Sade
do RN, elaborei e ministrei 25 oficinas de teatro para grupos de agentes comunitrios de Sade em diversos municpios do RN e em bairros da cidade do Natal.
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sistematizar uma encenao teatral, partilhando experincias com outros
parceiros numa construo coletiva, uma ao que potencializa atos de
ensino e de aprendizagem, cujo foco artstico ou pedaggico, pode ser dialogicamente conduzido, de forma criteriosa e ao longo dos diferentes
momentos que permeiam uma produo cnica.
Enquanto ao educativa, a Encenao Teatral disponibiliza um campo
de articulao de saberes e significados, cujas estratgias guardam ntidos paralelos com as necessidades de construo de conhecimento,
transversalidade e interdisciplinaridade, to reivindicadas e necessrias ao
exerccio da educao escolar.
Se no podemos afirmar que todo encenador um pedagogo, pode-se,
no mnimo, dizer que todo processo de encenao uma ao educativa, que
interfere, provoca ou modifica os que dela participam.
Atravs da coordenao e orientao de projetos no campo da cenografia e encenao, desenvolvidos por alunos de Licenciatura em
Educao Artstica, tanto na Universidade Federal do Rio Grande do Norte
quanto na Universidade Potiguar (UnP), esta ltima at 2000, observaes e reflexes contnuas sobre estes processos tem me permitido destacar como
uma formao artstica e uma formao pedaggica podem estar articuladas
num mesmo fazer, compreendendo o ato de ensinar como um ato de
construo conhecimento.
Portanto, a organizao curricular de um curso de formao de
professores de teatro, pode possibilitar ao aluno pesquisar e sistematizar seu
fazer teatral, compreendendo os diferentes aspectos de suas especificidades
epistemolgicas, seus recortes e contextualizaes, ao mesmo tempo em que
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coordena ou participa de atividades e projetos cujo foco esteja voltado para o ensino desta linguagem artstica para outras pessoas.
Atualmente, desde agosto de 2002, me encontro na condio de
professor efetivo do curso de Licenciatura em Educao Artstica Habilitao
Artes Cnicas, no Departamento de Artes da UFRN, o mesmo curso onde me
graduei, em janeiro de 1995. Um espao estratgico para o desenvolvimento desta tese, uma vez que o projeto poltico-pedaggico do curso encontra-se em processo de reformulao, propiciando muitos dados e questes para este
trabalho.
Tendo como objetivo central o desenvolvimento de uma proposta pedaggica para a formao de professores de teatro, a concepo do ato
teatral ser abordada como uma produo em processo e gerada a partir de
diferentes relaes entre a representao cnica e aqueles atuam na sua
produo, incluindo tambm o espectador.
Neste trabalho o conceito de Encenao compreendido como uma
construo coletiva de diferentes atos de conhecimento, um grande eixo capaz
de articular diferentes concepes de Teatro e suas respectivas prticas.
No captulo I, o papel do professor de teatro abordado como um fator
fundamental na superao de desafios que se colocam diante da ampliao do
acesso ao teatro como rea do conhecimento e, portanto, um bem cultural que
precisa ser disponibilizado de todas as formas possveis.
O captulo II desta tese apresenta uma organizao dissertativa dos
principais elementos que compem uma encenao teatral, assinalando como
sua criao/organizao/execuo constitui um campo epistmico privilegiado,
capaz de articular aspectos estticos, lingsticos e interdisciplinares. Um
24
espao de produo de conhecimento, que no necessita separar o foco
artstico do foco pedaggico, integrando-os numa mesma ao cultural
educativa, cujo ato pedaggico se consolida na medida em que so desvendados os processos de construo potica, aquisio de linguagem e
sntese esttica.
Ainda que se considerem os fenmenos teatrais como produtos de
culturas e, portanto, sujeitos a contextos de poca e lugar, possvel abordar os conhecimentos produzidos nesta forma de representao a partir de alguns
elementos essenciais, gerados num campo de relaes que, se no recebem a
denominao especfica da trade ator/texto/platia6, podem ser organizados
segundo categorias como corpo, texto e espao.
O captulo III retoma consideraes e conceitos vlidos para o
estabelecimento de condies de aprendizagem, bem como, apresenta uma
proposta de construo curricular baseada nesta concepo de teatro e
direcionada para um curso superior de formao de professores nessa rea.
Dividida em 09 semestres e organizada numa perspectiva dialgica, esta
organizao curricular procura respeitar as falas e produes dos diferentes
agentes envolvidos no processo, que se articulam em momentos pedaggicos,
cujos focos privilegiam diferentes aspectos da formao e produo de conhecimento em teatro, a saber: problematizao e construo de uma
concepo de prtica teatral educativa; o estudo dos diferentes campos de
atuao teatral e suas relaes na produo dos conhecimentos presentes
numa representao teatral; proposio, desenvolvimento e sistematizao
terica e metodolgica de prticas teatrais educativas.
6 Texto, ator e platia so elementos tradicionalmente descritos como elementos fundamentais
do fenmeno teatral que sero retomados no decorrer deste trabalho na concepo de Guinsburg, Pavis, entre outros.
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Nesta proposta de formao, a organizao pedaggica privilegia uma
construo coletiva entre os sujeitos de um processo teatral educativo, pautada na dialogicidade e na articulao de diferentes atos de conhecimento para a
construo das aes necessrias a produo de uma representao teatral,
respeitando os diferentes campos de atuao que possam ser articulados para
este fim e ampliando os objetivos de formao, no sentido de ir alm da mera troca de tcnicas e informaes.
Neste sentido, o processo deve habilitar seus agentes para entender as
chaves que os possibilitem lidar com as dificuldades na construo coletiva de
um trabalho de produo artstica. Uma ao coletiva onde se faz necessria a
capacidade de lidar com a diferena, com a incerteza diante de um produto em
permanente processo e, portanto, nunca se pode afirmar at o fim qual ser a
sua configurao definitiva. Em se tratando de uma construo artstica,
tambm se faz necessrio que os agentes reconheam que o aspecto autoral
da obra no ser estabelecido a partir de uma hierarquizao dos saberes e
prticas envolvidos neste modo de produo, mas sim pelo fato de que a obra
como um todo maior que a soma das partes.
No quarto e ltimo captulo, apresento uma proposta de registro e
sistematizao que subsidiem a superao de modelos teatrais etnocntricos e
monocntricos7, como o caso da super valorizao do trabalho do ator e
diretor em relao a outras atividades que compe o universo de um fazer
teatral. Esta preocupao se dirige, principalmente, para alguns conhecimentos
que so pouco estudados nos processos de ensino de teatro, como o caso
7 Ao longo deste trabalho, a designao modelos monocntricos se refere s formas de
organizao teatral, nas quais todos os elementos da esttica e comunicao teatral so colocados em rbita de um referencial privilegiado e a organizao de sua produo se submete a uma espcie de astro rei em torno do qual todos gravitam.
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da dramaturgia, cenografia, sonorizao/musicalidade e a iluminao cnica,
geralmente abordados apenas pelo vis tcnico sem que se discuta as
pedagogias de seu ensino. Um processo que pensa a prtica educativa como
uma ao dinmica e potencialmente transformadora, de maneira que, ao
construir os objetivos e procedimentos artsticos, a investigao teatral se configure tambm como ato pedaggico, permitindo tanto o desenvolvimento
da expresso, esttica e linguagem, quanto construo, ampliao e
aquisio de novos conhecimentos sobre diferentes formas teatrais, seus
saberes especficos e suas estratgias de construo.
Cap.1
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1.1 Desafios para o ensino de Teatro
Como o desenvolvimento de novos processos de formao de
professores de teatro pode contribuir para a melhoria do acesso de crianas,
jovens e adultos ao universo das experincias teatrais, tanto aquelas que possam ser desenvolvidas no mbito da escola15, como aquelas desenvolvidas
fora dela e seus desdobramentos scio-culturais?
As inquietaes que esta questo pode gerar encontram ressonncia no
bom momento que atravessa a organizao da pesquisa em ensino de teatro
no Brasil. Um crescimento testemunhado pela ampliao dos espaos de
discusso e divulgao cientfica16, como tambm, pelo aumento de
publicaes na rea.
Cabe, tambm, ressaltar a significativa mobilizao no sentido da
reestruturao curricular dos cursos de graduao em nvel superior,
particularmente os cursos de licenciatura, a partir da aprovao da LDB 9394/
96, que props a produo de novos parmetros e diretrizes curriculares para
formao de professores, gerando uma classificao para a rea de artes que
passou a ser dividida em quatro subreas: Teatro, Dana, Msica e Artes
Visuais.
Neste sentido, a tarefa de pensarmos processos de formao de
professores de teatro precisa reunir condies para o desenvolvimento de
habilidades e competncias como:
15 O uso do termo escola neste trabalho se refere s instituies de ensino, tanto as
dedicadas aos processos de formao da Educao Bsica, que adotam o teatro como componente curricular (previsto pela LDB N 9.394/96), quanto s escolas especializadas em ensino de teatro. 16
Principalmente atravs da Associao Brasileira de Pesquisa e Ps Graduao em Artes Cnicas (ABRACE), em particular o GT Pedagogia do Teatro e Teatro na Educao, no qual me encontro como vice-coordenador em parceria com a Profa. Ingrid Dormien Koudela.
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Compreender as especificidades do fazer teatral frente a
outras manifestaes artsticas e culturais, sabendo articular e
refletir acerca dos elementos tericos e metodolgicos que
constituem este fazer.
Reconhecer diferentes tipos de manifestaes espetaculares
no espao scio-cultural em que atua, identificando os
diferentes elementos de sua teatralidade;
Compreender as diferenas culturais presentes nos diferentes
espaos de atuao do professor e que caracterizam a
heterogeneidade e diversidade de seus alunos, o que torna
imprescindvel o dilogo pedaggico, numa construo coletiva
e articulada entre os contedos e estratgias de ensino e a
cultura prevalente dos sujeitos da educao. Ser capaz de pensar e organizar metodologicamente um
processo de ensino, refletindo consistentemente sobre os
problemas de aprendizagem e construo de conhecimento
em teatro, articulando conhecimentos tanto na rea especfica
do teatro, como tambm, na rea das cincias da educao.
Ser capaz de desenvolver diferentes tipos de registro de suas
experincias. Seja no trabalho de estudo e investigao, seja na criao, sistematizao e apresentao de um processo de
construo da experincia teatral;
Articular diferentes reas do conhecimento nos processos de
investigao de temas (tematizaes) que sero objeto de representaes teatrais;
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Conhecer diferentes recursos para a criao e elaborao dos
cdigos e convenes que iro compor uma encenao
teatral.
Estas atribuies apontam para uma complexa articulao de aes
polticas e pedaggicas na implantao de projetos que envolvem a formao destes professores, devendo o enfrentamento de alguns desafios significativos
ser a base da construo destes objetivos. Tomando de emprstimo a mesma estrutura de argumentao
desenvolvida nas reflexes de Delizoicov; Angotti e Pernambuco (1991) sobre os desafios para o ensino de cincias, pode-se desenvolver um paralelo,
identificando como esses desafios fundamentais se apresentam na construo
de novas propostas de ensino de teatro e de formao de professores nesta
rea.
1.2 - Superao do senso comum pedaggico.
Conhecer os cdigos e convenes de uma representao teatral, bem
como dominar seus processos de criao e construo, condio
fundamental para o bom exerccio da atividade teatral. Tal conhecimento,
porm, no implica necessariamente que os portadores destas habilidades se
faam automaticamente aptos para o desenvolvimento pedaggico destes
processos junto a outras pessoas que ainda esto aprendendo a lidar com estes cdigos e competncias.
Alm de dominar conhecimentos no campo teatral, o professor de teatro
deve estar apto a sistematizar e organizar experincias, articulando-as com
outros conhecimentos produzidos na rea, possibilitando que outras pessoas
31
se apropriem, desenvolvam e transformem os conhecimentos e experincias
teatrais organizados nos processos de ensino.
Neste sentido, a superao do senso comum pedaggico no ensino de
teatro se faz necessria para operar mudanas de atitudes em relao a
aspectos tais como: abordagens etnocntricas do fenmeno teatral que
empobrecem suas mltiplas dimenses histricas e culturais; a idia de
encenao como resultado de um processo centrado na figura do diretor; viso
fragmentada dos diferentes elementos que compem o fenmeno teatral; viso
monocntrica do processo de criao teatral, privilegiando um elemento em
relao aos demais; reproduo acrtica de experincias sistematizadas por
investigadores e artistas teatrais; atitudes reducionistas que atribuem falta de
talento as dificuldades encontradas por uma pessoa no exerccio da atividade
teatral; abordagens descontextualizadas de peas teatrais; descaracterizao
das especificidades da linguagem teatral forando comparaes com o Cinema
e a TV; reduo dos processos de ensino de teatro na escola a mera produo
de pecinhas teatrais; deslocamento do ensino de teatro na escola para fora
da rotina curricular circunscrevendo-o ao mbito das atividades
extracurriculares.
As atitudes citadas operam como obstculos para a prtica de ensino de
teatro nos mais diferentes espaos e situaes de educao. Embotam o
entendimento que muitos professores de teatro possuem de sua prpria
prtica, distanciam os objetivos de um fazer teatral de suas potencialidades pedaggicas e, particularmente nos processos de iniciao, reduzem o acesso
de pessoas a uma prtica teatral de qualidade, minimizando a capacidade de
32
gerao de novos conhecimentos por aqueles que participam destes
processos.
1.3 - Teatro para todos
Dizer que Teatro surgiu de um insight de algum que em vez de evocar
uma coisa resolveu fingir ser essa coisa um reducionismo da dimenso
histrica e social que esta prtica artstica possui.
Assim como todas as outras formas de arte, o teatro uma conquista de
linguagem da humanidade, no sentido de ser uma manifestao produzida a
partir de muitas formas de jogo, de imitao, rituais sagrados, formas narrativas e tantos outros elementos espetaculares existentes nas mais variadas culturas.
Esse conhecimento ancestral, permanentemente atualizado ao longo de
tantas pocas e lugares, acumulando experincias e saberes at constituir-se
nesse patrimnio cultural da humanidade que hoje conhecemos, no pode ser uma forma de conhecimento circunscrita apenas a crculos de iniciados, o que
justifica os esforos para torn-lo acessvel a todos que dele quiserem fazer uso.
Como espao de produo e socializao de conhecimentos, a escola
tambm acumula responsabilidades para garantir que esta forma de
conhecimento possa ser colocada disposio de seus alunos.
Na medida em que estes alunos possam explorar as possibilidades do
teatro enquanto um recurso potico, forma de enunciao esttica da realidade
atravs da imitao, do jogo do fingir ser ou brincar de ser, do prazer de jogar com as prprias projees de si e do mundo atravs da criao de estados de representao, conflitos dramticos e aes cnicas, a escola tem o papel de
33
organizar pedagogicamente esta experincia que se amplia na medida em que
mais pessoas tm acesso aos instrumentos de produo e compreenso desta
arte.
Ao apontar a importncia da relao dialtica entre produo de
linguagem e a transformao sofrida pelo sujeito que a opera, Biange Cabral sintetiza pensamento de Wittgenstein:
(...) para o qual, em vez do homem ser capaz de criar a linguagem, a lngua e as artes criam o homem, pois as respostas e aes espontneas, e as formas lingsticas e artsticas que se desenvolvem a partir delas do ao homem sua concepo de mundo - uma concepo que expressa no s sob a forma de palavras, mas principalmente em maneiras de vida e em possibilidades de ser. (CABRAL. 2000)
Assim, na medida em que fazemos teatro, esta prtica tambm vai
modificando nossas vidas, de modo que a diversidade ser sempre uma das
principais caractersticas do teatro, uma vez que, cada encenao possui
necessidades especficas e cada fazer teatral se define em torno de suas
escolhas e possibilidades.
Este percurso, construdo coletivamente, vai se delineando a partir de
inquietaes estticas e artsticas, de condies tecnolgicas, econmicas e
scio-culturais. Questes ideolgicas, psicolgicas, entre outras, definindo um
tipo de fazer teatral e os aspectos que do sentido a sua existncia.
A vida de um projeto teatral depender do sentido que tem para quem faz, mas tambm, e principalmente, da relao que se pretende manter para
com quem assiste. Deste modo, os xitos de uma experincia teatral so
relativos s suas intenes e objetivos. Como elemento articulador de processos de construo de
conhecimento artstico e estimulador de aes culturais, sejam elas produzidas
34
ao longo do desenvolvimento de sua programao escolar, sejam produzidas em espaos educacionais alternativos, a ao do professor de teatro no pode
se limitar reproduo de tcnicas e contedos supostamente acabados. O
papel do professor, alm oferecer aos alunos a oportunidade de acesso e
crescimento atravs da aquisio e construo de novos conhecimentos,
possibilita tambm articular aes que permitam aos alunos entender os
processos de produo de um conhecimento que se faz presente de diferentes
formas em diversos espaos de seu cotidiano.
Manifestaes espetaculares, organizadas ou no, como o teatro, a
dana, o circo a performance e tantas outras, so formas de representao
cnica que historicamente fazem parte de diferentes espaos do cotidiano e,
portanto, podem ser uma fonte de problematizaes a serem abordadas por
diferentes contedos escolares. Se, por um lado, suas possibilidades poticas
permitem infinitas construes e abordagens de variados temas, por outro, sua
natureza coletiva possibilita a construo de dilogos entre diferentes
identidades culturais dos grupos sociais, constituindo tambm um espao frtil
para a investigao de elementos organizadores de uma prtica social
educativa.
Sendo assim, a incluso do teatro no conjunto dos contedos curriculares de arte da educao bsica, bem como nas suas atividades
paracurriculares, no pode ser entendida como uma concesso, mas sim como
mais uma das muitas atribuies da instituio escolar.
Neste contexto, cresce cada vez mais a importncia da formao de
professores de teatro, aumentando a responsabilidade das instituies que
oferecem cursos de graduao em teatro, no sentido de que a habilitao de
35
professores/profissionais de teatro precisa ser profundamente repensada, de
maneira a permitir que possam ser desenvolvidas junto aos alunos destes cursos, as habilidades e competncias necessrias a conduo de processos
artstico-pedaggicos, de modo que as aes dos educadores e educandos em
teatro possam refletir tambm uma problematizao dos temas oriundos de
suas realidades.
Portanto, papel das escolas de ensino mdio e fundamental,
principalmente as pblicas, dado que atendem a uma clientela atingida
diretamente por uma srie de barreiras econmicas e sociais para dispor da
diversidade dos bens culturais produzidos pela sociedade contempornea,
proporcionar aos seus alunos, bem como comunidade onde est inserida, o
acesso a este patrimnio cultural da humanidade que o teatro, tanto como
consumidor quanto como produtor, contando, para isso, com o esforo de
articulao de diferentes agentes e instituies, empenhados na formao de
profissionais capacitados para a conduo de experincias teatrais e ampliao
do acesso a estas prticas.
As dificuldades que muitas pessoas encontram para vivenciar
experincias teatrais podem estar associadas a problemas de vrias ordens.
Desde a dificuldade de acesso a espetculos teatrais, motivada por problemas
de ordem econmica e social, ou pela falta de polticas pblicas de cultura que
promovam e incentivem a produo teatral, at os problemas gerados pela
permanncia de alguns preconceitos que dificultam uma maior participao
destas pessoas em processos teatrais, como exemplo, o fantasma da timidez
e da falta de talento, ou ainda, as vises elitistas que reduzem o teatro a uma
36
condio de arte superior e erudita, restringindo o seu acesso ao aval de um
conhecimento autorizado para exerc-lo.
Os brincantes de folguedos como o Bumba-meu-boi, a Chegana ou os
Caboclos de Lana do Maracatu Rural de Pernambuco, podem at no
conhecer os discursos de uma erudio teatral consagrada pelos cnones
etnocntricos da cultura ocidental, porm dominam com maestria os cdigos de
uma teatralidade repleta de elementos cnicos como: performance corporal,
figurino, maquiagem, ritmo e musicalidade.
O enfrentamento destas questes necessita da articulao de muitos
fatores, que vo desde polticas culturais capazes de reunir aes para uma
maior divulgao e incentivo ao teatro, seus diferentes processos de produo
e espaos de apresentao, at uma reavaliao permanente dos limites e
possibilidades contidos nos processos de produo e formao teatrais,
incorporados pelas diferentes tradies e culturas que marcam e influenciam,
de tempos em tempos, a produo do conhecimento nesta rea.
1.4 - Teatro como cultura.
A rigidez com que certas formas teatrais so reproduzidas,
descontextualizadas de seu tempo e lugar, nos faz pensar sobre os processos
que geram o engessamento destas formas.
Afirmaes recorrentes como a idia de que o teatro nasce na Grcia
ou de que Tspis foi o primeiro ator, so exemplos de como a generalizao
de uma forma, em detrimento das demais, negligencia as contribuies
histricas que diferentes culturas oferecem para o acervo universal do
conhecimento teatral e suas tradies.
37
Numa perspectiva antropolgica, um dos desafios que se apresentam
para a construo de prticas de ensino de teatro consiste na possibilidade de
que os processos das representaes teatrais auxiliem os sujeitos a compreenderem os aspectos que permeiam a construo de identidades
culturais.
O distanciamento que a representao teatral pode gerar em relao
aos elementos identitrios que caracterizam um determinado grupo social, se
por um lado reafirmam laos de pertencimento, por outro, possibilitam a
relativizao destes valores em contraste com outras culturas de diferentes
pocas e lugares.
Os processos de ensino de teatro, que reconhecem os sujeitos de sua ao educativa como sujeitos produtores de cultura, apostam na instrumentalizao destes sujeitos, como produtores de valores e significados culturais e investem no dilogo entre diferentes formas culturais como parte de
um amplo processo de troca, que envolve diferentes nveis de percepo da
realidade cotidiana, da mais local e imediata a mais ampla e aparentemente
distante. Ao se contrapor assimilao passiva de projetos estticos pseudo hegemnicos, uma ao teatral desta natureza aponta para o desenvolvimento
de um pensamento crtico indispensvel para a produo de critrios de
escolha no caldo da chamada cultura de massa e suas variantes.
1.5 - Superao das insuficincias de material de apoio e material didtico.
Um projeto de ensino de teatro, que se proponha a acontecer sistematicamente no espao de uma instituio escolar, necessita de uma
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articulao coerente entre Projeto Poltico Pedaggico, cotidiano de sala de aula, material de apoio (para o professor) e material didtico (para o aluno).
Em geral, os materiais usados em cursos de teatro no dialogam com o
professor de teatro, mas somente com um artista de teatro envolvido em seu
fazer. Quando o fazem - caso de Boal, Spolin e Koudela, para citar os mais
conhecidos no Brasil - h um evidente predomnio do jogo do ator em relao a outras formas de conhecimento presentes nas prticas teatrais.
Sendo o jogo uma das principais estratgias de ensino presentes nas prticas teatrais, faz-se necessrio que os materiais produzidos para alunos e
para professores, considerem a riqueza das relaes e problematizaes
inerentes a esta situao pedaggica. Todos os conhecimentos presentes na
prtica teatral tambm necessitam ser problematizados e fundamentados em
materiais que possibilitem tanto ao professor planejar um curso de teatro, como tambm, devem orientar o aluno na aquisio de novas informaes sobre o
assunto em estudo, fazendo-o de forma pedagogicamente articulada, de modo
que a informao caminhe ao lado da formao.
Materiais de apoio sobre assuntos como cenrio, iluminao,
dramaturgia, figurinos, maquiagem, sonoplastia, produo e administrao
teatral, entre outros, alm de escassos, se apresentam geralmente numa
configurao que privilegia mais os aspectos tcnicos e informativos que uma
construo pedaggica no campo do ensino de teatro.
Relatos de experincias, relatos autobiogrficos de profissionais da cena
que introduzem na sua narrativa os contedos referentes s suas
especialidades, manuais tcnicos contendo verbetes sobre diferentes aspectos
de um determinado assunto, tratados tericos sobre o tema so, quando muito,
39
os nicos formatos de materiais disponveis sobre esses assuntos para
professores e alunos.
Os avanos nas tecnologias da informao e na organizao da
produo e reflexo sobre a prtica teatral, vm possibilitando um crescimento
e difuso de estudos no campo da cenografia e arquitetura teatral, da
iluminao, do papel figurino na cena, do estudo da msica, do som e da
oralidade na cena, apenas para citar alguns exemplos, trazendo para o campo
do ensino de teatro o desafio de implementar os avanos ocorridos nestas
reas.
Isto implica incorporar novos materiais, novos recursos tecnolgicos e
novas concepes de ensino de teatro, cuja organizao possa contemplar as recentes reflexes e sistematizaes em reas antes consideradas como
instrumentos tcnicos, mas que cada vez mais se reafirmam como elementos
da linguagem teatral e, portanto, necessrios tanto aos que a elas se dedicam,
quanto aos que delas se utilizam, como o dramaturgo, o diretor e o ator. A
incluso destas contribuies no cotidiano de nossas prticas de ensino de
teatro ainda se encontra por fazer.
1.6 - Aproximao entre pesquisa em ensino de teatro e ensino de teatro.
No Brasil, muitos avanos relevantes vm sendo conquistados na
organizao da produo de conhecimento em teatro, o que vem oferecendo
melhores condies de pesquisa e desenvolvimento para aqueles que se
ocupam do teatro como produo artstica e como processo de formao e
ensino.
40
Sobre as pesquisas e contribuies reunidas nos ltimos dez anos no
campo de Ensino de Teatro no Brasil, Aro Paranagu Santana destaca:
Alm das experincias que avolumaram-se no interior das escolas e instituies culturais, outros fatores contriburam para salto qualitativo, dentre outros: i) o intercmbio com o estrangeiro, seja atravs da divulgao de livros, artigos e relatrios de pesquisa, ou da vinda de especialistas renomados para ministrar cursos, participar de seminrios e dar consultoria; ii) a publicao de obras como Improvisao para o Teatro de Viola Spolin, indicativa de caminhos para o ensino da linguagem cnica para crianas, adolescentes e adultos, atores ou no-atores, atravs de atividades ldicas voltadas para a aprendizagem dos cdigos da arte dramtica; iii) o surgimento dos cursos de ps-graduao especficos em arte, bem como a abertura de linhas de pesquisa sobre ensino de teatro nos mestrados de reas como educao, cincias sociais, filosofia e psicologia; iv) o agrupamento de profissionais em entidades acadmicas e sindicais, o que propiciou a realizao de congressos e simpsios. Dessa forma, a configurao de prticas e pesquisas em teatro-educao vm sinalizando a existncia de perspectivas alvissareiras, muito embora, na realidade da escola brasileira isso ainda seja um desafio a ser vencido (SANTANA. 2000. Pg. 29)
Apesar de estas conquistas terem alterado significativamente o
panorama do ensino de teatro no pas, nos ltimos anos, ainda estamos longe
de atingir uma posio satisfatria na operacionalizao destes avanos no
cotidiano da grande maioria nossas instituies de ensino fundamental e
mdio, bem como nos nossos cursos de nvel superior para formao de
professores de teatro.
O crescimento significativo de associaes como a FAEB Federao
de Arte Educadores do Brasil, ABRACE Associao Brasileira de
Pesquisadores em Artes Cnicas, ABEM, Associao Brasileira de Educao
Musical e ANPAP Associao Nacional de Pesquisadores em Artes Plsticas
so indicativos do crescente aumento no volume de produo de estudos e
pesquisas em diversos campos da arte, sendo um desafio fundamental
41
disponibilizar essa produo para aqueles que atuam no espao da educao
escolar.
Por tratar-se de uma rea cuja organizao institucional em pesquisa ainda d os primeiros passos, em comparao com a produo em pesquisa
em outras reas do conhecimento, ainda temos poucos instrumentos que
possibilitem a divulgao desta produo.
Revistas especializadas para divulgao de trabalhos de pesquisa e
ps-graduao, ampliao do acervo bibliogrfico da rea, incentivo
institucional tanto da rede pblica quanto privada, para uma maior participao
de professores em encontros de rea, possibilitando um maior engajamento nos espaos de articulao de grupos de pesquisa, so algumas aes que
precisam ser implementadas para que os professores de arte, e no caso aqui
em estudo, o professor de teatro possa compreender a produo em pesquisa
na sua rea, promover os saltos de qualidade no exerccio de sua prtica de
sala de aula e divulgar suas experincias e sistematizaes.
Uma maior aproximao entre pesquisa em ensino e o cotidiano deste,
principalmente nas escolas da rede de ensino pblico, tambm pode ser
produzida por aes governamentais que, atravs de programas de apoio
material e financeiro, incentivem universidades, secretarias de educao e
escolas na criao de redes de formao continuada, ou permanente,
estimulando o dilogo universidade/sociedade no campo dos estudos e
pesquisas sobre questes de ensino e aprendizagem, a partir do cruzamento
da pesquisa acadmica com os desafios cotidianos do ensino nas escolas que,
pelas mais diversas razes, apresentam-se tantas vezes isolados e distantes.
42
O enfrentamento dos desafios aqui apontados est na base de
transformao das condies hoje disponveis para o desenvolvimento de processos de formao de professores de teatro, considerando-se o dinamismo
da produo de conhecimento frente s variveis culturais, de contexto, de
lugar, de poca, de sentido esttico e possibilidades tcnicas.
Esta tese, portanto, dialoga com as provocaes lanadas por Aro
Paranagu de Santana ao afirmar:
(...) Faz sentido, sim, realizar estudos com vistas ao anncio de boas propostas, ao invs de ficar apenas denunciando as mazelas que inviabilizam o sistema educacional. Em outras palavras, urge equacionar mudanas concretas e imediatas que, mesmo sendo parciais ou localizadas, possam sinalizar o surgimento de novos paradigmas, evitando que a inrcia leve a se ficar to-s imaginando estratgias revolucionrias de transformao da sociedade, para que, somente depois disso, se possa refletir sobre as prticas que se operacionalizam durante o ato de aprender e educar (SANTANA; 2000, p. 191-192)
Os esforos concentrados nesta investigao de meios e estratgias
para formao de profissionais de ensino de teatro igualmente habilitados para
o exerccio desta arte, visam contribuir para o aumento dos agentes
multiplicadores de prticas educativas, que podem ser transformadoras e
produtoras de novos significados para a prtica teatral, diminuindo os abismos
entre as prticas teatrais e aqueles que a elas (no) tem acesso.
Cap.2
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44
2.1 Consideraes sobre uma concepo de Teatro:
Existem algumas perguntas que toda pessoa que se prope a fazer
teatro deveria tentar responder antes, durante e depois de sua jornada teatral. O que queremos comunicar? Por que e para que isso importante? Por que
escolhemos o teatro como forma de expresso artstica? Como iremos fazer
esse teatro? Para quem queremos fazer teatro? Onde? Quando? Com
quem?...
Algumas das respostas a estas perguntas so to complexas quanto
nossos prprios processos de autoconhecimento, pois constru-las a contento,
implica em refletir sobre o que se deseja fazer de nossa prpria vida e buscar um sentido para as coisas pelas quais achamos que vale a pena lutar.
Para uns, vale a pena desfrutar da glria, ainda que ilusria, de estar no
foco da ateno da platia e, se agradar, receber aplausos e elogios.
Para outros, o que importa perseguir um ideal esttico, algo que se
busca como forma de dizer aos outros como que percebemos as realidades a
nossa volta e como queremos transform-las.
Para outros ainda, o teatro uma forma de lazer, uma brincadeira na
qual algum se refugia para dissipar as tenses, buscar algum tipo de
autoconhecimento, explorar os prprios limites, fingir ser outro por alguns
momentos, brincar, jogar, mergulhar no ldico. Existe tambm aqueles para quem, alm de tudo isso, o teatro um
meio de vida. Um trabalho que se precisa fazer, esteja satisfeito ou no, goste-se ou no, para que se possa receber um pagamento e prover o prprio
45
sustento. Quando se tem a felicidade de gostar do prprio trabalho, ento o
prazer e a obrigao se fundem num mesmo objetivo. Seja como for, sempre iremos encontrar aqueles para quem o teatro
tudo isso junto e mais alguma coisa, o que nos aponta para o fato de que qualquer tentativa de definio do teatro e seus essenciais implica na
abstrao de sua relatividade histrica e social (PAVIS, 2001, p. 143). O tipo de fenmeno teatral que interessa a esta tese uma
manifestao espetacular organizada, profundamente influenciada por culturas
do hemisfrio ocidental, no continente europeu, cujas origens remotam antiguidade clssica, mais precisamente na Grcia, por volta de 450 a.C., mas
que permanece at os dias atuais, alimentada por diversas influncias e trocas
estabelecidas historicamente com outras manifestaes cnicas de diferentes
pocas e regies.
Esta delimitao, ainda que ampla, procura evitar reducionismos
etnocntricos frente a outras formas cnicas e espetaculares que no cabem
na denominao teatro, pois, embora se assemelhem a este fenmeno,
possuem em seu prprio contexto cultural os dados de sua enunciao.
Na viso do terico francs de teatro Patrice Pavis, a busca por uma
definio essencialista do teatro nos tem levado a esta reflexo:
Ao buscar a essncia do teatro, -se rapidamente levado a relativizar a tradio ocidental europia, a ampliar a noo de teatro para a de prtica espetacular, para qual resta inventar uma etnocenologia atenta s condies locais de todas as cultural performances nas quais o teatro, no sentido ocidental, no passa de uma prtica entre inmeras outras. (PAVIS; 1999, p. 143)
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A ampliao do campo de investigao das manifestaes
espetaculares um fenmeno contemporneo, que se alarga na medida em
que disciplinas como a Etnocenologia19 e a Antropologia Teatral20 apresentam
novos esforos de sistematizao no estudo das representaes cnicas.
No se trata, tambm. de adotar aqui uma posio exclusivamente
teatrolgica21, com pretenses universalistas de reconhecer o teatro ocidental
como uma forma cientificamente definida.
O teatro, cuja etimologia da palavra remete, em grego, ao lugar de onde se v, transformou-se e diversificou-se, recebeu influncias de outras formas
espetaculares, de carter sagrado ou profano. Estabeleceu-se em vrias
culturas como modalidade artstica reconhecida, portadora de seus prprios
cdigos, convenes, tcnicas e ticas, sendo parte de um patrimnio humano
produzido entre diferentes processos polticos e scio-econmicos, cuja origem, tributria de outros tantos processos de colonizao e trocas
culturais.
Neste sentido, a concepo de teatro presente neste trabalho, no se
prope a ser mais elaborada ou melhor burilada que outras que possam existir.
Trata-se, principalmente, de uma concepo de teatro fruto de uma
19 A palavra etnocenologia, segundo o Manifesto, retoma trs referenciais da lngua e da cultura
gregas. Etno, significando o que pertinente a um grupo social, um povo uma nao; ceno, cobrindo um grande conjunto de significados, simultaneamente os sentidos de abrigo provisrio, templo, cena teatral, local coberto onde os atores punham suas mscaras, banquete sob uma tenda, corpo humano, mmicos, malabaristas e acrobatas apresentando-se em barracas provisrias em momentos de festa todos estes sentidos remetem idia de ceno na palavra etnocenologia; e logia, naturalmente, designa a proposio de estudos sistemticos. (BIO; 1996, p. 17) 20
A Antropologia Teatral principalmente a de BARBA ocupa-se da dimenso simultaneamente fisiolgica e cultural do ator numa situao de representao. (PAVIS; 1999, p. 18)
21 Estudo do teatro em todas as suas manifestaes e sem exclusividade metodolgica. Este
termo de uso recente e relativamente reduzido, corresponde ao do alemo Theaterwinssensschaft ou cincia do teatro. (PAVIS; 1999, p. 396)
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determinada sistematizao, cujo foco estruturador o estudo da encenao como uma forma especfica de produo artstica, reunindo muitas formas de
conhecimento no mesmo ato de conhecimento.
Nesta concepo de teatro, o conceito de encenao teatral no est
necessariamente ligado figura do encenador, mas ao ato de encenar, assim
como, apenas a identificao de um fenmeno cnico no suficiente para
dizer que ali exista uma encenao.
fundamental, neste sentido, apontar para a singularidade da idia de encenao aqui proposta, vista como prtica sistematizada, destacando-a do
conceito de encenador e do conceito de cena.
Uma cena uma forma espetacular organizada, que possui cdigos e
convenes, espectador e atuantes22, lugar cnico e platia, entre outros
aspectos. As artes cnicas so as manifestaes artsticas cuja representao se organiza por meio da cena, por exemplo: teatro, dana, circo, mmica,
performance, entre outras. Assim, o teatro uma arte cnica, cujo espao de representao se apresenta por meio de uma encenao teatral.
Neste sentido, uma encenao teatral um complexo artstico
comunicativo. Um sistema de representao cuja construo implica na produo de cdigos e convenes, envolvendo diversas formas de
conhecimento e cujo princpio ativo se estabelece a partir da relao direta entre cena e espectador, mediado por mltiplas relaes produzidas nos
campos textual e corporal/espacial.
Uma breve discusso acerca da relao entre a idia de encenao e o
conceito de encenador se faz necessria, na medida em que um projeto de
22 Aqui, o termo atuantes visa abranger todos os que participam da construo e
apresentao da cena.
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ensino de teatro traz implcito, na sua organizao, uma concepo de teatro
que lhe d sentido e estruturao. Em outras palavras, os limites e
possibilidades de problematizao das concepes presentes numa
determinada rea do conhecimento, so fatores determinantes do perfil dos
projetos de cursos de formao nesta determinada rea. Convm ressaltar que o conceito de encenador fruto de um
determinado perodo histrico no desenvolvimento da arte teatral, cujas origens se situam em meio s transformaes culturais na Europa, mais precisamente,
num eixo de produo cultural entre Frana, Rssia e Inglaterra, a partir da
segunda metade do sculo XIX23.
Neste contexto, profundamente influenciado pelo movimento naturalista
oriundo da literatura, o palco ambicionava reproduzir fidedignamente detalhes
precisos da condio humana, seja na esfera social, psicolgica, poltica, econmica, ou outra qualquer que lhe imprimisse um carter de reproduo da
vida cotidiana.
Esta preocupao crescente com a representao figurativa do real, foi a
marca de muitos movimentos de criao teatral daquele contexto, levando-os a
um mergulho intenso na pesquisa dos fatores e contingncias necessrios para
dar vigor realista representao das personagens teatrais, suas situaes e
ambientes, de modo que a concepo cnica, gerada a partir da leitura de uma
pea escrita extrapolava as indicaes de contexto contidas nas didasclias24
ou nas entrelinhas das falas de uma pea.
23 Sobre este tema ver ROUBINE, Jean-Jacques A Linguagem da Encenao Teatral. Rio de
Janeiro. Jorge Zahar. 1982. p. 21
24 Instrues dadas pelo autor a seus atores (teatro grego, por exemplo) para interpretar o
texto dramtico. Por extenso, no emprego moderno: indicaes Cnicas ou rubricas (PAVIS; 1999, p. 96).
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Mesmo nos movimentos de oposio a essa tendncia realista, nos
quais outros artistas reivindicam uma maior valorizao do simbolismo da cena,
observa-se um fortalecimento ainda maior do papel da encenao como campo
de articulao textual da obra teatral.
Neste recorte da histria do teatro, naqueles grupos que viriam a ser as
referncias renovadoras do teatro de sua poca, acentua-se um forte
investimento nas atitudes voltadas para um aprofundamento dos estudos
teatrais direcionados especificamente para a cena, apontando para processos
de construo de uma encenao menos fragmentada e mais sistematizada,
na qual todos os elementos presentes concorreriam para uma concepo
unificadora e autoral, cuja assinatura final caberia a figura do encenador. Alm de enfatizar o aspecto autoral da cena teatral, tal conceito de
encenao tambm se reafirmava na medida crescente das necessidades da
produo teatral, carente de sistematizaes tericas e metodolgicas que
atendessem aos problemas da cena.
A exploso do espao cnico e a renovao do trabalho do ator
acentuaram rupturas em relao a uma atitude textocntrica, onde todos os
elementos da encenao obedecem a uma pretensa fidelidade concepo do
dramaturgo.
Neste contexto, a arquitetura cenogrfica se impe frente ao cenrio
pictrico. O trabalho do ator busca a superao de atitudes de elocuo
exclusivamente declamatrias e modelos de gestualidade deitificada25. Do
mesmo modo, a maquiagem, o figurino, a sonoplastia, a iluminao e outros
25 Gestos Deticos so aqueles que ilustram a mensagem verbal, indicando o referente do
signo verbal ou o lugar que se supe lhe seja prprio. Por exemplo, no caso de Deus, apontar-se o cu ou, no caso de uma declarao de amor, coloca-se a mo no peito (MARTINS; 1988, p. 259).
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elementos cnicos, ampliaram seu acervo tcnico/artstico e,
conseqentemente, sua participao na construo do espetculo teatral,
ainda que estas ltimas tenham sido relegadas mais ao mbito da tcnica do
que da criao artstica.
Embora esta concepo tenha possibilitado a reafirmao das
especificidades da arte da encenao no cmpito das artes em geral, iniciando
a produo de seu prprio aporte terico e rompendo com as limitaes das
teorias teatrais restritas ao campo da literatura dramtica, produziu um efeito
colateral de difcil superao: atrelou a idia de encenao figura do
encenador, disseminando uma determinada atitude criadora no teatro, pautada
numa figura capaz de submeter todos os artistas da cena ao jugo de seu pensamento unificador.
No pretendo discutir a eficincia deste modo de produo artstica
quanto a sua capacidade de gerar obras de grande valor teatral, pois a recente
histria do teatro rica em produes que marcaram poca e que so
conhecidas, principalmente, pela assinatura de seus encenadores, verdadeiros
designers da cena.
O que questionvel a validade deste modo de fazer teatro como
modelo para um projeto de ensino de teatro, que ambicione apresentar ao seu aluno uma viso, o mais completa possvel, dos diversos atos de conhecimento
presentes nesta arte, sem uma viso necessariamente hierarquizada dos seus
diferentes campos de atuao.
Embora a tendncia de um teatro de encenador tenha predominado ao
longo de quase todo o sc. XX, movimentos de oposio a esta atitude criadora
no teatro foram gestados, numa velocidade peculiar a este sculo, quase que
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paralelamente ao processo de afirmao do encenador como figura central no
teatro do sculo XX. Porm, sua fora s fez sentir mais efetivamente a partir
da segunda metade daquele sculo, quando algumas investigaes teatrais,
tais como a esttica do teatro pobre do diretor polons Jerzy Grotowski,
apresentaram alternativas consistentes ao teatro moderno.
Muitos processos teatrais, desenvolvidos pelo diretor polons Jerzy
Grotowski, questionaram o ecletismo de meios empregados para a produo
de uma encenao teatral, cujo excesso de elementos acabaria por distanciar o teatro da arte de ator, aproximando-o mais de outros objetos culturais, como o rdio, a televiso e o cinema, o que, na opinio de Grotowski, significava um
afastamento do teatro de seus elementos essenciais.
Privilegiando os processos de trabalho do ator, Grotowski aprofundou
investigaes sobre o sistema das aes fsicas26, proposto por Constantin
Stanislavski, no Teatro de Arte de Moscou, desenvolvendo uma srie de
princpios tcnicos que apontaram para a superao das limitaes de uma
atuao interpretativa (em que o ator se submete personagem) e lanando as bases de uma concepo identificada hoje como Ator Criador.
Para tal ator, o teatro no consiste apenas de ensaios e apresentaes,
mas tambm, e principalmente, de treinamento pr-expressivo. Sua atitude
criativa privilegia a representao em relao interpretao, ou seja, este ator no se limita a mediar a relao entre o espectador e personagem da pea
26 Entre as muitas proposies e sistematizaes acerca do trabalho ator, destaca-se no legado
de Stanislavski, particularmente para o teatro contemporneo, o estudo das aes fsicas, que rene reflexes e tcnicas que propem ao ator o estudo de corpo inteiro, e no apenas com o intelecto, das situaes propostas numa pea teatral, aprimorando e articulando os meios vocais e corporais (ARAJO; 2004c)
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teatral escrita, mas tambm, procura fazer da encenao sua prpria poiesis27,
acrescentando seus contedos pessoais e outros materiais coletados a partir
das mais variadas fontes.
Em alguns processos da criao teatral contempornea, usa-se tambm
o termo dramaturgia de ator para designar uma partitura de representao
cnica destes materiais pessoais.
Esta particular contribuio de Grotowski foi incorporada e ampliada por
outros encenadores do sc. XX, como Peter Brook e Eugnio Barba, os quais
fortaleceram o papel do ator criador em suas produes teatrais,
influenciando profundamente o pensamento teatral contemporneo.
Propostas como esta vm possibilitando alternativas ao formato
centralizador assumido pela figura do diretor/encenador no processo de criao
cnica, ampliando o leque de opes do teatro ocidental contemporneo. Resta
saber se uma alternativa a este sistema monocntrico, ou apenas a
substituio da figura centralizadora do diretor pela figura centralizadora do
ator.
De qualquer modo, para que se possa usufruir da pluralidade de
significados gerada pelo conceito de encenao, no h, necessariamente, que
se submeter a criao cnica exclusivamente aos critrios do encenador28.
27 A esttica se subdivide num estudo dos mecanismos de produo do texto e do espetculo
(poiesis), um estudo da atividade de recepo do espectador (aesthesis), um estudo das trocas emocionais de identificao ou de distncia (catharsis) (JAUSS; 1977, in PAVIS; 1999, p. 145-146))
28 No Brasil, esta tendncia se faz fortemente presente nos trabalhos do Grupo LUME, da
UNICAMP. No entanto, a experincia do Teatro da Vertigem (SP), que tem frente o diretor e professor Antnio Arajo, se apresenta como uma das mais slidas e bem fundamentadas sistematizaes de um processo de encenao colaborativo, que investe na ruptura radical com os sistemas autocrticos de encenao. No processo de trabalho que desenvolvi com o grupo de teatro Clowns de Shakespeare (Natal, RN), na montagem do espetculo A Megera Do Nada (1996-1999) tambm priorizamos um processo de encenao baseado na construo coletiva dos elementos da encenao cuja sistematizao est descrita em ARAJO (1998, p. 85)
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Assim, uma proposta de ensino de teatro que privilegie o estudo e
sistematizao de processos encenao, no precisa, necessariamente,
privilegiar a figura do diretor/encenador como forma centralizadora da atividade
teatral.
Se o teatro no s a arte da dramaturgia, a arte do ator ou a arte da
cenografia, no h de ser tambm apenas uma arte do encenador, mesmo
reconhecendo a importncia da contribuio deste artista para a harmonizao
e economia do conjunto dos elementos que estaro em cena. No entanto, a construo de um projeto teatral implica numa tomada de
posio quanto a uma forma de organizao das questes teatrais,
reconhecendo os limites e possibilidades desta posio.
Esta tomada de posio no significa renunciar a uma redefinio
permanente de conceitos e concepes, possibilitando uma abordagem
dinmica da estrutura do conhecimento presente no teatro enquanto rea do
conhecimento e permitindo o desenvolvimento de uma prtica teatral orientada
por um movimento de ao-reflexo-ao.
Neste sentido, no importa quantas vezes faamos a pergunta: o que
teatro? A resposta poder ser sempre diferente, de acordo com cada contexto
e processo pertinente s criaes teatrais.
A questo central aqui reside no fato de que, seja qual for o modo como um projeto teatral se concretiza enquanto ato cnico, ele certamente possui aspectos pelos quais se pode reconhecer naquele ato uma ao teatral,
diferenciando este ato daquilo que no teatro ou do que se assemelha ao
teatro apenas por meio de adjetivao.
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Um primeiro aspecto a ser ressaltado, no intuito de diferenciar um ato
teatral de outras formas espetaculares, sua natureza artstica, possuidora de
uma dimenso esttica que lhe indissocivel, cujo poder de sntese capaz de particularizar, numa nica obra, um conjunto de elementos significantes que expressam uma singularidade autoral, ainda que esta singularidade autoral
seja fruto de um processo de construo coletiva. Outra particularidade que permite reconhecer um fazer artstico teatral,
inserindo-o no que h de mais contemporneo em termos de uma concepo
de arte, a noo de que o espetculo teatral no se concretiza pela via da
materialidade da obra, mas sim pelas aes e relaes que iro caracteriz-la,
acentuando sua natureza relacional, tanto no sentido da relao
espectador/cena, quanto nas mltiplas referncias que se cruzam na
construo de compreenses e entendimentos daquela obra.
Embora existam infinitas significaes possveis, nas relaes entre o
espectador e a obra de arte teatral, este no um territrio de ningum, onde
qualquer um entende o que quiser, a partir de qualquer coisa que se cria e se
coloca em cena. Muito pelo contrrio: o espetculo teatral uma experincia
mediada por uma intencionalidade, na qual quem faz espera comunicar algo e,
quem assiste, espera estabelecer algum sentido para aquela experincia.
Por mais bem intencionada que seja uma proposta de encenao teatral e suas possibilidades de relao com a platia, no basta algum na posio