MAGALI MARQUES MACÊDO MARTINS
ARTETERAPIA COM ADOLESCENTES
Uma proposta de intervenção
CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO
OSASCO
2011
MAGALI MARQUES MACÊDO MARTINS
ARTETERAPIA COM ADOLESCENTES
Uma proposta de intervenção
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, do Centro Universitário FIEO, para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Educacional. Área de concentração: Psicopedagogia Linha de pesquisa: Psicopedagogia e Instituições Orientadora: Profa. Dra. Marcia Siqueira de Andrade
CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO
OSASCO
2011
MARTINS, M. M. M. Arteterapia com adolescentes. Uma proposta de
intervenção, 2011.
1. Arteterapia 2. Saúde Mental 3. Adolescentes I. Título. II. ANDRADE, Márcia Siqueira de.
MAGALI MARQUES MACEDO MARTINS
ARTETERAPIA COM ADOLESCENTES
Uma proposta de intervenção
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________
Nome: Márcia Siqueira de Andrade (orientadora)
Instituição:UNIFIEO
____________________________________________
Nome: Leda Maria Codeço Barone
Instituição: UNIFIEO
____________________________________________
Nome: Nilce da Silva
Instituição: Universidade de São Paulo
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos que, de alguma maneira, participaram desta
pesquisa e fizeram com que este trabalho fosse possível de se realizar. Não
cito nomes para não correr o risco de ser injusta com alguém.
AGRADECIMENTOS
Agradeço.
Primeiro, a Deus, por ter me dado saúde para transpor alguns percalços
pessoais e tranqüilidade que pudesse ser transmitida aos pacientes, para que
eles tivessem confiança no enfrentamento dos seus próprios conflitos.
A minha família, que esteve comigo em todos os momentos, em especial a
meu marido Olair e às minhas filhas Gisele e Heloisa pela compreensão.
Aos colegas de mestrado e, com carinho, às minhas amigas, Wilma
Nascimento dos Santos Ganso Carvalho e Maria do Carmo dos Santos Motta,
que me apoiaram, compartilhando cada instante de aprendizado intenso
durante o curso de pós-graduação.
A meus professores, pela dedicação.
À minha orientadora Profa. Dra. Márcia Siqueira de Andrade que, com sua
objetividade e segurança, direcionou-me e incentivou-me em todos os
momentos desta pesquisa.
A Profa. Dra. Ana Angélica Albano e Profa. Dra. Leda Maria Codeço Barone,
pelas sugestões dadas na qualificação da pesquisa, as quais enriqueceram
tanto a dissertação quanto meus conhecimentos sobre o tema.
Muito obrigada!
MARTINS, Magali Marques Macedo. Arteterapia com adolescentes. Uma proposta de intervenção. 2011. 92 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO, Osasco.
RESUMO
Este estudo buscou realizar uma análise compreensiva do processo de intervenção arteterapêutica com adolescentes que apresentavam problemas psicológicos e transtornos de conduta. Esta pesquisa justifica-se, pelo número expressivo de adolescentes que, atualmente, apresentam transtornos mentais no Brasil. Participaram do presente estudo quatro adolescentes, sendo 3 (três) do sexo masculino e 1(um) do sexo feminino, com idades entre 14 e 15 anos, alunos do Ensino Fundamental e Médio de escolas da Rede Pública do Município que já freqüentaram o Atelier Terapêutico da Clínica- escola de IES localizada na região oeste do estado de São Paulo. Os participantes do sexo masculino foram encaminhados com diagnóstico médico de transtornos de comportamento e emocional. A participante do sexo feminino apresentou, como queixa familiar e escolar, problemas de comportamento. Os dados foram coletados em duas etapas: na primeira etapa foram realizadas, pela pesquisadora responsável, entrevistas semi-estruturadas com os pais e/ou responsáveis dos participantes. As entrevistas ocorreram no próprio Atelier Terapêutico, com a duração aproximada de duas horas sendo gravadas para posterior transcrição e análise. Em seguida tiveram início as sessões de Arteterapia que aconteceram semanalmente, em grupo, em número de 23 sessões com a duração média de1 hora e 30 minutos. A coleta de dados nas sessões arteterapêuticas constou de técnicas lúdicas, de atividades artísticas e da condução das dinâmicas espontâneas, com o propósito dos participantes entrarem em contato consigo mesmos, externalizando seus sentimentos e emoções. Para analisar o material pertinente a esta pesquisa, foram descritos e relacionados história de vida, história clínica, e aspectos referentes às imagens simbólicas que surgiram ao longo do processo arteterapêutico e, posteriormente, analisadas segundo o referencial psicodinâmico. Na análise dos dados foram identificadas as categorias temáticas recorrentes que emergiram durante as sessões registradas neste estudo. Os resultados indicam que a transformação e o conflito surgem como características da evolução psicodinâmica durante o processo arteterapêutico, indicando a importância da assimilação de seu significado ao plano da consciência. Conclui-se considerando que a arteterapia pôde ser um instrumento facilitador do processo terapêutico de cada indivíduo participante da pesquisa, na medida em que diminuiu resistências e favoreceu a livre expressão. Palavras-chave: Arteterapia, Adolescentes, Saúde mental.
MARTINS, Magali Marques Macedo. Art therapy with adolescents. A proposed intervention. 2010. 92 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Educacional) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO, Osasco.
ABSTRACT
This study tried to do a comprehensive analysis of the process of art therapy intervention with adolescents who had psychological problems and conduct disorders. This research is justified by the significant number of adolescents who currently have mental disorders in Brazil. The study included four adolescents, three (3) male and one (1) female, aged between fourteen and fifteen years, elementary school students and high school to the Public in the city who have attended the workshop Therapeutic Clinic IES-school located in the western state of São Paulo. The male participants were referred to a medical diagnosis of behavioral disorders and emotional. A female participant presented as family and school complaints behavior problems. Data were collected in two stages: first stage was conducted by the researcher responsible, semi-structured interviews with parents or guardians of participants. The interviews took place at Atelier own therapist, with an approximate duration of two hours being recorded for later transcription and analysis. Then began the art therapy sessions that occurred weekly in the group, on twenty-three sessions witch one hour a half of during. Data collection in art therapy sessions consisted of playful techniques of artistic activities and driving dynamics of spontaneous, with the intention of the participants get in touch with themselves, externalizing their feelings and emotions. To analyze the material relevant to this research, were described and related life and medical history, and aspects related to the symbolic images that emerged during the art therapy process, and subsequently analyzed according to the psychodynamic. In the data analysis were identified recurring themes that emerged during the sessions recorded in this study. The results indicate that the transformation and conflict emerge as features of evolution during the psychodynamic art therapy, indicating the importance of assimilation of its significance to the plane of consciousness. It is considering that these interventions could be a facilitator of the therapeutic process of each individual research participant in that it decreased resistance and encouraged free expression. Keywords: Art Therapy, Adolescent, Mental Health.
SUMÁRIO
Página
1. INTRODUÇÃO......................................................................................... 12
2. ADOLESCÊNCIA.................................................................................... 14
3. ARTETERAPIA........................................................................................ 17
3.1. PERCURSO HISTÓRICO DA ARTETERAPIA..................................... 17
3.2. ARTETERAPIA COMO RECURSO TERAPÊUTICO........................... 19
4. ARTETERAPIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA....................................... 22
5. OBJETIVOS......................................................................................... 29
6. MÉTODO................................................................................................. 30
6.1. PARTICIPANTES................................................................................. 31
6.2. INSTRUMENTOS................................................................................ 31
6.3. PROCEDIMENTOS.............................................................................. 33
6.4. ANÁLISE DOS DADOS........................................................................ 37
6.4.1. Análise de conteúdo.......................................................................... 37
6.4.2. Análise psicológica............................................................................. 38
7. RESULTADOS E DISCUSSÃO.............................................................. 39
7.1. EVERALDO.......................................................................................... 39
7.1.1. Everaldo rasgando e colando............................................................ 40
7.1.2. Everaldo representa o próprio corpo................................................. 42
7.1.3. Everaldo colore seus sentimentos..................................................... 44
7.1.4. As borboletas de Everaldo................................................................. 47
7.1.5. O tucano de Everaldo........................................................................ 51
7.1.6. Categorias temáticas recorrentes que emergiram das produções
de Everaldo..................................................................................................
55
7.2.VAGNER................................................................................................ 55
7.2.1. O auto-retrato de Vagner................................................................... 57
7.2.2. Vagner e a cachoeira......................................................................... 58
7.2.3. A cor dos sentimentos de Vagner..................................................... 59
7.2.4. Vagner criança................................................................................. 62
7.2.5. Categorias temáticas recorrentes que emergiram das produções
de Vagner.....................................................................................................
64
7.3. Mario..................................................................................................... 64
7.3.1. Auto-retrato de Mario........................................................................ 65
7.3.2. A família de Mario............................................................................. 67
7.3.3. Cor e sentimentos de Mario............................................................... 69
7.3.4. Mario conversa com os pais..............................................................
7.3.5. Categorias temáticas recorrentes que emergiram das produções
de Mario......................................................................................................
72
74
7.4. CARMEM.............................................................................................. 75
7.4.1. Carmem se representa...................................................................... 75
7.4.2. Representando a família................................................................... 78
7.4.3. Cor e sentimentos de Carmem........................................................ 79
7.4.4. Categorias temáticas recorrentes que emergiram das produções
de Carmem..................................................................................................
81
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 83
9. REFERÊNCIAS..................................................................................... 85
10. APÊNDICES......................................................................................... 91
Aprovação do Comitê de Ética............................................................ 92
LISTA DE QUADROS
Página
Quadro 1. Caracterização dos participantes da pesquisa...................... 31
Quadro 2. Procedimentos empregados nas sessões arteterapêuticas.. 34
LISTA DE FIGURAS Página
Figura 1. Everaldo: Rasgadura de papeis e colagem..................... 41
Figura 2. Everaldo: auto- retrato..................................................... 43
Figura 3. Everaldo: Cores e sentimentos........................................ 45
Figura 4. Everaldo desenha borboletas.......................................... 48
Figura 5. Everaldo representa um animal....................................... 53
Figura 6. Auto-retrato de Vagner...................................................... 56
Figura 7. Vagner trabalhando o espaço............................................ 58
Figura 8. A Cor dos sentimentos de Vagner..................................... 60
Figura 9. Lembranças de Vagner.................................................... 63
Figura 10. Auto-retrato de Mario.............. ....................................... 65
Figura 11. Representação da família de Mário................................. 67
Figura 12. Cor e sentimentos de Mario............................................. 71
Figura 13. Mario conversa com os pais............................................ 73
Figura 14. Carmem se representa.................................................... 76
Figura 15. A Família de Carmem...................................................... 78
Figura 16. Cor e sentimentos de Carmem.......................................
79
LISTA DE TABELA
Tabela 1. Número de sessões de cada participante 33
10. APÊNDICES
12
1. INTRODUÇÃO
Este estudo buscou realizar uma análise compreensiva do processo de
intervenção arteterapêutica com adolescentes que apresentavam problemas
psicológicos e transtornos de conduta.
A questão que se coloca pode ser assim enunciada: como a arteterapia pode
contribuir para a saúde mental de adolescentes? Para Philippini (2007), “a arteterapia
auxilia no processo de individuação do sujeito, possibilitando o desenvolvimento dos
potenciais latentes e do autoconhecimento”. E, ainda, ao “desenvolver o seu potencial,
pela aquisição da liberdade e da autoconfiança, a pessoa torna-se capaz de superar
seus próprios problemas, enquanto evolui em seu caminho de transformação psíquica e
material” (PHILIPPINI, 2007, p. 23).
Trinta e cinco milhões de adolescentes com idade entre 10 e 19 anos foram
identificados no Censo Demográfico brasileiro, realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) em 2000. Esse número dimensiona a magnitude e a
importância da necessidade de atenção à saúde mental desta faixa etária,
principalmente considerando-se as estimativas de prevalência de transtornos mentais
de até 20% neste grupo (FLEITLICH e GOODMAN, 2002).
Embora ainda sejam escassos os estudos epidemiológicos na área sobre saúde
mental dos adolescentes nos países em desenvolvimento, a questão tem sido foco de
interesse de pesquisas (BARROS, 2005; VEDOVATO, 2005; FLEITLICH e GOODMAN,
2001 e 2002). Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2003 e 2005),
algumas doenças mentais são mais frequentes na adolescência, dentre elas a
depressão e psicoses. Além dessas, também devem ser considerados os transtornos
de ansiedade, transtornos de conduta, abuso de substâncias e transtornos alimentares.
A arteterapia surgiu no Brasil na década de 1920, quando Osório César
começaria a utilizar a arte como recurso terapêutico no hospital psiquiátrico Juquery em
São Paulo. No Rio de Janeiro, em 1940, Nise da Silveira, psiquiatra de orientação
junguiana, iniciaria igualmente um trabalho no hospital psiquiátrico de Engenho de
Dentro, criando oficinas de arte que posteriormente seriam reunidas no que se chamou
Museu do Inconsciente (CIORNAI e DINIZ, 2008). Entretanto, apesar de tantos anos
13
terem passado, ainda hoje, estudos e pesquisas sobre a aplicação da arteterapia no
tratamento e prevenção de pessoas com problemas psicológicos surgem no cenário
científico brasileiro de forma escassa. E, mesmo que se reconheça que o efeito
terapêutico da arte está ligado diretamente à energia psíquica do indivíduo e às
possibilidades de expressar conteúdos internos (FORTUNA, 2005), a arteterapia ainda
é vista com desconfiança por alguns setores da área da saúde por entenderem que ela
requer subsídios teóricos e práticos mais consistentes que melhor fundamentem sua
eficácia como instrumento diagnóstico psicodinâmico e como estratégia
psicoterapêutica.
Nesse sentido, esta pesquisa justifica-se, inicialmente, por buscar contribuir para
a análise compreensiva de um processo arteterapêutico e pelo número expressivo de
adolescentes que, atualmente, apresentam transtornos mentais no Brasil. Além disso, a
necessidade de se buscar estratégias para promoção da saúde mental dos
adolescentes é reconhecida pelos órgãos públicos. Entretanto, a despeito das
diretrizes, resoluções e projetos de âmbito federal, relativos a uma política em saúde
mental para a adolescência e juventude expressas nos documentos oficiais (Brasil,
2005), sua implementação ainda é precária, uma vez que as estratégias de intervenção
e organização do sistema de serviços têm especificidades, que não podem ser
contempladas pela simples extensão das estratégias de cuidado da população adulta à
população infantil e juvenil (PATEL, 2007), quando se considera a adolescência como
um constructo formado historicamente, operado por forças sociais, culturais, políticas e
econômicas.
Frente ao exposto, propôs-se a organização deste texto em seções. A primeira
aborda a questão da adolescência. As segunda e terceira seções versam sobre os
aspectos históricos e conceituais que embasam a prática da Arteterapia considerando
os conceitos principais da Psicologia Analítica. Na seção seguinte é descrito o percurso
metodológico. Em seguida, na quinta seção são apresentados os resultados e
discussões. Após, as considerações finais. As referências utilizadas no trabalho e os
anexos vêm a seguir.
14
2. ADOLESCÊNCIA
Segundo Becker (1994) a etimologia do termo adolescência vem do verbo latino
adolescere que significa ad = para e olescere = crescer, apontando para o
entendimento dessa fase como condição ou processo de crescimento, na qual as
mudanças começariam com o início da puberdade e terminariam quando as
responsabilidades adultas fossem assumidas.
A adolescência é compreendida, por alguns, como uma fase especial do
desenvolvimento humano caracterizada por conflitos e turbulências decorrentes das
alterações físicas que remete à biologia e a estados do corpo, ou bem como categoria
sócio-demográfica que remete a parâmetros etários. A adolescência pode ser
caracterizada como um período da vida em que ocorrem rápidas mudanças físicas,
cognitivas e sociais, junto à maturação sexual e reprodutiva. Fazendo parte desse
processo, a assunção de novos papéis no caminhar para a idade adulta, a qual requer
novas experiências, conhecimentos e responsabilidades (WHO, 2003). Durante essa
passagem, é comum os adolescentes serem vistos como sujeitos em conflito, como
apontado abaixo:
Do ponto de vista do mundo adulto, isto é, o sistema ideológico dominante, o adolescente é um ser em desenvolvimento e em conflito. Atravessa uma crise que se origina basicamente em mudanças corporais, outros fatores pessoais e conflitos familiares. E, finalmente, é considerado “maduro” ou “adulto” quando bem adaptado à estrutura da sociedade, ou seja, quando ele se torna uma engrenagem da máquina (BECKER, 1994, p.9)
A Organização Mundial de Saúde define adolescência como a fase do
desenvolvimento compreendida entre os 10 e os 19 anos, critério adotado, no Brasil,
pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
(TRAVERSO-YÉPEZ e PINHEIRO, 2002)
Segundo Castro (1998) foi sob o enfoque da intervenção e do controle, da
valorização da norma e segregação do desvio que emergiu ao final do século XIX, a
concepção corrente de adolescência. Deste modo, é a partir dos condicionantes de
finais do século XIX e inícios do XX, que se passa a identificar essa fase como um
período de transição entre a infância e a idade adulta, sendo constituída como um
período específico, com uma psicologia e uma sociologia próprias.
15
Santos (1996), em estudo que mapeou historicamente as concepções de infância
e adolescência, identifica em Rousseau a invenção da adolescência como um período
típico do desenvolvimento, marcado pela turbulência, no qual o jovem não é nem
criança nem adulto. Também aqui estariam as raízes de uma visão naturalista, na
medida em que a infância e a adolescência são vistas como um estado, e não como
uma condição social.
Porém, essa visão naturalizante está em oposição ao caráter sócio-construído do
termo e à complexidade com a qual se depara ao aprofundar-se nessa temática. Ao
considerar-se a adolescência como um conceito construído historicamente, afastado de
uma concepção naturalista e universal tem-se que:
É o adolescente concreto que se caracteriza basicamente por sua condição de pertencer à natureza, sua condição de ser social, ou seja, é definido pelo conjunto dessas relações sociais, sua condição de ser histórico, em que o seu grau de desenvolvimento dependerá da estrutura social mais ampla na qual ele se encontra inserido e finalmente, sua condição de pertencer à natureza, mas poder se diferenciar dela através da possibilidade de produzir meios de sobrevivência, que serão as matrizes geradoras de todas as relações humanas estabelecidas e, conseqüentemente, da produção da cultura e do
conhecimento. (CONTINI et al, 2002, p.14)
Essa visão da adolescência parte de uma concepção sócio-histórica do ser
humano, na qual este é produto e produtor de sua história, sempre segundo as
possibilidades e limitações do contexto sócio-cultural do qual faz parte. Entende-se que
A adolescência não é um período natural do desenvolvimento, mas: É um momento significado e interpretado pelo homem e tem marcas que a sociedade destaca e significa. Mudanças no corpo e desenvolvimento cognitivo são marcas que a sociedade destacou. Muitas outras coisas podem estar acontecendo nessa época da vida no indivíduo e nós não as destacamos, assim como essas mesmas coisas podem estar acontecendo em outros períodos da vida e nós também não as marcamos, como, por exemplo, as mudanças que vão acontecendo em nosso corpo com o envelhecimento (OZELLA, 2002, p.21)
Dentro da perspectiva sócio-histórica só é possível compreender a adolescência
a partir de sua inserção na realidade na qual foi produzida (Bock, 1997). Clímaco (1991)
considera que, na sociedade moderna, o trabalho, com sua sofisticação tecnológica,
passou a exigir um tempo prolongado de formação, adquirida na escola. Além disso, o
16
desemprego crônico/estrutural da sociedade capitalista trouxe a exigência de retardar o
ingresso dos jovens no mercado e aumentar os requisitos para esse ingresso. A
ciência, por outro lado, resolveu muitos problemas do homem e ele teve a sua vida
prolongada, o que trouxe desafios para a sociedade, em termos de mercado de
trabalho e formas de sobrevivência.
Estavam dadas as condições para que se mantivesse a criança mais tempo sob
a tutela dos pais, sem ingressar no mercado de trabalho. Mantê-las na escola foi a
solução. A extensão do período escolar, o distanciamento dos pais e da família, e a
aproximação de um grupo de iguais foram as consequências dessas exigências sociais.
A sociedade assiste, então, à criação de um novo grupo social com padrão coletivo de
comportamento: a adolescência (OZELLA, 2002).
Para Ozella (2002) outro fator importante é que a adolescência pode ser
entendida também como forma de justificativa da burguesia para manter seus filhos
longe do trabalho. A adolescência refere-se, assim, a esse período de latência social
constituída a partir da sociedade capitalista, gerada por questões de ingresso no
mercado de trabalho e extensão do período escolar, da necessidade do preparo técnico
e da necessidade de justificar o distanciamento do trabalho de um determinado grupo
social. Essas questões sociais e históricas vão constituindo uma fase de afastamento
do trabalho e de preparo para a vida adulta.
As marcas do corpo e as possibilidades na relação com os adultos vão sendo
pinçadas para a construção das significações, para a qual é básica a contradição, que
se configura nesta vivência entre as necessidades dos jovens, as condições pessoais e
as possibilidades sociais de satisfação delas (OZELLA, 2002). É dessa relação e de
sua vivência, enquanto contradição, que se retirará grande parte das significações que
compõem a adolescência: a rebeldia, a moratória, a instabilidade, a busca da
identidade e os conflitos.
17
3. ARTETERAPIA
Lidar com a adolescência é um desafio, pois é uma fase marcada por mudanças
intensas e multidimensionais, que abarcam a esfera física (biológica), psicológica e
sócio-cultural. (FERREIRA, 2006)
Conforme Queiroz et al (2010), concepções e práticas no cuidado ao
adolescente são
Constituídas com base em necessidades detectadas pelos agentes produtores de saúde. A atenção ao adolescente configura-se como espaço essencial nos âmbitos da assistência e da formação acadêmica, em ambientes de produção de cuidados, que buscam transformações focalizadas nos aspectos da humanização e da formação do sujeito e de sua cidadania (QUEIROZ et al., 2010).
É evidente que as mudanças físico-biológicas trazem várias implicações,
principalmente para a assistência à saúde dos adolescentes. (FERREIRA, 2006). Nesse
sentido, a arteterapia pode surgir como uma possibilidade de intervenção eficaz na
prevenção, tratamento e manutenção da saúde mental dessa população.
3.1. PERCURSO HISTÓRICO DA ARTETERAPIA
Os estudos pioneiros que relacionam a atividade artística com a expressão do
mundo subjetivo tiveram início no final do século XIX, tendo maior notoriedade a partir
do início do século XX, quando começa a haver um progressivo interesse de alguns
autores na compreensão mais refinada destes processos. Assim, neste período, as
produções de pacientes psiquiátricos se tornaram foco de vários estudos
(VASCONCELLOS e GIGLIO, 2006, p.19).
Segundo Silveira (2001), o século XIX foi denominado o século do livro e o
século XX ganhou denominação como sendo o século da imagem, pois as publicidades
de vários setores invadem a vida cotidiana; foi um bombardeio de imagens sob
múltiplas formas. Apesar do meio científico não dar crédito, a imagem e imaginação
para eles era algo instável e enganoso. Mesmo assim em várias áreas de estudo com
pessoas de renome, como o físico Wolfang Pauli; Na filosofia, Bachelard; Gerald Holton
da Universidade de Harvard etc., a imagem estava em alta, pois, conforme Silveira
18
(2001, p. 83), “se muitos permanecem ainda aferrolhados na ordem racional, outros
abrem largas janelas para a ordem do imaginário, sem por isso desprezarem a razão.
Aceitam a complexidade da psique e seus múltiplos poderes” (SILVEIRA, 2001, p. 83).
Já, na área da psicologia, terapeutas da época utilizaram a imagem como meio
de pesquisa em análises de pacientes. Freud utilizou as imagens como um véu,
considerando que as imagens eram um meio “imperfeito de trazer à consciência
conteúdos do inconsciente”(SILVEIRA, 2001, p. 83). Jung, em contraponto, reconhece
na imagem grande importância, “bem como nas fantasias e nos delírios. Jung vê nos
produtos da função imaginativa do inconsciente, auto-retratos do que está acontecendo
no espaço interno da psique” (SILVEIRA, 2001, p. 85).
A “descoberta” da Arte produzida por doentes mentais não ficou restrita ao campo da Psiquiatria; esta teve importantes repercussões no meio artístico e no público em geral, gerando interesse, curiosidade e até excitação em seus apreciadores. Esta descoberta pode ser considerada como um novo olhar sobre as manifestações espontâneas dos pacientes insanos. Estas manifestações, entretanto, sempre existiram (assim como os desenhos de crianças e as produções de povos primitivos), mas até então passavam despercebidas por olhares viciados que não viam nelas nenhum significado, sendo apenas descobertas no momento em que se tornaram imagens capazes
de adentrar a consciência humana (VASCONCELLOS e GIGLIO, 2006, p.19).
Segundo Vasconcellos e Giglio (2006) a “Arteterapia passou a ser sistematizada
na década de 1940, tendo como precursora Margareth Naumburg, nos Estados Unidos”
(VASCONCELLOS e GIGLIO, 2006, p. 41).
Nise da Silveira apesar de não aceitar, na época, a denominação “Arteterapia”,
reconhecia o trabalho de Margareth Naumburg, que “enalteceu o valor da imagem
fazendo a Arteterapia se diferenciar de outros serviços psiquiátricos da época”
(SILVEIRA, 2001, p. 92). Silveira explica que para Naumburg,
A arte dinamicamente orientada baseia-se no reconhecimento de que os pensamentos e sentimentos fundamentais do homem derivam do inconsciente e frequentemente exprimem-se melhor em imagens do que em palavras. As técnicas da arte-terapia baseiam-se no conhecimento de que todo indivíduo, tenha ou não treinamento em arte, possui capacidade latente para projetar seus conflitos internos sob forma visual (SILVEIRA, 2001, p. 92-93).
Ainda na década de 40, o artista inglês Adrian Hill, usando o termo Arteterapia
para designar esta intervenção com pacientes em isolamento, foi considerado o
19
pioneiro nesta área. Na Inglaterra, a Arteterapia foi constituída em 1993, sendo
considerada uma subárea pela Associação Britânica de Arteterapeutas (LUZZATTO e
GABRIEL, 1998).
No Brasil, em 1925, Osório César contribui na arteterapia, utilizando a arte como
recurso terapêutico, no Hospital Psiquiátrico de Juqueri, em Franco da Rocha. Nise da
Silveira, psiquiatra renomada também contribui, na década de 40, com abordagem
junguiana. Ela realizou pesquisas e práticas terapêuticas com a arte (FERRAZ, 1998).
Ainda no Brasil, nos anos oitenta, com a reconquista da liberdade de expressão,
depois dos “anos de chumbo”, datado de 1964 a 1985, a consciência coletiva de nosso
país apresentou-se em múltiplas manifestações culturais. Já era possível ter
manifestações artísticas com mais liberdade e, nesse afã de libertação contagiante de
“expansão e autonomia criativa, mudanças e abertura também chegaram ao universo
clinico” (PHILIPPINI, 2008, p. 14)
Houve um desenvolvimento significativo das chamadas “Terapias Expressivas”, através dos primeiros núcleos de trabalho, basicamente no Rio de Janeiro e São Paulo, onde se começou a estudar e aplicar a Arte em contextos terapêuticos. Na década de noventa surgem núcleos em Goiás e Minas Gerais, e mais recentemente, observa-se uma ampla expansão desta prática terapêutica de norte a sul do país. (PHILIPPINI, 2008, p. 14)
Philippini (2008) considera que depois de percorrer esta história e visualizar
todos esses pontos, podemos pensar a arteterapia como um processo terapêutico que
resgata técnicas milenares de promoção e expansão da saúde.
3.2. ARTETERAPIA COMO ALTERNATIVA TERAPÊUTICA
Para Margaret Naumburg, as técnicas da arteterapia servem para o indivíduo
treinado e ou não em Arte, poder expressar seus conflitos latentes, e poder se tornar
indivíduo articulado verbalmente. Ela relata que “por meio da expressão gráfica ou
plástica, aqueles bloqueados em sua expressão verbal muitas vezes começam a
verbalizar para explicar suas produções artísticas” (NAUMBURG, 1981, p. 388).
20
Essas técnicas espontâneas são relacionadas dinamicamente às técnicas
psicanalíticas. Conforme Naumburg (1981, p.389), a arteterapia “tende a liberar material
inconsciente profundo mais rapidamente e, em consequência, ajuda a apressar o
processo terapêutico. O motivo que explica isto, reside na tradução mais imediata de
experiências internas em quadros do que em palavras” (NAUMBURG, 1981, p.389).
A arteterapia surge como uma alternativa terapêutica que trabalha “com a
articulação de vários saberes, como a educação, a saúde e a arte, buscando resgatar a
dimensão integral do homem, processos de autoconhecimento e de transformação
pessoal” (VALADARES, 2004), gerando por parte da pessoa que faz a terapia, uma
produção de imagens, dando-lhe autonomia criativa. E no desenvolvimento da parte
verbal traz consigo a auto-estima e a descoberta da liberdade de expressão. Diante de
todo este processo o indivíduo se reconcilia com seus conflitos pessoais. Para Simões
(2008):
Durante o desenvolvimento do fazer artístico, o indivíduo vivencia uma experiência de transformação, tanto no que se refere aos materiais, quanto a si mesmo, no cotidiano e nas relações interpessoais. A criação de objetos e obras “produtos do mundo real”, funciona como potencionalizadora de uma nova realidade, exercitando, no próprio viver, uma experiência de criar e re-criar (SIMÕES, 2008, p.36).
O valor terapêutico,
Do ponto de vista da expressão subjetiva e da elaboração de conflitos intrapsíquicos, não está na obra de Arte como produção final, mas, sobretudo, no processo artístico. O valor que confere à Arte uma qualidade terapêutica pode estar na direção que esta oferece ao sujeito-artista rumo ao seu próprio trajeto de equilíbrio e saúde (VASCONCELLOS e GIGLIO, 2006, p.27).
Assim, por meio da Arte, o indivíduo percebe seus conflitos internos, analisa-os e
visualiza-os, tendo uma compreensão da totalidade desse conflito interno, se
direcionando para o seu equilíbrio integrador.
Para Valadares e Carvalho (2005) a arteterapia é um processo que favorece a
expressão da criatividade e pode influenciar no desenvolvimento cognitivo, afetivo,
psicomotor e social.
O processo arteterapêutico “tem o fazer como sua expressão maior, quer seja
um fazer expresso por movimentos do corpo, quer seja através de materiais plásticos
como pintura, colagem, modelagem entre outros” (SIMON, 2007, p.26).
21
O desenho pode atuar como elemento terapêutico, que facilita a vazão em um
espaço de criação, como um espelho de formas de existir no mundo, de se relacionar
consigo mesmo, com sua produção e com o outro. Trata-se de uma das técnicas
arteterapêuticas cuja finalidade é encorajar o paciente a representar, expressar idéias,
emoções e sentimentos, empenhando-se em desvendar as raízes da doença
emocional, através da inversão dos mecanismos repressivos de defesa.
Para Furth (2006), diante da premissa de se aceitar a existência de um
inconsciente, “do qual se originam as figuras dos desenhos, encontra-se a necessidade
de considerar outros sinais importantes vindos do inconsciente, que se revelam em
nossos desenhos e em nossas vidas, como as imagens” (FURTH, 2006, p. 49).
Furth (2004) e Norgren (2004) acreditam que, tanto na arte quanto na Arteterapia, os conteúdos do inconsciente são registrados pela produção simbólica (imagens), pela cor, formas, movimentos, ocupação no suporte, e padrões expressivos gerais que compõem o processo de transformação e obtêm consistência a partir da criação plástica. Na dinâmica do processo Arteterapêutico, quando as imagens internas são projetadas, elaboradas e transformadas do material plástico ao produto expressivo final, é como se as pessoas externassem simbolicamente parte de si. (VASCONCELLOS e GIGLIO, 2006).
Sendo assim, a arteterapia promove o encontro entre pensamento e sentimento,
transpondo como se fosse uma barreira, e fazendo uma junção do mundo interno com o
mundo externo.
22
4. ARTETERAPIA E PSICOLOGIA ANALÍTICA
Pretende-se, nesta seção, levantar os principais conceitos da psicologia analítica
que serviram de base para a análise compreensiva das manifestações artísticas
produzidas pelos adolescentes participantes desta pesquisa. Vale ressaltar que não se
pretendeu uma análise exaustiva dessas produções a partir da psicologia analítica, mas
buscou-se iluminar essas análises com conceitos teóricos que serviram de base para o
percurso realizado.
Segundo Valladares (2004), a arteterapia é uma modalidade terapêutica e
expressiva que trabalha com três enfoques básicos: “a produção de imagens (...); o
processo criativo da arte; a relação da pessoa com a obra, já que cada imagem tem um
significado singular e específico para cada ser humano trabalhado” (VALLADARES,
2004, p.109).
Embora nunca tenha tratado de arteterapia em seus estudos, Jung utilizou
recursos artísticos na sua prática clínica. A arteterapia utiliza desenhos e produções
artísticas em materiais plásticos para os tratamentos dos pacientes, pois as imagens
trazidas por eles nestas representações, assim como, “as Artes em geral estão repletas
de projeções simbólicas e, portanto, remetem-nos às imagens pessoais e impessoais
(arquetípicas) descritas tão amplamente por Jung” (VASCONCELLOS e GIGLIO, 2006,
p.33).
Silveira (2001, p.5) relata que “a imagem não é a simples cópia psíquica de
objetos externos, mas uma representação imediata, produto da função imaginativa do
inconsciente” e continua citando que,
[A imagem] se manifesta de maneira súbita, mas sem possuir necessariamente caráter patológico, desde que o indivíduo a distinga do real sensorial, percebendo-a como imagens internas. Na qualidade de experiência psíquica, a imagem interna será mesmo, em muitos casos, mais importante que as imagens das coisas externas. Acentuemos que a imagem interna não é um simples conglomerado de conteúdos do inconsciente. Constitui uma unidade e contém um sentido particular: expressão da situação do consciente e do inconsciente, constelados por experiências vividas pelo individuo (SILVEIRA, 2001, P. 5).
23
Silveira (2001) mostrou a importância da linguagem imagética como via de
comunicação e como recurso terapêutico ao doente psiquiátrico analisando a série de
produções artísticas destes pacientes (como Jung propunha com a análise da
sequência de sonhos) e observando a repetição de motivos e a presença do fluxo de
imagens do inconsciente carregadas de energia psíquica, inclusive na representação de
temas mitológicos. Jung, por sua vez, tendo fundamentado sua teoria na imagem
arquetípica, experienciou a Arte tanto na vida pessoal quanto na aplicação com seus
pacientes em psicoterapia. Segundo ele:
(...) os elementos pictóricos que não correspondem a nenhum lado externo devem provir do „íntimo‟. (...) Como este „íntimo‟ é invisível e inimaginável, mas pode influenciar a consciência de um modo muito eficaz, levo os meus pacientes, sobretudo os que sofrem de tais efeitos, a reproduzi-los da melhor maneira possível, através da forma pictórica. A finalidade desse „método de expressão‟ é tornar os conteúdos inconscientes acessíveis e, assim, aproximá-los da compreensão. Com esta terapêutica consegue-se impedir a perigosa cisão entre a consciência e os processos inconscientes. Todos os processos e efeitos de profundidade psíquica, representados pictoricamente são, em oposição à representação objetiva ou „consciente‟, simbólicos, quer dizer, indicam da melhor maneira possível, e de forma aproximada, um sentido que, por enquanto, ainda é desconhecido (JUNG, 1985, p.120).
A imagem para Jung:
(...) não é apenas uma representação visual, resultado da percepção sensorial, da atividade mnemônica ou da transferência da energia psíquica, mas a linguagem básica da psique, criativa e autogeradora em si mesma. Assim, a imagem é também resultado da capacidade inerente da psique de agrupar elementos, de natureza perceptiva ou não, em gestalten – imagens primordiais –, que lhes atribuem forma, significado e dinamismo específicos. A imagem primordial é “um organismo de vida própria, „dotado de força geradora‟, pois é uma organização herdada de energia psíquica, sistema sólido que não é somente expressão, mas também possibilidade de desencadear o processo energético” (JUNG, 1991, p. 422).
Sant'Anna (2005) considera que além de sinalizar, a imagem pode também
mobilizar e potencializar aspectos da personalidade do sujeito, à proporção que
possibilita à consciência ativar outros potenciais de ação e compreensão ainda latentes
no inconsciente.
As imagens do inconsciente têm um papel importante na análise das produções
artísticas dos pacientes, mas, no tratamento prático, Jung (2008a) relata que nem
sempre é necessário um aprofundamento,
24
Porque o jovem está numa fase de transição para a vida adulta; entretanto é um momento em que se faz necessário uma dedicação especial às imagens do inconsciente coletivo pessoal, pois são elas que fornecem as pistas para a elaboração dos contrários. Da elaboração consciente destes dados resulta a função transcendente (JUNG, 2008a, p. 100).
Jung (2008a, p. 65) faz uma ressalva quando da análise de jovens e de
pessoas que ficaram muito tempo no estágio infantil, pois essas pessoas têm que
superar as imagens dos pais e obter mais experiência de vida.
Assim que começamos a falar do inconsciente coletivo, nós nos colocamos numa esfera, numa etapa do problema que não pode ser levada em conta no início da
análise prática de jovens ou de pessoas que ficaram por demasiado tempo no estágio infantil. Quando as imagens de pai e mãe têm que ser superadas e
quando ainda tem que ser conquistada uma parcela de experiência da vida exterior, que o homem comum possui naturalmente, é melhor nem falar de
inconsciente coletivo, nem do problema dos contrários. (JUNG, 2008a, p. 65).
Em outro momento, Jung (2008a) relata que quando o jovem está na fase de
transição da vida adulta, “ele costuma chegar a utilizar imagens das camadas do
inconsciente pessoal, as quais contêm recordações infantis mais remotas. Já o
inconsciente coletivo contém o tempo pré-infantil, isto é, os restos da vida dos
antepassados, os arquétipos” (JUNG, 2008a, p. 65).
O arquétipo para Jung é a parte herdada da psique, que se manifesta como
padrões imagéticos do inconsciente coletivo (RAFAELLI, 2002). Para Jung o arquétipo
é uma aptidão imaginária da psique, que reaviva imagens coletivas de significância
biológica e histórica como "categorias herdadas". Os arquétipos também se evidenciam
nas experiências básicas ou universais da vida (nascimento, ritos de passagem,
casamento, maternidade/paternidade, morte) e estão configurados na vida interior da
psique através de imagens que podem surgir em infinitas configurações possíveis
(JUNG, 1981).
Esses padrões arquetípicos permanecem latentes até que um evento crítico ou
uma conjunção de fatores o atualizem, liberando uma força que magnetiza a psique. Os
períodos de crise são os mais suscetíveis ao surgimento das imagens do inconsciente
coletivo. (RAFAELLI, 2002)
Jung denominou as imagens primordiais como arquétipos reativados, pois
“mediante a forma primitiva e analógica do pensamento peculiar aos sonhos, essas
25
imagens arcaicas são restituídas à vida. Não se trata de idéias inatas, mas de caminhos
virtuais herdados” (JUNG, 2008b, p.13). Portanto, temos no inconsciente, componentes
de ordem pessoal e também impessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas
ou arquétipos.
Segundo Jung, o processo criador, na medida em que podemos acompanhar,
consiste numa ativação inconsciente do arquétipo, no seu desenvolvimento e sua
tomada de forma até a realização da obra perfeita (SILVEIRA, 1994, p. 179).
Jung conceitua arquétipos como matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma; são possibilidades herdadas para representar imagens similares; são formas instintivas de imaginar (...). O arquétipo é unicamente uma virtualidade, pois funciona como um nódulo de concentração de energia psíquica (SILVEIRA, 1994, p. 79 - 80).
Jung (1981) afirma que “o nosso inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo
constituem um indefinido, porque desconhecido é o número de complexos ou de
personalidades fragmentárias” (JUNG, 1981, p. 67- 68).
Em se tratando do inconsciente pessoal e o coletivo, há uma distinção com
valores bem definidos. Os materiais contidos na camada do inconsciente pessoal são
“de natureza pessoal, porque caracterizam, em parte, por aquisições derivadas da vida
individual e, em parte, por fatores psicológicos, que também poderiam ser conscientes”.
(JUNG, 2008a, p. 11). E no inconsciente, além das “imagens pessoais, temos também
imagens impessoais, coletivas, sob a forma de categorias herdadas ou arquétipos”
(JUNG, 2008a, p. 13), caracterizando o inconsciente coletivo.
Para essas camadas mais profundas do inconsciente, que Jung denominou de
inconsciente coletivo, se produz uma ampliação da personalidade que pode levar a
inflação. Tal estado ocorre mediante o mero prosseguimento do trabalho analítico. Jung
continua a análise,
(...) acrescentando à consciência pessoal certas qualidades básicas e impessoais da humanidade, fato esse que desencadeia uma inflação e que pode ser encarada como uma das conseqüências desagradáveis da plena conscientização. A consciência pessoal é mais ou menos um segmento arbitrário da psique coletiva. (JUNG, 2008a, p. 31)
Quando se afirma que é durante o processo arte terapêutico que o paciente irá
conseguir entrar em contato com o seu self para desvendar os possíveis conflitos e
exteriorizá-los para obter uma cura, fala-se de processo de individuação que Jung
26
trouxe à luz como conceito central da psicologia analítica em suas experiências nos
atendimentos de pacientes que traziam “distúrbios provenientes das fragmentações e
unilateralidades advindas das especializações da cultura moderna” (CAMARGO, 2007,
p. 26).
O contato com o self, o si mesmo, que para Jung (2002a) é o caminho da
individuação, ou seja, “tornar-se um ser único, na medida em que, por „individualidade‟
entende-se a singularidade mais íntima, última e incomparável, (...) tornar-se o nosso
próprio si mesmo” (JUNG, 2002a, p.49). Tendo em vista que o homem, na trajetória de
sua vida, se reveste de várias máscaras, em determinada circunstância ele se perde
nestas várias personas em que se transformou, entendendo por persona, “um
complicado sistema de relação entre consciência individual e a sociedade. Persona é
uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito
sobre os outros e, por outro lado, a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo” (JUNG,
2008b, p. 68).
Assim, a individuação vem resgatar esse ser único que está escondido por trás
destas máscaras ou personas; portanto, a individuação pode ser considerada como “um
processo psicológico que faculta a realização das qualidades individuais dadas; em
outras palavras, é um processo mediante o qual o homem se torna „o ser‟ único que de
fato é” (JUNG, 2002a, p.49).
Apesar de não se ter nenhuma “abordagem sistemática de Jung sobre o
deciframento de desenhos”, no entanto, “a interpretação de desenhos é semelhante à
análise dos sonhos, embora nunca tenham sido propostas ligações específicas entre os
dois” (FURTH, 2004, p. 75). Entretanto, foi por meio das interpretações dos trabalhos
artísticos que Jung conseguiu viabilizar a importância dos símbolos,
Por meio de tais desenhos aproximamo-nos dos símbolos como agente de cura. Esse agente faz parte, tanto somática quanto psicologicamente, do desenvolvimento do que Jung chama de “processo de individuação”. Porém Jung nunca desenvolveu um método para analisar os desenhos a partir dos conteúdos do inconsciente e, apenas depois com Jolande Jacobi e Susan Bach, que pudemos aprender como analisar os desenhos, e por meio deles o inconsciente pode projetar, de uma maneira empírica, o que está acontecendo com o corpo (FURTH, 2004, p. 29 - 30).
Sendo assim, para explicar teoricamente, Jung menciona o mérito de Freud,
quando este apontou para a problemática dos sonhos, penetrando nesse mundo de
27
imagens. Freud considerava “que os sonhos representavam a distorção de um desejo
oculto, não satisfeito, por discordar do consciente, e devido esta censura, ele (o sonho)
surge distorcido, para que a consciência não o reconheça, podendo assim, ao mesmo
tempo, mostrar-se e viver” (JUNG, 1981, p. 77).
Porém, é neste ponto de vista que Jung e Freud divergem, pois para Jung, “o
ponto central é saber o que o inconsciente está fazendo com os complexos, e explica
que isto lhe interessa muito mais do que saber que as pessoas têm complexos, pois isto
todos nós o temos” (JUNG, 1981, p.78).
Jung analisava não só um sonho, mas vários de um mesmo paciente para não
proceder a uma interpretação arbitrária. Segundo Jung (1981), quando comparamos
uma série de sonhos de um mesmo paciente, “então poderemos ver coisas realmente
interessantes, na verdade, enxerga-se o processo que se desenvolve no inconsciente,
noite após noite, e a continuidade da psique inconsciente” (JUNG, 1981, p.73).
Jung (1981) ressalta que os complexos são grupos autônomos, com tendência
de movimento próprio, de viverem sua vida independentemente de nossa intenção.
O complexo é um aglomerado de associações, espécie de quadro de natureza psicológica mais ou menos complicada, às vezes de caráter traumático, outras, apenas doloroso e altamente acentuado. (...) o complexo por ser dotado de tensão ou energia própria, tem a tendência de formar também por conta própria, uma pequena personalidade. Apresenta uma espécie de corpo e uma determinada quantidade de fisiologia própria, podendo perturbar o coração, o estomago, a pele. Comporta-se, enfim, como uma personalidade parcial. Quando se quer dizer ou fazer alguma coisa, um complexo intervém na intenção inicial, acaba-se dizendo ou fazendo a coisa totalmente oposta ao que se queria de início. Há subitamente uma interrupção, e a melhor das intenções acaba sendo perturbada, como se tivéssemos sofrido a interferência de um ser humano ou de uma circunstância exterior. (JUNG, 1981, p. 66 - 67)
O importante, diz Jung, é que dentro do processo de individuação, o indivíduo
aprenda a “distinguir entre o que parece ser para si mesmo e o que é para os outros, e
que é necessário que conscientize seu invisível sistema de relações com o
inconsciente, ou seja, a anima, a fim de poder diferenciar-se dela” (JUNG, 2002a, p.
71).
A anima, assim como a persona, são complexos autônomos, e constituem uma
função psicológica do homem e da mulher. No homem, a persona, imagem ideal, tal
como ele quer ser, “é compensada interiormente pela fraqueza feminina; e assim como
28
o indivíduo exteriormente faz o papel de homem forte, por dentro torna-se mulher,
torna-se anima” (JUNG, 2002a, p. 72). A anima, sendo feminina, é a figura que
compensa a consciência masculina. Já na mulher, “a figura compensadora é de caráter
masculino e pode ser designada pelo nome de animus; é quase insuperável a
dificuldade de tentar descrever a psicologia do animus” (JUNG, 2002a, p. 81), pois
assim como a anima se personifica em um homem, já o animus aparece em uma
circunstância inesperada, pois se apresenta como uma pluralidade de pessoas.
Jung (2002a) enfatiza que sua autonomia ou falta de desenvolvimento, tanto na
anima quanto no animus, “retém o pleno desabrochar de uma personalidade.
Entretanto, já podemos antever a possibilidade de destruir sua personificação, porque,
os conscientizando, podemos convertê-los em pontes que nos conduzem ao
inconsciente” (JUNG, 2002a, p. 86).
Depois de explicar um pouco sobre os conceitos de Jung relativo às imagens,
arquétipos, persona, temos que registrar o conceito de símbolo, pois, “como sabemos
nem toda imagem arquetípica é um símbolo, porém, em todo símbolo há uma imagem
arquetípica como fator essencial; entretanto, a essa imagem devem juntar-se ainda
outros elementos” (SILVEIRA, 1994, p. 83).
Símbolo para Jung “é uma linguagem universal infinitamente rica, capaz de
exprimir, por meio de imagens, muitas coisas que transcendem as problemáticas
específicas dos indivíduos” (SILVEIRA, 1994, p. 84). Os símbolos alcançam dimensões
que o conhecimento racional não pode atingir, pois transmitem intuições altamente
estimulantes, prenunciadoras de fenômenos ainda desconhecidos, porém Silveira
(1994) alerta para a possibilidade de, se seu conteúdo misterioso vir a ser apreendido
pelo pensamento lógico, esvaziam-se e morrem.
29
5. OBJETIVOS
5.1. OBJETIVO GERAL
Esta pesquisa buscou realizar uma análise compreensiva do processo de
intervenção arteterapêutica com adolescentes que apresentavam problemas
psicológicos ou de comportamento.
5.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
5.2.1. Observar, psicodinamicamente, o conteúdo projetivo presente nas
expressões artísticas dos participantes.
5.2.2. Relacionar informações sobre a história de vida e sobre a história clínica
dos participantes com os conteúdos projetivos das produções artísticas.
5.2.3. Estudar o material clínico pertinente aos casos descritos neste estudo,
relacionando dados obtidos a partir de análise:
a) Do conteúdo verbal, presentes nos relatórios de anamneses e de
sessões arteterapêuticas gravadas e posteriormente transcritas;
b) Psicológica das imagens simbólicas projetadas nas produções
artísticas.
30
6. MÉTODO
Este trabalho é uma pesquisa de intervenção e teve como base a abordagem
qualitativa de pesquisa, aqui entendida, em sua definição estrutural, como capaz de
incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às
relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas como construções
humanas significativas. (MINAYO, 1996, p.10). Contudo, levando em consideração as
particularidades de uma investigação clínica (destinada aqui ao estudo de casos
clínicos), adotou-se mais especificamente o método clínico-qualitativo (TURATO, 2010),
o que permitiu compreender mais profundamente os aspectos subjetivos externalizados
pelos participantes durante as sessões de arteterapia. O método clínico-qualitativo tem
origem na abordagem qualitativa de pesquisa e é definido como:
Sendo um refinamento dos métodos qualitativos genéricos das ciências humanas, e pondo-se como recurso na área da psicologia da saúde, busca dar interpretações a sentidos e a significações trazidos por indivíduos sobre múltiplos fenômenos pertinentes ao campo do binômio saúde-doença, com o pesquisador utilizando um quadro eclético de referenciais teóricos para a discussão no espírito da interdisciplinaridade. (TURATO, 2010, p.242).
O método clínico-qualitativo é utilizado num modelo de pesquisa que se propõe a
lidar com questões de foro íntimo, que normalmente vêm acompanhadas de angústia e
ansiedade, em que os termos significados e significações são usados na busca da
compreensão do ser humano (TURATO, 2010). Em consonância com o método clínico-
qualitativo, os aspectos teóricos são discutidos e analisados a partir da clínica e da
relação paciente-terapeuta (CALIL e ARRUDA, 2004).
O método clínico-qualitativo sustenta-se em três pilares: a) a atitude
existencialista de valorização dos elementos “angústia” e “ansiedade” que estão
presentes na existencialidade dos participantes da pesquisa. b) a atitude clínica que
consiste no acolhimento do sofrimento emocional dessas pessoas, inclinando-lhes a
escuta e o olhar e, finalmente, c) a atitude psicanalítica do uso das concepções que
provêm da dinâmica inconsciente dos indivíduos (TURATO, 2010).
31
6.1. PARTICIPANTES
Participaram do presente estudo quatro adolescentes, 3 (três) do sexo masculino
e 1 (um) do sexo feminino, com idades entre 14 e 15 anos, alunos do Ensino
Fundamental e Médio de escolas da Rede Pública do Município, que já freqüentaram o
Atelier Terapêutico da Clínica- escola de IES localizada na região oeste do estado de
São Paulo.
A seguir, apresenta-se caracterização dos participantes da pesquisa (Quadro 1):
Quadro1.
Caracterização dos participantes da pesquisa
Nome fictício Sexo Idade Escolaridade
Vagner Masculino 14 6a. série Ensino Fundamental Mario Masculino 14 6a. série Ensino Fundamental Everaldo Masculino 15 7a. série Ensino Fundamental Carmem Feminino 15 1o. ano Ensino Médio
Os participantes do sexo masculino foram encaminhados com diagnóstico
médico de transtornos de comportamento e emocional. A participante do sexo feminino
apresentou, como queixa familiar e escolar, problemas de comportamento.
6.2. INSTRUMENTOS
Foram utilizados na coleta de dados dois tipos de instrumentos. O primeiro deles
foi entrevista com os pais ou responsáveis visando a levantamento de história pessoal.
A entrevista é uma situação de interação entre pesquisador e sujeito, e, portanto, não
deve ser considerada como uma mera coleta de dados. Neste sentido, deve-se ficar
atento à natureza das relações estabelecidas que possam comprometer as informações
fornecidas pelo entrevistado neste campo intersubjetivo (MINAYO, 1996). Este
processo de intersubjetividade envolve também o nível das relações emocionais, sendo
que a mobilização de sentimentos no entrevistador, no enfoque da investigação clínica,
32
também pode ser vista como um meio de compreender a experiência do entrevistado
(REUCHLIN, 1979).
Segundo Bleger (1980), podem-se diferenciar alguns tipos específicos de
entrevistas. De acordo com a estrutura, têm-se entrevistas abertas ou fechadas e, de
acordo com os benefícios que podem ser obtidos, entrevistas que têm o entrevistado
como beneficiado (consulta psicológica ou psiquiátrica), o entrevistador como
beneficiado (entrevista de pesquisa) ou a instituição como beneficiada.
Neste estudo, utilizou-se a entrevista semi-estruturada que combina questões
fechadas e abertas. Este tipo de técnica difere da entrevista não-estruturada somente
em função do grau, pois ambas partem de um roteiro que visa orientar o pesquisador
na investigação científica de determinado fenômeno, norteando os objetivos propostos
no projeto inicial. O roteiro de entrevista contempla dados objetivos que podem também
ser obtidos através de outras fontes, e dados subjetivos que se referem às atitudes,
valores, opiniões e sentimentos peculiares à experiência do sujeito entrevistado
(MINAYO, 1996).
Num segundo momento da coleta de dados, aconteceram 23 sessões de
arteterapia, durante dois semestres letivos, no Atelier Terapêutico da Clínica-escola. O
fato de delimitar a duração da coleta de dados significa que houve a intenção de fazer
um recorte no processo arteterapêutico de cada participante com finalidade de estudo,
não sendo necessariamente a finalização da intervenção arteterapêutica.
É importante esclarecer que a proposta de intervenção adotada foi a arteterapia
(especialmente a vertente da arteterapia que privilegia o enquadre psicoterapêutico,
também denominada Arte Psicoterapia). No entanto, durante o seguimento de cada
participante, em algumas ocasiões, ocorreu grande demanda para a expressão verbal.
Em situações específicas, optou-se por sessões exclusivamente verbais, sendo usado
também relaxamento e visualização como recurso para a redução da ansiedade ou
como técnica favorável à posterior expressão artística.
Todas as sessões analisadas neste estudo, e que ocorreram no período
destinado à coleta de dados, foram gravadas com a autorização prévia dos
participantes, sendo transcritas em momento posterior. Todas as produções artísticas
33
foram arquivadas e também digitalizadas, formando um arquivo de imagens digitais,
para serem posteriormente analisadas.
6.3. PROCEDIMENTOS
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo nº
023/2009). Foi solicitada uma declaração para realização da pesquisa, sendo
concedida a autorização para a sua implementação no âmbito da Clínica de
Psicopedagogia do UNIFIEO. Atendendo à Resolução CNS no.196/96 do Conselho
Nacional de Saúde, foi emitida uma carta informando aos participantes e seus
responsáveis sobre o tema e o objetivo do estudo, assegurando que as informações
seriam tratadas anônima e sigilosamente e serviriam apenas para fins técnico-
científicos. Os responsáveis pelos participantes assinaram um termo de consentimento
livre e esclarecido.
Os dados foram coletados em duas etapas: na primeira etapa foi realizada pela
pesquisadora responsável entrevista semi-estruturada, individualmente. As entrevistas
ocorreram no próprio Atelier Terapêutico, com a duração aproximada de duas horas
sendo gravadas para posterior transcrição e análise.
Em seguida tiveram início as sessões de Arteterapia que aconteceram
semanalmente, em grupo, em número de 23 sessões com a duração média de1 hora e
30 minutos. A tabela 1 indica o número de sessões a que cada participante
compareceu:
Tabela 1.
Número de sessões de cada participante
Participante N (número de sessões)
Everaldo 20
Mario 15
Vagner 09
Carmem 08
34
A coleta de dados nas sessões arteterapêuticas constou de técnicas lúdicas, de
atividades artísticas e da condução das dinâmicas espontâneas, com o propósito dos
participantes entrarem em contato consigo mesmos, externalizando seus sentimentos e
emoções sem constrangimento.
Respeitaram-se os mecanismos de livre expressão, assegurando a autonomia
criativa de cada participante, tendo alguns desenvolvido mais produções artísticas e
outros menos.
Utilizaram-se técnicas de Arteterapia apoiadas nos seguintes autores: Oaklander
(1980), Rhyne (2000), Pain e Jarreau (2001). As técnicas empregadas procuraram
oferecer atividades livres /espontâneas e também dirigidas. A utilização de técnicas
programadas e dirigidas visou proporcionar aos participantes a oportunidade de arriscar
e experimentar linguagens e técnicas novas para eles, usando até mesmo materiais
desconhecidos ou de difícil manipulação. Quanto às técnicas espontâneas, livres, estas
ofereceram total liberdade na execução das atividades e na manipulação de materiais.
Para melhor compreensão dos procedimentos empregados neste estudo,
seguem-se de forma esquemática, no quadro 2 os procedimentos empregados em cada
sessão.
Quadro 2.
Procedimentos empregados nas sessões arteterapêuticas
1ª sessão
Consigna: o que gosta e não gosta; rasgadura e colagem de papéis.
Objetivo: Auxiliar o paciente a integrar imagens significativas em um universo continente (o limite do papel), dando sentido e significado ao conjunto composto, podendo remetê-lo aos movimentos de integração e desintegração do próprio psiquismo.
2ª sessão
Relaxamento:
Consigna: Desenhando o corpo.
Objetivo: favorecer o autoconhecimento. 3ª sessão
Relaxamento.
Consigna: colorir mandalas.
Representar uma família com massa de modelar.
35
Objetivo: Oferecer estímulo gráfico circular que mobilize o paciente a representar graficamente seu universo interno, visando observar como ele representa e lida com o limite entre a dimensão interna e externa.
4ª sessão
Relaxamento
Consigna: trabalhando os limites, representação de si mesmo por meio das cores com tinta guache e pincel
Objetivo: trabalhar limites e reconhecimento de seu espaço, percepção de si. 5ª sessão
Relaxamento com música, percepção do corpo em relação aos sons. (Pintura a guache de acordo com a música)
Consigna: Colocar cor para cada sentimento
Objetivo: trabalhar o lado emocional do paciente, fazendo com que ele perceba os vários sentimentos que pode experenciar, fazer uma reflexão sobre suas emoções.
6ª sessão
Relaxamento.
Consigna: desenho com lápis de cor no papel sulfite.
Objetivo: orientar o paciente a se observar, se perceber. 7ª sessão
Relaxamento com música
Consigna: trabalhar lembranças do passado e planejamento do futuro.
Objetivo da consigna: Promover a reflexão sobre a perspectiva de futuro numa sequência espaço-temporal, focalizando, sobretudo, os processos conscientes pertinentes à organização e ao planejamento da própria realidade de vida.
8ª sessão
Relaxamento.
Consigna: nanquim colorido no papel Canson molhado.
Objetivo: tentar recuperar uma melhor imagem do paciente 9ª sessão
Relaxamento:
Consigna: lembrança de infância, pintura com guache usando rolinho de pintura no isopor e decalque no sulfite.
Objetivo: projetar lembranças de infância, exercitando a memória e transformando os possíveis conflitos e rupturas do passado.
10ª sessão
Relaxamento:
Consigna: Trabalho com lixa: trabalhando as diferenças.
Objetivo: trabalhar as diferenças e igualdades entre indivíduos, elaborando o sentimento de rejeição.
11ª sessão
Relaxamento.
Consigna: Trabalho com argila.
Objetivo: Promover a canalização da energia psíquica na transformação da argila em material expressivo.
36
12ª sessão
Relaxamento:
Consigna: trabalhando com recorte de figuras na caixa com tampa transparente.
Objetivo: fazer o paciente trazer uma representação de sua própria imagem, como ele está se vendo no momento.
13ª sessão
Relaxamento:
Consigna: desenho da árvore representando a si mesmo.
Objetivo: Conseguir uma interação entre o que o paciente pensa sobre si e consegue mostrar.
14ª sessão
Conversa com paciente
Relaxamento
Consigna: representação de um animal, por meio da argila.
Objetivo: Identificar um animal que tenha alguma característica da pessoa para uma autoanálise.
15ª sessão
Relaxamento
Consigna: desenho do ambiente imaginado e colagem da figura de um animal.
Objetivo: explorar o ambiente em que o paciente gostaria de estar, seus conflitos pessoais e refletir sobre a situação explorada.
16ª sessão
Relaxamento:
Consigna: exercício com jogos para raciocínio.
Objetivo: desenvolver o raciocínio por meio dos jogos de pintura. 17ª sessão
Relaxamento:
Consigna: exercício com jogos para raciocínio.
Objetivo: desenvolver o raciocínio por meio dos jogos de pintura. 18ª sessão
Relaxamento
Consigna: desenho com a mão direita e a esquerda.
Objetivo: exercitar a atenção do paciente. 19ª sessão
Relaxamento.
Consigna: montagem de um boneco, com massa de modelar.
Objetivo: descoberta de si mesmo. 20ª sessão
Relaxamento.
Consigna: desenho de varias marcas no papel com lápis de cor ou pastel.
Objetivo: aprofundar a consciência do processo criativo. 21ª sessão
Relaxamento.
Consigna: Trabalho com celofane e papel de seda – transparência e sentimento. Recorte da máscara em papel de seda e colagem.
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Objetivo: Dar um rosto ao sentimento do paciente. 22ª sessão
Relaxamento.
Consigna: trabalho com papel canson e celofane: efeito vitral para a representação de sentimentos.
Objetivo: trabalhar a significação da transparência e a luminosidade. Observar o prazer sentido ou reprimido pelo paciente frente ao trabalho, como também, perceber os fragmentos apresentados pelo paciente e ressignificá-los, na possibilidade de um confronto imaginário.
23ª sessão
Consigna: fazer um cartão com o que deseja para si mesmo, com papel celofane e canson.
Objetivo: fazer o paciente se expressar, de maneira clara.
6.4. ANÁLISE DOS DADOS
Para analisar o material pertinente a esta pesquisa, foram descritos e
relacionados história de vida, história clínica, e aspectos referentes às imagens
simbólicas que surgiram ao longo do processo arteterapêutico e, posteriormente,
analisadas segundo o referencial psicodinâmico.
Para compreender o processo subjetivo de cada participante foram utilizadas
duas técnicas de análise: Análise de conteúdo e Análise psicológica.
Primeiramente, utilizou-se cada técnica separadamente, redigindo-se relatórios
de análise referentes a cada um dos participantes. Posteriormente tratou-se de
identificar o fio condutor pertinente ao processo vivenciado por cada participante,
buscando-se a compreensão da dinâmica intrapsíquica.
6.4.1. Análise de conteúdo
Para compreender o conteúdo verbal pertinente às entrevistas e às sessões
arteterapêuticas desta pesquisa, tomou-se como base o método de análise de conteúdo
ao realizar:
a) Leitura dos relatórios de planejamento das sessões (sessões gravadas e
transcritas);
b) Registro dos temas que emergiram durante as sessões;
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c) Análise do discurso dos participantes da pesquisa.
De acordo com Bardin (2009), análise de conteúdo é conjunto de técnicas de
análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) destas mensagens.
Tendo em vista o conteúdo verbal das sessões, buscou-se entrar em contato
com o universo subjetivo e simbólico presente nesta linguagem para, num momento
posterior, cruzar estas informações com os resultados da análise dos conteúdos
imagéticos.
6.4.2. Análise psicológica
Nesta etapa da análise do material clínico, realizou-se a observação de cada
produção em conjunto com a leitura da transcrição das falas dos participantes e do
relatório de planejamento das sessões (seguindo uma seqüência cronológica do
processo arteterapêutico), procurando identificar elementos significativos que
remetessem à compreensão profunda do conteúdo imagético. Com base nos elementos
identificados, partiu-se então para o estudo do conteúdo simbólico trazido à tona
durante a elaboração do trabalho artístico. Assim, tendo estas informações à
disposição, analisou-se o material de cada participante, estabelecendo relações entre
as análises realizadas e o contexto de vida de cada um.
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7. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nesta seção são apresentadas as produções artísticas de cada um dos
participantes, bem como as interpretações psicodinâmicas do conteúdo imagético,
incluindo trechos das falas dos participantes como forma de ilustrar a descrição do
processo arteterapêutico e as suas respectivas análises. Para tal, observou-se a
sequência cronológica das atividades propostas.
Buscou-se apresentar uma descrição detalhada das sessões, uma vez que, não
só a produção deve ser analisada, mas todo o processo de elaboração, incluindo as
reações perante a técnica e perante o resultado. A importância do processo está na
possibilidade da projeção do mundo interno e na interação entre o sujeito e o produto
de sua expressão criativa. Trata-se de um processo que favorece o contato deste
indivíduo com o universo simbólico ali contido, podendo ocorrer, aos poucos, a
reintegração destes conteúdos na psique.
7.1. EVERALDO
Everaldo, com 15 anos de idade, cursava a 7ª série do Ensino Fundamental por
ocasião da pesquisa. Filho de pais separados, tem mais dois irmãos: o mais velho com
18 anos e a mais nova com 12 anos.
Foi encaminhado para o Atelier Terapêutico pelo psiquiatra que o acompanhava
desde o diagnóstico de transtornos do comportamento e transtornos emocionais. Já
havia passado por tratamento com fonoaudióloga, com psicopedagoga e psicóloga.
Na escola era copista, não conseguia ler, não reconhecia as palavras, não
juntava sílabas, não estava alfabetizado. Morava com a tia, mas sua mãe o
acompanhou em todas as sessões.
Frequentou 20 sessões no ateliê terapêutico, da clinica - escola. Fez as
atividades artísticas com dificuldades, pois demonstrava medo de errar e de arriscar.
Everaldo demonstrou querer aprender; nunca se recusou a fazer as atividades, mesmo
com dificuldades.
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7.1.1. Everaldo rasgando e colando
Na primeira sessão, trabalhou-se com rasgadura de papel e colagem buscando
auxiliar o paciente a integrar imagens significativas em um universo continente, o limite
do papel, dando sentido e significado ao conjunto composto, remetendo-o aos
movimentos de integração e desintegração do próprio psiquismo.
Everaldo procurou, em revistas, figuras que representassem aquilo que gostava
e o que não gostava. Colou no sulfite duas figuras em preto e branco com a marca
Honda. Everaldo escolheu figuras de carros que, segundo ele, sua mãe gostava.
Quando indagado se aquela colagem em preto e branco representava aquilo que não
gostava, respondeu que não, que aquela colagem era para sua mãe. (Figura 1).
Na seleção das figuras para representar as coisas que gostava, escolheu figuras
coloridas de pessoas: família, casal e mulheres. Perguntou sobre a tesoura para cortar,
gostava de cortar tudo reto e certo, mostrava-se minucioso ao rasgar para conseguir o
efeito o mais reto possível.
Ao aplicar a atividade de rasgadura, a pesquisadora buscou apropriar-se do valor
simbólico e terapêutico que provocou no participante, pois, na atividade de rasgadura
de papel, mesmo enquanto continuidade da cor, destroem-se a unidade e a significação
que ele contém (PAIN e JARREAU, 2001). O participante não se frustra por esta ação
imediata de rasgadura uma vez que ele dará um lugar significativo para os papéis
rasgados, agora em uma nova estrutura. Pain e Jarreau (2001) esclarecem que “o
prazer do trabalho emerge como efeito do processo de significação onde a rasgadura
aproxima-se às funções cognitivas (de análise), e encontra sua reparação na
construção (síntese)” (PAIN e JARREAU, 2001, p. 189).
O segundo momento desta atividade, a colagem, tem como característica a
irreversibilidade, que traz também a junção e a fixação do símbolo em um lugar. “A
passagem da rasgadura à colagem determina um cenário significante da vivência do
sujeito, quando é preciso romper com o passado (por corte) e fixar-se em um futuro,
colar-se alguma parte de maneira a dar-lhe um sentido” (PAIN e JARREAU, 2001, p.
189).
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Figura 1
Everaldo: rasgadura de papel e colagem
Colagem no papel sulfite
Após a realização da atividade a pesquisadora buscou favorecer a
externalização de associações entre produção e a experiência de vida do participante.
Assim, Everaldo trouxe à tona o significado da colagem, que foi ampliado para seu
contexto de vida.
AT: Você falou que gosta dos carros da Honda, quem é que gosta dos carros da Honda? Everaldo: Minha mãe AT: Ah! Sua mãe ............... AT: Mas aí neste caso, você esta fazendo para você ou para sua mãe? Everaldo: para os dois AT: Para os dois!? Everaldo: É AT: Então você gosta um pouco da Honda (riso) Everaldo balança a cabeça em sentido afirmativo e sorri também AT: E agora, vai deixar só assim? Everaldo: Vou AT: Você não quer colocar mais nada? Everaldo olha com dúvida e fica pensando. Everaldo: "Professora”, só. AT: Então, tá. Quer escrever: "não gosto”? Everaldo balançou a cabeça negativamente, um tanto constrangido. AT: Então tá, depois eu coloco. AT: Você fez essa (colagem) do que você não gosta (figuras) e transformou em algo legal para você, não é mesmo? Ou é legal para sua mãe? Everaldo: Tanto faz. AT: Tanto faz? AT: Mas, Everaldo, você não falou que na escrita você está bem? Everaldo: Tô não... O fato é que escrever eu não consigo, só sei meu nome e só.
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AT: Ah, é? Então está bom. Vamos escrever seu nome. Everaldo: todo?
AT: Pode ser
Nesta atividade Everaldo teve a oportunidade de trabalhar, em princípio, o todo
organizado; depois, com a rasgadura, a desorganização e, por fim, o todo reorganizado
com a ressignificação de conflitos inconscientes. Para uma interpretação de
composição cujo corte das imagens acontece além dos limites da folha, tal como
aparece nas figuras de mulheres escolhidas e coladas por Everaldo, Pain e Jarreau
(1996) explicam que:
Quando se trata de iniciantes, adultos ou crianças, o corte da realidade em função dos limites da folha não está ligado “ao enquadramento televisivo” nem a uma busca estética, mas é frequentemente, o reflexo de um conflito (...). Mesmo uma crise passageira, quando não se trata de busca estética, pode explicitar essa maneira imprópria de cortar a realidade (PAIN e JARREAU, 1996, p.81).
Nesse sentido, a colagem realizada por Everaldo, em especial a que remete à
figura feminina, sugere a existência de um conflito relacionado aos limites e, talvez à
figura da mãe, evocada durante a verbalização. Essa figura materna aparece também
como um foco conflitante, quando ele não faz a oposição do gostar e não gostar,
optando em querer agradar sua mãe com o que ela gosta.
7.1.2. Everaldo representa o próprio corpo
A arteterapia preza o processo do paciente. A opção pelo desenho, pela pintura
ou por ambos na elaboração do trabalho criativo permanece a critério do próprio
participante. Nesta sessão, após trabalho de relaxamento, Everaldo representou o
próprio corpo pintando.
Buscou-se trabalhar com o corpo na tentativa de ampliar o autoconhecimento,
uma vez que a adolescência é uma fase do desenvolvimento humano caracterizada por
múltiplas transformações físicas e psicológicas, caracterizando um momento de
mudanças no corpo, nos afetos e nas referências sociais e relacionais, mudanças
essas que se manterão presentes, de algum modo, ao longo da vida.
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Além disso, entende-se que “um elemento indispensável na formação da
personalidade da criança é a representação que possui de seu próprio corpo.”
(FREITAS, 2008, p.318). Merleau-Ponty (1999) apresenta o corpo como o tronco e o
alicerce da personalidade. Para esse autor o corpo habita o espaço, é uma história
dentro de outra história. É a percepção do aqui e agora, mas é também
autoconhecimento e descoberta do mundo, como se o corpo fosse um álbum
existencial .
Figura 2
Everaldo: auto-retrato
Pintura com guache no papel sulfite
A pintura produzida por Everaldo (Figura 2) assemelha-se a um desenho, na
medida em que delimita o contorno da figura representada com tinta preta. Segundo
Furth (2006), a cor preta, quando usada para sombreamento, é geralmente vista como
negativa, protegendo pensamentos “negros”, uma ameaça ou medo. Everaldo pareceu
apreensivo, um tanto receoso, com a terapia naquele momento, algo novo para ele que,
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em várias oportunidades, demonstrou receio de arriscar e de experimentar algo
diferente. A figura desenhada apresenta um contorno que pode ser atribuído a uma
necessidade de proteção de sua vida afetiva.
O contorno sugere isolamento, separação entre mundo externo e mundo interno.
Essa questão aparece também na ausência da percepção de um espaço orientado em
torno do corpo, um espaço no qual o corpo está situado como objeto.
Interessante notar o colorido nos pés da figura produzida. É a única parte que
mereceu destaque. Isso fez lembrar o relato de Everaldo: contou que, quando ficava em
casa ocioso, costumava roer as unhas das mãos e dos pés até sangrar.
7.1.3. Everaldo colore seus sentimentos
Nesta sessão, realizou-se um relaxamento com músicas. Foram colocadas várias
músicas, com diferentes ritmos. Ao final de cada uma era perguntado ao participante
qual sentimento aflorara durante a música.
AT: Vamos começar colocando essa música (...) AT: está boa esta música? Quer que eu troque? Vagner: deixa eu ver professora? AT: o que você acha dessa? Está boa? Então preste atenção. AT: pronto! Agora vamos!! ............. AT: o que deu para perceber no corpo com essa música? Everaldo: relaxou!! AT: relaxou. (...)
Em seguida foi solicitado a Everaldo que colocasse uma cor para cada
sentimento. Ele utilizou as cores verde, amarelo e azul. Everaldo nomeou de acordo
com o que sentiu: colocou um lugar que imaginou, onde ele gostava de ficar, e o que
sentia quando estava neste lugar.
AT: lava bem o pincel para você colocar uma nova cor!! Lavar!! Everaldo: está bom assim professora? AT: oi?! Qual cor você colocou para esta música? Eu gostaria que vocês escrevessem o que significa cada cor para vocês. Está bem? (...) (Everaldo pede ajuda para escrever o que significava cada cor para ele).
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Everaldo: ... Agora o meu, agora!! Everaldo: Esse azul eu pensei no lugar lindo; o verde quando fico na natureza refletindo a minha vida; o amarelo, a alegria...
O resultado final foi uma pintura abstrata (Figura 3).
Figura 3
Everaldo: cores e sentimentos
Pintura com guache no papel canson
O participante por meio de sua obra encontra respostas, o trabalho de mistura
das cores serve como processo terapêutico. Ostrower (1989) e Andrade (2000), ao
discutirem sobre as funções terapêuticas da Arte, destacam a característica de
favorecer a relação do homem com o mundo, auxiliando-o a expressar suas emoções e,
consequentemente, ressignificar elementos do seu universo subjetivo.
Para Pain e Jarreau (2001)
A forma está ligada ao movimento enquanto a cor é somente sensação. A forma apela á absorção, ao reconhecimento do objeto, enquanto a cor provoca a sensibilidade e a intuição. A forma evoca o gesto, a cor traduz a emoção. A forma constitui o objeto, a cor é somente uma qualidade do objeto: a cor pode faltar, mas não se pode evitar ter uma forma, visto que tem sempre um limite. Na análise da produção, é importante fazer a distinção entre a análise do
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desenho, mesmo que tenha sido feito com pincéis, e da utilização das cores (PAIN e JARREAU, 2001, p. 99).
Há várias explicações para a definição de cor, uma delas é a explicação cientifica
que traduz a cor em termos de comprimento de onda, pela capacidade do objeto
absorver ou refletir diferentes comprimentos de onda. Porém, enquanto função
exclusivamente psicológica, “a qualidade específica das cores é a sensação
correspondente que participa da construção do pensamento e do comportamento”
(PAIN e JARREAU, 2001, p. 100).
Observando a produção de Everaldo tem-se um circulo amarelo contornado com
o azul; o amarelo também aparece misturado ao azul no centro da folha e, ainda, o
amarelo é coberto pelo azul da moldura no contorno da folha. O azul aparece,
predominantemente, emoldurando as figuras.
“A significação da utilização das cores está mais, então, na busca do diálogo
entre as cores, nos contrastes que representam as oposições, e nas contradições do
que nos valores dominantes” (PAIN e JARREAU, 2001, p. 102). De acordo com essas
autoras o que interessa no processo terapêutico com relação às cores
É a reconstrução do código subjetivo das cores, isto é, descobrir quais são, em razão da insistência de sua presença ou obstinação de sua falta, os tons mais importantes para o sujeito, assim como aqueles que são capazes de comovê-lo e de promover nele ressonâncias e associações com experiências vividas. A constância das manifestações entre as cores e os afetos, entre o investimento dos objetos e a marca colorida permite-nos decifrar o que os sujeitos exprimem e ver a cor como um signo (PAIN e JARREAU, 2001, p. 103).
Utilizando a ressalva de Furth (2006, p. 157) com relação à análise das cores:
(...) pode-se usar a análise das cores como um instrumento suplementar na
compreensão dos desenhos, embora as cores sejam, muitas vezes, difíceis de interpretar de maneira acurada, podendo ser mal interpretadas pelo leigo. (...) quanto ao emprego de interpretações das cores, deve-se considerar a forma como a cor foi usada, onde ela está situada na página, a quantidade utilizada, sobre quais objetos ou materiais ela é utilizada e a intensidade dela (FURTH, 2006, p. 157).
Predominam, na pintura, as cores verde e azul. O amarelo, que Everaldo
significou como alegria, aparece pouco. E, em alguns pontos, aparece sombreado pela
cor azul, transformando-se em verde. O verde, que para Everaldo significa refletir sobre
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a vida, está mais em evidência, demonstrando uma preocupação com sua vida, fato
ressaltado por ele em várias ocasiões. Mas, quando perguntado qual seria seu
problema apenas diz que é um problema que os médicos sempre comentam com a sua
mãe. Parece que a falta de clareza que Everaldo tem do problema emocional e
comportamental que apresenta está impedindo que a alegria flua em sua vida.
E o azul, que para Everaldo significa um lugar lindo, aparece como moldura,
fechando o desenho, colocando limites. Pode-se questionar que limites são esses
representados por Everaldo?
7.1.4. As borboletas de Everaldo
A sessão seguinte iniciou com um relaxamento como forma de auxiliar o paciente
a se concentrar na proposta arteterapêutica, favorecendo seu contato com vivências e
imagens internas que, posteriormente, foram externalizadas por meio da expressão
gráfica e pictórica.
AT: neste relaxamento vamos imaginar que você está dentro de um casulo, sabe o que é um casulo? É a casa da borboleta, quando ela está se transformando... Então vamos imaginar a cor deste casulo: tamanho... a temperatura que está neste casulo...a forma ...vamos explorar o máximo deste ambiente...então... você dentro deste casulo esta passando por várias estações do ano, e aos pouco você irá perceber que está se transformando...e desta transformação sairá uma linda borboleta...preste atenção em que tamanho de borboleta você esta se formando, se transformando...tamanho das asas...tudo isso dentro deste casulo...no momento exato esse casulo começa se romper... Pois, a transformação está se completando...quando você conseguir sair deste casulo, você pode abrir os olhos...para verificar como foi sua transformação...e daí... você verá como é a cor das asas ...como que você se transformou...se você estiver preparado você pode levantar.. ............... Everaldo: eu consegui imaginar que eu estava voando... AT: você sentiu isso?! Que legal, e então como foi? Everaldo: muito bom professora! Conseguir voar! AT: e as asas você percebeu como eram? Everaldo: não. AT: Como você imaginaria, se você pudesse se transformar nessa borboleta? Como seria esta borboleta? Everaldo: Azul. ............ Everaldo: agora eu estou me sentindo bom, mas estou aprendendo!! AT: você está melhor para aprender agora? Everaldo: sim! AT: ah que bom!! No início da terapia, realmente você estava com dificuldades...e em que você acha que melhorou?
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Everaldo: ...daí eu peguei e copiei... AT: ah que bom! É assim, aos pouquinhos que vai se transformando, vai percebendo pequenas mudanças, mas que no cotidiano é uma vitória, não é? Sempre é uma vitória, conseguir uma mudança!! E você se empenha bastante e isso é legal!! Não falta nas sessões. Então vamos para a atividade?
Everaldo desenhou três borboletas na parte superior do papel (Figura 4): em
princípio, a da esquerda ele havia contornado com o azul, depois passou o vermelho e
amarelo por cima desta e as outras contornou com amarelo; duas árvores com os
troncos todo em amarelo e com galhos; nas pontas destes galhos desenhou três flores
vermelhas com pontos pretos. Desenhou, também, um arbusto com tronco e galhos na
cor verde, nas pontas, flores amarelas com pontos vermelhos e uma flor solitária na cor
vermelha com centro em amarelo. O solo pintou de azul.
Figura 4
Everaldo desenha borboletas
Pintura com guache no papel canson
Everaldo faz este desenho por partes, desenhando as árvores, arbusto, as
borboletas e por fim a flor solitária. O desenho de três borboletas e três flores/galhos
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remete à simbologia do número três. O número três pode ser relacionado ao símbolo da
trindade. Conforme explica Jung (1999a, pp. 74-76), esta simbologia se relaciona, a
priori, com três cores.
Há três cores principais: verde, vermelho e ouro (...) a cor de ouro pertence ao Pai, o vermelho ao Filho e o verde ao Espírito Santo... E a cor que faltava, a quarta cor, é o azul do manto celeste de Maria. Porém, não se faz menção, pois a Mãe de Deus, não é divina é apenas beata, além disso, representa a terra, que é também o corpo e sua obscuridade (JUNG, 1999a, p. 74-76).
Nota-se que Everaldo, nesta representação, usa as cores que aparecem nesta
simbologia: o vermelho, o amarelo, o verde, e o azul, sendo que usou o azul para
pintar, especificamente, o solo (a terra). Estes aspectos sugerem que a idéia
arquetípica da trindade aparece nesta representação “como uma forma de disposição
interior que começa a agir a partir de um determinado momento da evolução do
pensamento humano, organizando o material inconsciente em figuras bem
determinadas” (JUNG, 1999a, p.15).
Observa-se que o número três, em sua ampla simbologia, demarca o “limite
entre o favorável e o desfavorável” (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2003, p. 900),
podendo significar passagem ou transição a partir do terceiro elemento (mudança de
condição após três repetições, após três dias, após três gritos, após três sinais, etc.).
AT: que tipo de árvore é essa? Everaldo: essa é, é aquele tipo que cai as folhas verdes e nasce uma rosa! Sabe? AT: não eu não sei! Everaldo: aquela professora, que cai as folhas todas e daí nasce à flor, a rosa. AT: ah, ela fica sem nada deixando só a rosa?! Everaldo: fica só os galhos pura, e aí nasce a rosa!! AT: por isso que eu estou tentando ver qual é essa árvore, sem folha nenhuma... Interessante, não conheço esta flor... O caule fica seco... Everaldo: é, fica só a flor!! ........... AT: e você achou parecido com você? Por quê? O que te fez pensar nesta árvore? Edvaldo: eu acho ela bonita.
Analisando as árvores que Everaldo desenhou, percebe-se que estão mutiladas,
não há copas, apenas troncos, sem as folhas. A árvore, que tem função regeneradora,
representando fertilidade e vitalidade (KOCH, 1978), nesta imagem aparece podada.
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A árvore está ligada ao ciclo de vida e morte e é comparada ao desenvolvimento
da própria existência humana:
Todo ser tende a desenvolver suas potencialidades e tornar-se ele mesmo. A árvore, em seu processo vital de desenvolvimento, é um apropriado símbolo do processo psíquico de individuação em estado virtual, não ainda na fase de realização consciente. (SILVEIRA, 2001, p.52).
São duas árvores desenhadas: uma mais alta que a outra. A maior está
enraizada já a segunda quase não se fixa no chão, parecendo não ter raiz, amparada
pelo arbusto desenhado ao lado. Pode-se inferir a falta de raízes como a necessidade
que Everaldo sente em “fincar os pés” na terra de origem, na casa da mãe, pois “a
árvore tem como simbolismo a representação do materno” (SILVEIRA, 2001, p.50).
Porém, tanto pode ser protetora quanto “pode sufocar o desenvolvimento de outras
plantas”. Isto se justifica, como estratégia compensatória diante da instabilidade vivida,
durante a infância, pois Everaldo sai da casa da mãe e, antes disso, o pai sai da casa
da família.
A mutilação da árvore parece representar os limites, as limitações, as situações
de perda, talvez vividas quando foi morar na casa da tia, ou mesmo quando saiu da
Bahia para morar em São Paulo. Mas, na ponta de cada tronco surge uma flor,
mostrando que a vida é capaz de transcender a dor e de brotar, numa perspectiva de
esperança. Mesmo tendo a energia do amarelo ouro, e o vermelho trazendo a
importância da vida, também se notam pontos na cor preta que aparecem praticamente
borrando o centro das flores, evidenciando, novamente, segundo Furth (2006) uma
ameaça ou medo do desconhecido.
AT: é!! È bem a historia da borboleta... não tem a lagarta e a borboleta...ou ela é só lagarta e faz uma transformação para ser borboleta, não tem como. Como esta árvore. Ou ela é só flor, ou ela é arvore com folhas, não tem as duas juntas, ou um ou outro... Você achou parecido com você? Não tem meio termo, você não é duas coisas!! Everaldo: é!! AT: Mas geralmente, nós juntamos. O que nós éramos antes, juntamos em uma transformação. Apenas, aquela pessoa de antes, está lá no fundo. Porém uma pessoa transformada. ............. Everaldo: professora, Senhora tem um lápis para fazer...? AT: serve esse? ............ Everaldo: professora, eu não sei fazer borboleta! ...............
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AT: como você fala que não sabe!! Olha só que borboleta bonita você desenhou!! .............. AT: Qual delas é você? Everaldo: essa!! (aponta para a borboleta azul) Professora um dia eu vi várias borboletas...
A borboleta é portadora de significação acerca do conceito de metamorfose. A
transformação da lagarta em crisálida e depois, finalmente em borboleta aparece como
a metáfora da transformação pela qual passam os seres humanos. Essa metáfora
enquadra-se perfeitamente na caracterização da adolescência. Segundo Houaiss
(2001), a palavra adolescência tem origem no verbo latim adolescere, que significa
crescer, ou crescer até a maturidade, resultando em transformações de ordem social,
psicológica e fisiológica.
Everaldo se representa na forma da borboleta, alçando vôo e chegando ao ponto
mais alto da folha de papel. Uma criança (lagarta) que se transformou em crisálida
(adolescente) e agora ruma para o “tempo” da borboleta, transformando-se, aos
poucos, em adulto.
7.1.5. O tucano de Everaldo
Na décima quinta sessão, realizou-se novo relaxamento, conforme relatado a
seguir:
AT: começando o relaxamento, feche os olhos, começarei uma leitura, e você a acompanhará com os olhos fechados:....(leitura) Encontre uma posição confortável, com os olhos fechados... Imagine que está em um quarto escuro e que na outra ponta do quarto há uma tela escura de cinema... Aos poucos surgirá uma luz na tela e enquanto a luz vai surgindo gradualmente, você vê um animal que representa você... a medida em que a tela fica mais clara, olhe cuidadosamente para a imagem, que tipo de animal aí está... Como ele é? Qual é sua postura ou sua atitude? O que ele está preste a fazer? Há algo de especial ou anormal com este animal? ... Examine-o com cuidado... Aproxime-se dele... Continue a olhá-lo e veja o que descobre sobre ele... Agora se torne este animal... Identifique-se com ele... .descreva-se... Diga a si próprio silenciosamente... Este animal...como você observou...
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Como você é, sendo este animal? Como você se sente fisicamente sendo ele? Olhe em volta e como é sendo ele? O que você faz... Como você esta interagindo com este ambiente? ... Se você fosse este animal que tipo de posição você assumiria... Como se sente? O que está presta a fazer? ... Quando você tiver feito todos os questionamentos, e se sentir a vontade pode abrir os olhos! ...
AT: você conseguiu ver um animal? Conseguiu ser este animal? Everaldo: eu fiquei de olho fechado eu vi tudo... AT: então você viajou mesmo, não é? E conseguiu ver o animal? Everaldo: vi uma ave. AT: qual a sensação? Everaldo: tava voando!! AT: qual tipo de ave que era? Everaldo: Professora, eu não sei qual pássaro era... Era um pássaro grande. AT: fique um pouco em silêncio... não tente analisar nada... É só para observar como você se sentia? Lá você chegou a voar? Como foi? Sentindo liberdade? Everaldo: poderia ser! AT: o que você reconhece nesta experiência? Eu sei que você sempre gostou de pássaros, não é? Você vê alguma relação da experiência com a sua vida no dia-a-dia? ...O que você vê? Everaldo: Eu vejo um paraíso, professora... (...) Everaldo: consegui sair e voar... ficar livre!! AT: e você prefere ficar livre? Mas você conseguiu ficar dentro do cercado? Como era lá? Everaldo: Grande. AT: O que você achou desta atividade, de se transportar para outro corpo que não era o seu? Everaldo: bom. AT: O que você achou desta experiência como um todo? Everaldo: achei supimpa de bom... isso de voar!! AT: é! Então eu trouxe várias figuras de bichos, águia, tucano... Everaldo: mas é esse bicho professora, que eu tava falando...e não sabia o nome... AT: ah, era o tucano, então tem!! Pode recortar!! Everaldo: o que ele faz professora? AT: eu sei que, quando ele bate o bico ele faz tec.. tec... ... AT: você quer desenhá-lo ou recortar? Everaldo: recortar! AT: O que eu gostaria que você fizesse; você recorta e cola o tucano no papel e depois eu gostaria que você desenhasse a cena que continha o cercado ou gaiola. Como você viu as cenas, as duas cenas.
Após, solicitou-se a Everaldo que representasse a cena imaginada durante o
relaxamento.
Everaldo recorta e cola o desenho de um tucano no papel canson. Em seguida,
começa o desenho de uma gaiola: desenha também o tucano voando, que ele diz estar
em cima de uma árvore, porém a árvore parece um cipó carregado pela ave. Desenha,
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ainda, nuvens azuis. O amarelo claro aparece na gaiola e no bico do tucano cujas asas
ele coloriu com lápis bordô. Coloriu as folhas do cipó com a cor verde (Figura 5).
Figura 5
Everaldo representa um animal
Desenho com lápis colorido no papel canson
Para Jung, os animais são representações de forças instintivas e, portanto, de
tendências ou inclinações, que, através dessas representações, adquirem um caráter
psicológico. Segundo esse autor “o self é, muitas vezes, simbolizado por um animal que
representa a nossa natureza instintiva e a sua relação com o nosso ambiente” (JUNG,
2008a, p.275). O instinto é um impulso natural, cego e dirigido para certas ações, sem
deliberação e, muito freqüentemente, sem uma representação na consciência.
Os instintos são forma típicas de comportamento, e todas as vezes que nos deparamos com formas de reação que se repetem de maneira uniforme e regular, trata-se de um instinto, quer esteja associado a um motivo consciente ou não (JUNG, 1984, p. 139).
54
Jung reserva a denominação „instinto‟ para as formas herdadas de atividade,
para a ação fisiológica e denomina de arquétipo as disposições para configurar as
imagens que lhe dão sentido (SILVEIRA, 2001, p. 119).
A ave, como o tucano desenhado por Everaldo, geralmente leve, frágil, pequena
e delicada, por estar em constante contato também com a terra, é muitas vezes referida
como símbolo de ligação entre ambos, entre o celeste e o terreno e, de religação entre
o divino e o humano. O pássaro, no entanto, comporta uma natureza sombria enquanto
símbolo: o caótico. Um pássaro simboliza, na China, o caos (CHEVALIER e
GHEERBRANT, 2009, p. 687).
Se for notável por sua capacidade de orientar-se precisamente no espaço, também o é por sua agilidade fortuita, sua instabilidade visível ao longe, é também momentaneamente imprevisível, imprevidente. Pode estar simultaneamente alvejando uma meta ou abandonando-a; constelando, então, solidão e desamparo, pode ser associado ainda ao que é irresponsável, distraído, inconsequente, brincalhão, frívolo, tolo. E, poderíamos dizer, inconsciente distinguindo assim seu reverso enquanto símbolo e revelando uma sugestiva metáfora acerca da dupla natureza da alma humana: consciente - inconsciente; ou mesmo, das duas faces de Psique: a mortal e a alada, imortal. (MIGLIORINI, 1995, p.187)
No centro da produção de Everaldo, aparece o tucano dentro da gaiola. Para
Furth (2006) “muitas vezes, o que está posicionado no centro do desenho pode indicar
onde está o núcleo do problema ou o que é importante para o indivíduo” (FURTH, 2006,
p. 95).
Pode-se pensar que Everaldo representa, aqui, o aprisionamento da sua vida
instintiva. Ele, que anteriormente morou na Bahia, verbalizou que gostaria de voltar
para lá, onde tinha uma vida mais livre e podia brincar com seus animais. Relatou que,
em São Paulo, ficava em casa, sem sair para nada.
Mas, Everaldo desenhou outro tucano, voando, solto, com uma folhagem em seu
bico. Esta representação remete à passagem bíblica da pomba que, após viver o
confinamento na Arca de Noé, durante o dilúvio, surge “(...) trazendo em seu bico uma
folha nova de oliveira, que seria o sinal de que havia terminado o dilúvio e a terra
estava seca”. (Gênesis, 8:11). Essa imagem sugere que, após o aprisionamento,
Everaldo vislumbra a possibilidade da libertação.
55
Novamente tem-se, aqui, representados a questão do limite, do aprisionamento e
também a imagem do renascimento, da esperança, da transformação.
7.1.6. Categorias temáticas recorrentes que emergiram das produções de Everaldo
Aqui, são descritas as categorias temáticas recorrentes que emergiram durante
as sessões registradas neste estudo, pois para Silveira (1981 e 2001) a aparição de
motivos recorrentes, mostra um significado que precisa ser assimilado pelo sujeito para
que o conteúdo inconsciente correspondente seja integrado à consciência.
Pode-se afirmar que a categoria recorrente, presente nas produções de Everaldo
é a transformação. Inicialmente, pode-se levantar a questão do uso das cores: nas
produções de Everaldo foram recorrentes as cores azul, amarelo e verde. Considerando
que o verde é resultado da união do azul com o amarelo, pode-se pensar que o verde
resulta de um processo de transformação das duas cores primárias (Figura 3).
A questão da transformação aparece em outras produções de Everaldo: na
representação da borboleta (Figura 4), no tronco de árvore decepado do qual brotam
flores (Figura 4), no tucano que aparece aprisionado e também voando (Figura 5).
Apesar de terem sido consignas direcionadas, sua imaginação foi além do proposto,
demonstrando essa mudança inclusive no comportamento.
A transformação enquanto tema recorrente pode estar relacionada às
especificidades da adolescência enquanto etapa da vida do sujeito que se transforma
de criança em adulto, mas, também pode relacionar-se à evolução psicodinâmica
durante o seguimento arteterapêutico. Nesse sentido, a arteterapia aparece como uma
facilitadora do processo terapêutico.
7.2. VAGNER
Vagner, adolescente de 14 anos, cursava a 6ª série por ocasião da pesquisa. A
queixa inicial foi falta de atenção, distração. Foi encaminhado pelo neurologista por
distúrbio e tomava medicamento para dormir. Durante as sessões dispersava-se com
muita freqüência, conversava bastante sobre seu cotidiano e interrompia os colegas
56
para falar sobre si mesmo. Não tinha limites e não respeitava regras. Afirmava não
gostar de desenhar e não ter paciência para fazer as atividades durante as sessões.
De acordo com a mãe, o pai era usuário de drogas. Durante a gravidez, a partir
do 4º mês de gestação, teve que ser internada, freqüentemente, por conta de
sangramentos.
Os pais se separaram quando Vagner tinha dois anos e, posteriormente, a mãe
casou-se novamente. O pai o visitava de 15 em 15 dias. Sua mãe trabalhava como
moto-girl e Vagner ficava com a avó ou com o padrasto, com quem, aparentemente,
tinha um bom relacionamento.
7.2.1. O auto-retrato de Vagner
Nesta sessão, a consigna era desenhar a si mesmo imaginando-se em frente ao
espelho.
Figura 6
Auto-retrato de Vagner
Desenho com lápis colorido no papel sulfite
Vagner: Aqui é a cachoeira, mato, passarinho...
57
Vagner contou que seu nome veio de seu avô, passou para seu pai e,
finalmente, para ele. Depois desenhou a si mesmo, em papel sulfite com lápis de cor.
Vagner se desenhou do lado esquerdo da folha (Figura 6), a cabeça na cor
verde, na parte dos cabelos fez uma linha na cor marrom e o boné em verde também;
desenhou olhos e boca em um tamanho proporcional, na cor marrom; porém, o nariz,
desenhado em formato maior e na cor bordô. Desenhou o queixo alongado e não
desenhou o pescoço; o corpo em marrom, sendo o tronco desenhado em formato
retangular; os braços abertos e as mãos em formato de pinça, pernas retas e os pés
não muito definidos. Do lado direito da folha desenhou uma cachoeira em azul, com
um risco vertical marrom; na parte inferior da folha, risca uma linha verde, que disse
representar o mato. Os pássaros foram desenhados em marrom.
Nas sessões Vagner era muito falante, não tinha comportamento agressivo, mas,
segundo o que ele próprio contou, sua mãe foi chamada na escola várias vezes, por
conta das brigas do filho.
Vagner: Minha mãe foi chamada na escola AT: É!! Por quê? Vagner: Porque eu dei um soco na cara de um moleque. AT: Nossa! O que aconteceu para que você fizesse isso? Vagner: Eu tava lá sentado, daí ele foi mais... AT: Nossa! Vagner: Mas eu não se ferra não, quem vai se ferra é ele, porque minha mãe não vai!! A diretora esquece que nem da outra vez, da outra vez ela chamou minha mãe daí ela (a mãe) nem ligou. AT: Mas você fez alguma coisa para ele falar alguma coisa assim? Vagner: Eu fiz... para ele! (faz um gesto obsceno) AT: Mas tá! Mas desse jeito... Vagner: Mas dessa vez dei bobeira. Porque... Daí fui eu e ele para diretoria! AT: Mas você contou para a diretora o que havia acontecido? Vagner: Contei. AT: E a diretora chamou a mãe dele também? Vagner: Chamou, mas chamou a minha também, só que a minha não vai!
Vagner, nesse desenho, faz uma cachoeira azul do lado direito. A cachoeira nos
remete ao seguinte significado:
A cascata é (...) o símbolo da impermanência oposto ao da imutabilidade. Embora, como entidade, a cachoeira permaneça, ela não é, entretanto, jamais a mesma. A queda-d‟água também está relacionada com o movimento elementar, indomado das correntes de força (...). A cachoeira também pode significar simbolicamente emblema de movimento contínuo, o emblema do mundo onde
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os elementos mudam constantemente, ao passo que a forma permanece inalterada (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009, p. 160).
É o que Vagner demonstra durante as sessões: dificuldade em ouvir, em ter
paciência para observar, em prestar atenção para aprender o que lhe ensinam.
Apresentava impulsividade e ansiedade, durante as sessões.
7.2.2. Vagner e a cachoeira
Na sessão seguinte, ao trabalhar a questão dos limites e a representação de si
mesmo por meio das cores com tinta guache e pincel, Vagner retoma espontaneamente
o tema elaborado anteriormente, o da cachoeira. Ele desenhou-se no centro superior da
folha (Figura 7), como se estivesse no ar, flutuando, e ao lado desenhou a cachoeira.
Vagner: pode fazer outro desenho? AT: Qual outro desenho? Vagner: uma cachoeira, pode fazer? AT: então faz!...Você gosta de cachoeira? Você gosta de estar lá na cachoeira, não gosta?! Vagner: eu não ligo pra cachoeira.
Figura 7
Vagner trabalhando o espaço
Desenho com lápis colorido no papel sulfite
59
Aqui, novamente, a água aparece como elemento principal da produção. A água
é considerada como sendo o ponto de partida para o surgimento da vida, daí sua
simbologia estar ligada à mãe. É um símbolo da gênese, do nascimento. Nos mitos dos
heróis ela está sempre associada ao seu nascimento ou renascimento: Mitra nasceu às
margens de um rio, enquanto que Cristo "renasceu" no Rio Jordão. Ela sempre nos
reporta à origem. É um dos símbolos do inconsciente.
A água, afirma Cavalcanti (1997), “é um dos elementos divinos manifestados, e
assim é universalmente vista como a matéria substancial para a formação de tudo
aquilo que é vivo, a fonte original da criatividade e o símbolo universal da fertilidade e
da fecundidade. (...) No sentido psicológico, a água é o reservatório de toda a pulsão de
vida” (CAVALCANTI, 1997, p. 15). Representa o reino da emoção profunda e das
reações de sentimento, indo desde paixões compulsivas e temores irresistíveis, até
uma aceitação e um amor que abrange toda a criação (ARROYO, 1993, p. 110).
Em numerosos mitos de criação do mundo é a água fonte de toda a vida, assim
como associada à idéia de dissolução e de afogamento.
No cristianismo, a água, por suas propriedades purificadoras, está associada à
pureza e à inocência. A imersão no batismo simboliza o retorno ao estado de graça
original, com o renascimento e regeneração que seguem. No aspecto negativo, como
na imagem do dilúvio, a água pode remeter a superação. No plano psicológico a água é
o símbolo das camadas mais profundas do inconsciente (SILL, 1975).
7.2.3. A cor dos sentimentos de Vagner
Vagner, nas sessões seguintes, veio a apresentar problemas respiratórios.
Faltou a alguns atendimentos para ir ao hospital fazer inalações, foi acometido por uma
gripe muito forte, chegou com febre a uma das sessões. Nesta sessão Vagner trouxe os
problemas de saúde que estava tendo.
Vagner: Ah!... Com sono... Daí eu fui pro hospital. AT: foi para o hospital? Vagner: não sei eu não dormi a noite inteira, daí fiquei com dor no corpo. AT: Por que, estava gripado?
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Vagner: faz um tempo já, gripe e comecinho de dor de garganta, aí minha mãe me levou para o hospital quase todo dia. Aí o médico me mandou tomar uma injeção, uma benzetacil. AT: mas, então é algum quadro inflamatório ou infeccioso? Vagner: o médico viu aqui... e dói aqui (mostrando o pescoço) AT: caxumba! Ou é garganta? Vagner: que caxumba, pssora, corta!!! AT: Uê!! Vagner: caxumba foi a semana passado, eu peguei caxumba da minha mãe, eu ficava perto dela, daí eu peguei e fiquei maior bola aqui!! AT: então ainda é um vestígio da semana passada! Mas você está tomando remédio? Vagner: to! ... Vagner: aqui é um...um pulmão. ...
Ostrower (1989) considera que as experiências de Arte estão interligadas com o
viver. Assim, ao se envolver numa atividade artística, o indivíduo é estimulado a
conscientizar-se de situações conflituosas e neste processo auto perceber-se para
aprender a lidar com as dificuldades emergentes. Essa questão fica latente durante a
verbalização de Vagner nesta sessão:
Figura 8
A cor dos sentimentos de Vagner
Nanquim colorido no papel Canson molhado
61
(Vagner tossia, com dificuldades para respirar) ... Vagner: escrever aqui o que eu vi? AT: é para circular onde visualizou e escrever. Vagner: aqui ó!! ......... Vagner: aqui o coração, aqui um osso. ......... Vagner: um coração, um pulmão... AT: então, as partes internas do corpo, e o que você está sentindo, problema de respiração, e o pulmão têm tudo a ver! Então... você pode observar,... que mesmo você não querendo, você está começando a se perceber. Vagner: Nossa!!!
Nesta produção de Vagner, pode-se identificar a projeção de imagens simbólicas
que talvez estejam relacionadas à situação de ameaça proporcionada pela doença
respiratória que o acomete. Parece que à dinâmica intrapsíquica corresponderia
simultaneamente à dinâmica do próprio organismo que se encontrava doente.
Kast (1997) também argumenta a respeito deste processo imagético que pode
ter como origem as próprias sensações desencadeadas pelo corpo, sendo que estas
seriam a fonte primária de um fluxo de imagens interiores. Assim, a imagem em si seria
a ponte que liga o corpo à mente, existindo um fluxo que favorece tanto a influência das
percepções do corpo na mente quanto da mente no próprio corpo.
Na produção realizada nesta sessão, Vagner elabora uma pintura abstrata que
apresenta diferenças e semelhanças com relação às produções realizadas
anteriormente. Nota-se que esta pintura feita com nanquim mantém um padrão
diferenciado ao priorizar formas abstratas, mas ao mesmo tempo traz também em si
importantes paralelos com o material anterior no que se refere ao conteúdo simbólico
referente à disposição das formas e ao uso das cores, em especial o predomínio da cor
azul.
Sendo o azul uma cor mais imaterial, fria e pura, corresponde às transparências
na natureza, expressando a jornada para o infinito na transformação do real em
imaginário. (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009). Numa concepção psicanalítica, esta
cor indica a “força do Ego”, estando relacionada às emoções na manifestação do
62
estado de tranqüilidade (havendo maior controle dos impulsos) até a própria supressão
dos sentimentos.
7.2.4. Vagner criança
Foi uma sessão de relaxamento com música em que Vagner teve que perceber
cada parte de seu corpo por meio de movimentos leves.
AT: (...) nós vamos relaxar o corpo, dos pés a cabeça, ao meu comando vocês irão fazendo os exercícios. Com o pé direito: vocês irão contraí-lo e relaxá-lo, três vezes. O pé direito apenas! (...) AT: com o pé direito, só o pé, (...) Faça o exercício com o pé direito. Agora com o pé esquerdo faça o mesmo movimento... Somente o pé. É deixar esticada a perna, movimentar somente o pé. (...) AT: Vagner, fazer o exercício? Então vamos, contrair e relaxar o pé... Contrai e relaxa, mesma coisa com o esquerdo. Não, só o pé não a perna. Está dando para perceber. Agora vamos movimentar o joelho, o mesmo processo, contrair o joelho e relaxá-lo...
E assim, seguiu o relaxamento até chegar ao pescoço e cabeça, sempre ao
som da música e prestando atenção na respiração. Depois do relaxamento houve uma
conversa sobre a infância. E, posteriormente, foi feito o registro da lembrança de um
brinquedo da infância.
AT: Isso muito bem! Estamos começando a trabalhar! (...) agora eu quero opinião, como você poderia colocar nesse isopor, um brinquedo que lembra a infância? Vagner: ah! pssora.... AT: O que? Eu estou procurando algo para riscar o isopor! Vagner: eu vou fazer uma pipa! AT: pode fazer a pipa, mas antes você terá que tirar a aba do isopor, porque será como um decalque, e essa aba irá atrapalhar! AT: mas você terá que riscar fundo o isopor para poder sair no papel! Entendeu? (...) Depois de conversar sobre outras coisas, Vagner retoma a atividade: AT: acho que não vai sair! AT: tem que passar assim para poder cortar... Vagner: tem que passar a tinta? (...)
Nesta sessão, Vagner resgatou lembranças do passado, de quando era uma
criança. Acredita-se que a criação de objetos e obras, produtos do mundo real, funciona
63
como potencionalizadora de uma nova realidade, exercitando, no próprio viver, uma
experiência de criar e re-criar. Diante disso, solicitou-se o registro dessas lembranças
numa produção artística. Foi feito, então, um decalque em sulfite com guache
representando cenas vividas na infância.
AT: acho que já dá para comentar um pouquinho agora, não é? AT: Ah, dá tempo!! Vamos lá, falar um pouquinho?! AT: ...E você Vagner? Vagner: brincava na quermesse de sábado e domingo! AT: brincava onde? Vagner: na quermesse, sabe o que é quermesse? Né, pssora? AT: sei!! Mas quando não tinha quermesse? Vagner: .... AT: eu não sei hoje, mas antes as quermesses eram boas! Vagner: são boas ainda, pssora! Toda vez que tem quermesse, tem briga! AT: é?!! Vagner: eu fui na quermesse ontem e teve maior quebra-pau!! ..... Vagner: eu vou fazer um pipa! AT: Vagner fala de sua produção agora! Vagner: essa é minha casa e esse é meu pipa. AT: nossa!! Você lembrou então disso!
Figura 9
Lembranças de Vagner
Pintura com guache no isopor e decalque no sulfite.
64
A produção de Vagner (Figura 09) representa uma casa sem portas e sem
janelas, com cores fortes e contrastantes, predominando a cor preta.
A cor preta é transcendência, se reporta ao inconsciente e também do ponto de vista da análise psicológica, ausência de toda cor e de toda luz (...) é a obscuridade das origens. Na sua influencia sobre o psiquismo, o preto dá uma impressão de opacidade, de espessura, de peso. Mas também o preto pode estar ligado à promessa de uma vida renovada, assim como a noite contem a promessa da aurora (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009, p. 740-744)
A casa, que, segundo Jung (2008b), retrata o próprio indivíduo, está toda
fechada e distorcida, faltando um canto. A casa elaborada por Vagner remete a uma
fachada externa que não permite acesso ao espaço interno. Neste momento, ele expõe
sua autoimagem: aparência sombria (a casa pintada de preto) que, naquele momento
do processo ainda não oferecia via de entrada para o mundo interior (universo
intrapsíquico). Permanecer fechado indicava vivenciar internamente algo que não tinha
vazão para o mundo externo, o que poderia gerar extrema tensão.
7.2.5. Categorias temáticas recorrentes que emergiram das produções de Vagner
Assim como no caso clínico de Everaldo, aqui também se incluem as categorias
temáticas que emergiram durante as sessões registradas neste estudo pertinentes ao
participante Vagner.
Uma primeira categoria recorrente é a cor azul que aparece em três produções
(Figura 6, Figura 7 e Figura 8). A cor azul, que remete à jornada para o infinito na
transformação do real em imaginário (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009) parece
sugerir movimento. Também é recorrente o tema água (Figura 6 e Figura 7) que remete
à regeneração. Nesse sentido pode-se pensar que Vagner passa por um movimento de
regeneração, de renascimento e transformação.
7.3. MARIO
Mario, adolescente de 14 anos, cursava a 6ª série do Ensino Fundamental por
ocasião da pesquisa. Fazia tratamento psiquiátrico para depressão.
65
Seus pais viveram juntos por nove meses, após o nascimento de Mario. Eles
separaram-se e o pai não teve mais contato com o filho. Depois disso, a mãe e Mario
foram morar com a avó. Pai e mãe formaram novas famílias; entretanto, o pai não teve
outros filhos. A mãe, com dois filhos do segundo casamento, mudou-se para morar com
o novo marido, mas Mario permaneceu na casa da avó que detinha sua guarda.
Mario verbalizou, durante o atendimento arteterapêutico, que, se ele tivesse
condições, compraria uma casa para morar com a mãe e os irmãos. Segundo ele, mora
com a avó porque a casa em que mora a mãe com sua nova família é pequena. Nas
sessões, Mario conversava bastante, dizendo ser sozinho, sem ninguém para
conversar. Fazia as atividades tranquilamente.
7.3.1. Auto-retrato de Mario
Foi solicitado a Mario que desenhasse a si mesmo.
Figura 10. Auto-retrato de Mario
Desenho com lápis colorido no papel sulfite
66
Neste desenho (Figura 10), Mario iniciou pela cabeça e, após desenhar o corpo,
completou com olhos, nariz e a boca. Conforme Hammer (1991), “a maioria dos
conceitos do self dos indivíduos se focaliza na cabeça e na face”. (HAMMER, 1991, p.
82).
Pode-se verificar, no desenho realizado por Mario, que as mãos, consideradas
por Hammer (1991) como instrumento de controle, não aparecem, indicando
“comprometimento em atividades como tocar e manipular objetos, pessoas e a si
mesmo, revelando falta de confiança, agressividade, conflito e culpa nas relações
interpessoais” (HAMMER, 1991, p. 82). Os botões, desenhados na linha central do
tronco podem indicar dificuldades na separação da mãe.
A separação de Mario de sua mãe era percebida por ele como castigo. Mario
culpava-se por não conseguir manter mãe e irmãos, situação em que poderia viver com
sua família, sem a presença do padrasto com quem não tinha um bom relacionamento.
Quando Mario começou a desenhar, disse: “não consigo desenhar com giz!”. A
arteterapeuta ofereceu lápis de cor para que continuasse o desenho, e então ele virou a
folha e continuou a desenhar. Quando, mais tarde, a arteterapeuta foi observar o verso
da folha deste desenho, verificou que Mario havia desenhado um rosto diferente
daquele que ele desenhou no anverso: era um rosto com a fisionomia carregada, os
olhos expressando rancor ou raiva, nariz em forma de “v”, uma linha como boca e o
rosto todo na cor alaranjado.
Furth (2004, p. 121) alerta para esta situação em que o terapeuta deve estar
atento ao que é desenhado no verso do desenho, pois pode ser indicativo de conflito.
“Por que essa imagem não pode ser desenhada na frente?”
O rosto esboçado por Mario, colocado contra a luz, olha para o mesmo lado que
o desenho no anverso, ou seja, para a árvore. Ao falar sobre a árvore que desenhou, o
participante relata que ela foi plantada pelo seu tio quando Mario tinha quatro anos de
idade, mesma época em que sua mãe o deixou com seus avós para morar com seu
padrasto. Talvez essa mágoa lembrada e verbalizada enquanto desenhava, não
pudesse ser representada claramente por Mario.
Quanto às nuvens em azul no desenho, segundo Furth (2004, p. 155), “nuvens
têm a tendência a representar ansiedade em um desenho”, mas existe uma
67
representação de um sol em amarelo brilhando em cima da cabeça da pessoa neste
desenho, podendo demonstrar energia que dá vida, calor, assim como a árvore na cor
verde demonstrando também potencial para o crescimento.
Todo o desenho contrasta com o esboço do rosto, em alaranjado, no verso da
folha, que segundo a definição feita por Furth (2004), da cor alaranjada, pode refletir
uma situação de ansiedade, em especial uma situação da vida ou morte; pode também
indicar decréscimo de energia ou a saída de uma situação ameaçadora. Porém, não
deixa de ser alguma situação conflitante que o participante vivenciava no momento da
produção.
7.3.2. A família de Mario
Na sessão seguinte foi solicitado a Mario que representasse uma família
utilizando massa de modelar.
Figura 11.
Representação da família de Mario
Massa de modelar colorida
A produção elaborada por Mario, nesta sessão, não pode ser facilmente
compreendida. Ao ser questionado, Mario explicou que representou uma família dentro
68
de um automóvel (Figura 11). Como pensar essa representação de família elaborada
por Mario?
Para Jung (2002) o homem não possui a percepção e o entendimento pleno das
coisas que o rodeiam, visto que percebe o mundo através dos sentidos e em dado
momento estes sentidos atingem um limite, situando então a fronteira do conhecimento
consciente.
Para esse autor (JUNG, 2002) há aspectos inconscientes na percepção da
realidade. Quando a realidade é captada através dos sentidos esses dados passam a
ser domínio da mente, assim há percepções da realidade que adentram direto o campo
do inconsciente.
Quando alguma coisa escapa da nossa consciência esta coisa não deixou de existir, [...], assim também reencontramos pensamentos temporariamente perdidos. Parte do inconsciente consiste, portanto, de uma profusão de pensamentos, imagens e impressões provisoriamente ocultos e que, apesar de terem sido perdidos, continuam a influenciar nossas mentes conscientes. (JUNG, 2002, p 32-33).
A forma oval da produção de Mario remete a uma situação de proteção, de
isolamento do mundo externo. Para Jung (2002) a idéia de receptáculo é arquetípica. É
encontrada em toda parte, sendo motivo central de quadros inconscientes. É a idéia do
círculo mágico desenhada em volta de alguma coisa que deve ser impedida de fugir ou
deve ser protegida.
A atitude de esconder a família no interior do automóvel, sem destacá-la, parece
representar as camadas de proteção que isolam os conteúdos internos, sendo a
camada mais superficial uma espécie de alegoria aos olhos dos espectadores.
Assim, Mario omite a família na sua produção, evitando entrar em contato com o
foco de seus conflitos. O fato de morar com a avó materna, faz com que Mario sinta-se
excluído pela mãe que mora com seus outros dois irmãos. Igualmente, a ausência do
pai na sua vida, aparece como rejeição, promotora de sofrimento.
O conteúdo desta produção também remete ao fenômeno da origem. Neste
sentido, esta imagem se assemelha ao ventre materno como continente onde a vida se
desenvolve. O ovo delineia-se como forte elemento significativo de ventre, desde o
homem primitivo, já pela sua própria estrutura de acolhimento, já pela carga simbólica
adquirida além desse fato, ou talvez, por causa dele mesmo. O redondo, descrito por
69
Neumann (2003), é, no imaginário humano, a forma mais acabadamente significativa do
útero. Franz também diz que “Todos os recipientes, qualquer coisa que sirva como
recipiente, têm uma conotação feminina.” (FRANZ, 2003, p.137).
Desde que nos orientemos na sombra, longe das formas, esquecendo a preocupação com as dimensões, não podemos deixar de constatar que as imagens da casa, do ventre, da gruta, do ovo e da semente convergem para a mesma imagem profunda. Quando aprofundamos no inconsciente, essas imagens vão perdendo aos poucos sua individualidade para assumir os valores
inconscientes da cavidade perfeita. (BACHELARD, 1988, p.158).
Para Mario, a imagem de família que remete ao sofrimento, parece remeter
igualmente ao aconchego, proteção, sentimento de completude. Essa dualidade
representada na sua produção objetiva o conflito provocado pelos sentimentos de amor
e ódio, que Mario pareceu vivenciar na relação com sua família.
Essas questões aparecem na história de Mario tornando possível interpretar
suas produções. Por outro lado, concordamos com Giglio (1994) e Kast (1997) quando
afirmam que na interpretação de um símbolo, procura-se decifrar a realidade invisível
que se oculta através do que é perceptível. Apesar da interpretação, os significados a
ele implícitos nunca se esgotam, pois quando seu significado é completamente
decifrado, ocorre à morte do símbolo.
7.3.3. Cor e sentimentos de Mario
Para esta sessão houve primeiro, o relaxamento. Foi solicitado ao participante
que fechasse os olhos imaginando que se transformava em uma de nuvem de chuva,
ouvindo os sons de chuvisco, chuva, e chuva mais forte. Posteriormente foi solicitado o
inverso para o término da chuva, e por fim, o participante voltava a ser ele mesmo.
Em seguida solicitou-se que Mario escrevesse palavras ou frases sobre os
sentimentos que emergiram durante o relaxamento.
Mario não soube o que escrever, em principio, e então desenhou uma nuvem
com alguns pingos de chuva, e virando a folha escreveu o que foi pedido para fazer:
escrever sobre o que sentiu ao fazer o relaxamento. Mas Mario, na verdade, não soube
denominar o que estava sentindo naquele momento e então comenta:
70
Mario: eu escrevi sobre o meu estado de tristeza e cansaço, porque fui na escola, fiquei com sono e dormi.. AT: lá na escola? Mario: eu não dormi não!! É que toda vez de manhã eu acordo e fico com sono, daí eu durmo, daí eu fui dormi cansado com uma tristeza no coração! Me sinto sozinho! AT: é verdade? Mario: é verdade!! Sozinho na vida! (ri) AT: Mas o que você acha que poderia estar fazendo para não sentir isso?... Já pensou nisso? Mario: já, mas eu não faço! AT: tudo bem! Mas você já pensou? Mario: já!! AT: e por que não fazer? Mario: porque não dá!! AT: é interessante, pensar nisso. Como que para você não dá para fazer as coisas! È uma maneira de você ir pensando, para fazer dar certo!
Foi então solicitado que expressasse seus sentimentos desenhando com
nanquim no papel canson molhado. Quando ocorre uma representação de forma
irregular, pode ser até um borrão de tinta, o formato da mancha “pode servir para uma
livre associação; é capaz de desencadear um processo associativo (...), chegando
conscientemente aos temas emocionais reprimidos, que os psicólogos chamam de
complexos” (JUNG, 2008b, p. 27, 28). Segundo Jung (2008b),
Na pintura moderna o acaso conecta a composição com a função consciente, tem papel importante, pois dá profundidade à obra de arte, salientando um principio desconhecido, mas ativo, de sentido e de ordem que se manifesta nas coisas como sua “alma secreta”. Na medida em que o consciente vai perdendo o domínio dando espaço ao inconsciente, a obra vai se tornando mais abstrata. (JUNG, 2008b, p. 349)
Figura 12
Cor e sentimentos de Mario
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Nanquim no papel canson molhado Mario: meu Deus do céu!! Vou esfregar mais, ver como fica!!! ....................... AT: Isso!! Vamos ver o que agente consegue ver!! Mario: o sol, uma cabeça... (risos) AT: visto lá de cima!?!(risos) uma cabeça... Mario: aqui é um bicho rosa e a natureza!! ... AT: é o que? Uma nuvem? Mario: hã, hã!! AT: é está parecendo, uma nuvem escura!! Mario: e eu esqueci o nome desse aqui agora!! ...... AT: Não, não é para escrever, e para colocar o que você vê!! Mario:.. E vou por um capacete aqui! AT: Mario, circule o que você viu! Mario: eu vou escrevendo. AT: Não! Circule porque, cada um vê de uma forma, eu por exemplo não consegui ver o que você viu!! E depois que circula, se consegue visualizar melhor!
As imagens produzidas por Mario apresentam a forma oval. Mario relaciona as
manchas coloridas às imagens de capacete, árvore e nuvens (Figura 11), imagens
soltas, que não guardam nenhum vínculo aparente, nenhuma associação.
O capacete é um símbolo de invisibilidade, de invulnerabilidade, de potência,
relaciona-se à proteção da cabeça de impactos externos. Proteger a cabeça é proteger
a sede dos pensamentos, da consciência e da capacidade de decisão.
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A forma oval do capacete remete à anterior representação da família produzida
por Mario (Figura 10) em que esta aparece, igualmente, em forma oval numa situação
de proteção e de isolamento do mundo externo.
Pode-se dizer que o capacete protege os pensamentos, mas também os oculta
(CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009). Nesse sentido, o capacete passa a exprimir
apenas a impotência, a incapacidade de um ser para exprimir-se integralmente. A
invisibilidade de nada mais serviria, a não ser para fugir ao combate espiritual consigo
mesmo (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009, p. 184).
A nuvem em verde escuro, “reveste-se simbolicamente de diversos aspectos,
dos quais os mais importantes dizem respeito à sua natureza confusa e mal definida, à
sua qualidade de instrumento das apoteoses e das epifanias (...)” E como Mario a
colocou como chuvosa, portanto, produtora de chuva, tem relação “com a manifestação
da atividade celeste. Seu simbolismo está ligado a de todas as fontes de fecundidade”
(CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009, p. 648).
A árvore seca, Mario assim a denominou, é verde com nuances amareladas,
portanto, contém energia. Mesmo que ele não admita, existe muita vivacidade nesta
pintura.
A árvore é um tema simbólico mais rico e mais difundido, é considerada universalmente como símbolo das relações que se estabelecem entre o céu e a terra. Por isso tem o sentido de centro, e tanto é assim que, a árvore do Mundo é o sinônimo do Eixo do Mundo (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009, p.84).
A associação da árvore com manifestações divinas encontram-se também nas
tradições cristãs. A árvore, conforme colocado na página 51 remete à questão das
transformações.
7.3.4. Mario conversa com os pais
A consigna desta sessão foi imaginar uma conversa com os pais, ou apenas com
um deles. Mario disse, em princípio, que estava conversando com seu pai; depois disse
que a conversa era com sua mãe. Nesta sessão foi trabalhada a transparência com o
papel celofane, e Mario escolheu o celofane na cor vermelha, “que psicologicamente,
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pode sinalizar uma questão de importância vital, problema, emoções arrebatadoras ou
perigo” (FURTH, 2004, P. 158). Segundo Chevalier e Gheerbrant (2009), o vermelho é
amplamente difundido como alerta e proibição, mas curiosamente também é
representado como um convite à transgressão.
Figura 13
Mario conversa com os pais
Recorte e colagem com papel canson e celofane
AT: tem a ver com o que você pensou? Mario: tem!! ... AT: e por que você colocou o século XXI? Mario: Coloquei porque é a marca do meu tênis. AT: mas tem a ver com o que você estava pensando? Mario ri: tem, eu tava pensando no XXI. AT: ah, sim!! É mesmo...foi na hora que eu falei: reparem como estão vestidos...só que você não reparou na sua mãe, visualizou você mesmo. Mario: olha aí, XXI. AT: é mesmo! Mario: eu queria morar com a minha mãe, só que não dá para morar com ela. AT: por quê? Mario: porque tem meus dois irmãos e se eu for morar com ela, vai mandar o padrasto ir... AT: por que ele não gosta de ficar com você lá? Mario: não, é que ele já tem dois filhos, que é meu irmão também, meio irmão. Aí, a casa lá é pequena. A casa da minha avó é maior. Eu tava pensando, de um dia eu comprar uma casa e ir morar com minha mãe e meus irmãos... AT: mas ás vezes ainda dá, não é?!! ...
74
AT: eu vi os pés da cadeira... não deu para ver uma pessoa aqui... Mas tudo bem! Valeu por você fazer o exercício de paciência.
Desenhou no papel a cadeira com a pessoa sentada, só que, no momento de
recortar, ele deixou a cadeira vazia (Figura 13).
... AT: Então fale um pouco sobre sua representação? Mario: eu escrevi...expressei que eu estava me sentindo...não sei como eu falo! AT: bom! Aqui tem uma cadeira... Mario: a cadeira que eu tava conversando com minha mãe... só que eu botei ela, assim na mente, só que eu tive que reduzir, ela tava aqui em cima... ... Mario: precisava de alguém para conversar! AT: será que foi isso que você quis representar aqui! Porque eu não vi uma pessoa. Mario: não tenho ninguém para conversar!...Só minha consciência, que eu falo com ela, às vezes. AT: mas até que você conseguiu colocar bastante coisa aí! Mario: é! ...
Mario constata que não tem ninguém para conversar. A ausência da mãe é
representada e verbalizada. Em seção anterior, Mario não quis gravar e ficou
conversando. Falou de seu pai, seus avós, mas em nenhum momento falou sobre sua
mãe.
Em relação aos algarismos romanos “XXI”, Mario explicou que indicou o século
vinte e um. Para Vasconcellos e Giglio (2006, p. 205) a produção de “X” e setas podem
indicar oposições, luta e conflito. Essa representação parece remeter ao conflito de
Mario com sua mãe, com sua família de modo geral. Mario necessita ressignificar o
conflito e a dualidade que vive em relação à ausência da mãe.
7.3.5. Categorias temáticas recorrentes que emergiram das produções de Mario
As produções de Mario revelam questões recorrentes. O sentimento de rejeição
provocado pelo abandono da mãe, sua necessidade de proteção e a dificuldade em
expressar a mágoa decorrente dessa separação aparecem em seus trabalhos
relacionados às cores, azul e vermelho e em relação ao conteúdo arquetípico oval.
Sendo o azul uma cor mais imaterial, fria e pura, corresponde às transparências na
natureza, expressando a jornada para o infinito na transformação do real em imaginário.
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(CHEVALIER e GHEERBRANT, 2009). Numa concepção psicanalítica, esta cor indica a
“força do Ego”, estando relacionada às emoções na manifestação do estado de
tranqüilidade (havendo maior controle dos impulsos) até a própria supressão dos
sentimentos (SCHAIE e HEISE, 1964), tal como parece ocorrer com Mario.
Observa-se que na simbologia destas cores, o azul (associado ao branco) se
opõe ao vermelho (associado ao verde) no combate entre o céu e a terra retratado na
iconografia cristã, o que parece representar o conflito provocado pelos sentimentos de
amor e ódio, que Mario pareceu vivenciar na relação com sua família
Nesse sentido, pode-se estabelecer como categorias recorrentes a insegurança
e o conflito.
7.4. CARMEM
Carmem, com 15 anos, cursava o 1ª ano do Ensino Médio por ocasião da
pesquisa. A queixa inicial foi problemas de comportamento. A mãe conta que o pai
queria que Carmem fosse um menino e Carmem faz de tudo para agradar o pai. Só
depois que nasceu sua irmã, que a mãe diz ser muito feminina, Carmem se tornou
rebelde. Segundo sua mãe, o pai costuma agradar a irmã mais nova de Carmem.
7.4.1. Carmem se representa
Na sessão em que a consigna era percepção de si e trabalhando os limites,
Carmem se desenha bem feminina (Figura 14).
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Figura 14
Carmem se representa
Desenho com lápis colorido no papel sulfite
O rosto é a única parte do corpo não colorida por Carmem. Nele, apenas a boca
é ressaltada na cor vermelha. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2009), o vermelho é
amplamente difundido como alerta e proibição, mas curiosamente também é
representado como um convite à transgressão.
Como a cor aparece no desenho para enfatizar algo que está sendo transmitido,
deve-se indagar o porquê Carmem enfatiza apenas a boca, “símbolo da força criadora
(...) também simboliza um grau elevado da palavra (verbum, logos), do sopro (spiritus) e
de consciência, uma capacidade organizadora através da razão” (CHEVALIER e
GHEERBRANT, 2009, p. 133). Apesar de Carmem não falar muito em sessão, iniciou
na arteterapia, por conversar muito em sala de aula e por fazer bagunça junto aos
meninos.
O corpo foi desenhado com as roupas detalhadas: na blusa azul, um círculo
verde no centro. São propriedades simbólicas do círculo a perfeição e a ausência de
distinção ou divisão. Sua imagem evoca equilíbrio, totalidade, integração de diferenças,
interdependência. Sendo um símbolo do self, “o circulo expressa a totalidade da psique”
(JAFFÉ, 2008c, p. 334), demonstrando uma integração com a totalidade. Sem começo
77
nem fim, o círculo indica atividade, movimento cíclico e tem como característica a
tendência à expansão, ao ilimitado. Por isso, é associado à mudança e às idéias de
incorporar, dar e receber. Como expressão de movimento e mudança, o círculo estaria
desalojando a certeza e a rigidez da unilateralidade.
O círculo desenhado por Carmem tem a forma de uma mandala. A expressão
mandala provém da língua sânscrita e significa círculo, ainda que também seja
entendida como “o que contém a essência” ou “ a esfera da essência” ou ainda “o
círculo da essência” (Green, 2005, p. 7). Para Jung (2002b) “no âmbito dos costumes
religiosos e da Psicologia, designa imagens circulares que são desenhadas, pintadas,
configuradas plasticamente” (JUNG, 2002b, pp. 385-387).
Jung (2002b) recorre à imagem da mandala para designar uma representação
simbólica da psique, cuja essência nos é desconhecida. Observou que essas imagens
são utilizadas para consolidar o mundo interior e para favorecer a meditação em
profundidade. Jung ainda sinaliza que a mandala pode aparecer em estados de
dissociação psíquica ou de desorientação. E, quando existe um estado psíquico de
desorientação, devido à irrupção de conteúdos incompreensíveis do inconsciente,
observa-se tal imagem circular, a qual compensa a desordem e a perturbação do
estado psíquico: “Trata-se evidentemente, de uma „tentativa de autocura da natureza‟”
(Jung, 2002b, p. 385).
Carmem também desenha uma flor na mão. Segundo Furth (2008, p.119),
(...) qualquer instrumento desenhado nas mãos de uma figura, qualquer coisa que permita que o indivíduo exerça maior controle sobre o ambiente. Essa extensão significa ou que a pessoa se vê como tendo controle ou que ela deseja exercer um controle maior (complementar-compensatório), e ela pode ter sucesso ou não nesse intento. (FURTH, 2006, p. 119).
Da mesma forma, a flor é uma mandala que Jung reconheceu como uma das
principais imagens do Arquétipo Central. Esta produção de Carmem sugere a busca de
controle sobre si (mandala) e sobre o ambiente (flor na mão), aspectos que podem ser
confirmados pela postura durante as sessões arteterapêuticas. Nessas ocasiões,
Carmem parecia mobilizar suas defesas construindo barreiras de forma a dificultar a
expressão de experiências subjetivas que não desejava que transparecesse para as
pessoas.
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7.4.2. Representando a família
Nesta sessão foi trabalhada, com massa de modelar, a representação da família.
Carmem descreve sua família como sendo feliz. Ela escreve: minha família reunida e
feliz, todos de mãos dadas.
Figura 15
A Família de Carmem
Massa de modelar colorida
Para Carmem, a família parece representar a harmonia e a união. Pode-se
pensar que a produção e a verbalização a ela associada, mais do que uma imagem
arquetípica, representam o estereótipo de família. Os estereótipos são as imagens e
contatos estabelecidos com os elementos que existem à volta no decorrer da vida
diária. São os modelos sociais imitados por representarem aquilo a que a sociedade
almeja como um todo.
O arquétipo é o padrão matriz de todas as imagens, símbolos e possibilidades
existenciais positivas e negativas, criativas ou defensivas, construtivas ou destrutivas de
uma determinada dimensão existencial. O estereótipo é apenas uma pequena parte de
um arquétipo, que se apresenta de uma determinada maneira idealizada ou denegrida
na tradição cultural.
79
Dessa forma, ao representar simbolicamente uma família, assumindo o
estereótipo de família unida e feliz, Carmem levanta barreiras, evitando entrar em
contato com experiências subjetivas relacionadas ao convívio familiar. Essa atitude
pode colaborar para a formação de patologias, em decorrência da impossibilidade de
pensamento e simbolização, processos esses potencializadores da saúde.
7.4.3. Cor e sentimentos de Carmem
Nesta sessão buscou-se trabalhar a percepção do meio e de si. A consigna
desta sessão era fazer um desenho ao acaso, usando nanquim no papel canson
molhado.
Figura 16
Cor e sentimentos de Carmem
Nanquim no papel canson molhado
Carmem: parece um super Herói!! ......
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Carmem: aqui ele está voando. AT: onde ele está voando? Carmem: eu acho, que aqui ele está voando. .............. AT: é mesmo? um tronco? Carmem: não,........ ............. AT: o que a Carmem trouxe? Carmem: eu, um super-herói um tronco e um caranguejo. AT: dá para você analisar, o que é para você um super-herói, Carmem: salva o mundo. ..............
Carmem, em princípio, disse que conseguiu visualizar um super-herói, para
salvar o mundo. No âmbito da Psicologia Analítica, a aproximação dessa imagem
remete ao arquétipo do herói, motivador do processo de desenvolvimento da
consciência.
O herói é o precursor arquetípico da humanidade em geral. O seu destino é o modelo que deve ser seguido e que, na humanidade, sempre o foi e, na verdade, com atrasos e intervalos, mas o suficiente para que os estágios do mito heróico façam parte dos constituintes do desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo (Neumann, 2003, p. 107).
Carmem, nesta sessão, ficou mais relaxada, sem trazer suas defesas, que todas
as sessões deixavam-na em alerta, parecendo não permitir que nada emergisse sobre
ela. Nesta sessão, deixa emergir o seu inconsciente, obscuro e ao mesmo tempo
iluminado, tornando-se mais relaxada ao lidar com os materiais, mais dinâmica, mais
interessada no processo de manipulação e transformação dos materiais.
Em princípio, havia visualizado um super-herói que salvaria o mundo. Isto
lembra o conceito “de sombra que projetada pela mente consciente do indivíduo contém
os aspectos ocultos (...) de sua personalidade” (HENDERSEN, 2008c, p.154).
A partir do estudo da teoria elaborada por Campbell (2007) sobre o mito do herói,
podem-se notar as várias etapas da trajetória mítica do herói, trajetória que é marcada
por complicações, provações e lições que o herói deve empreender para que possa
atingir seu desenvolvimento interior (a individuação de Jung).
Para Campbell (2007), o herói deve realizar duas grandes tarefas: na primeira,
ele se retira do mundo cotidiano para iniciar uma jornada pelo desconhecido, saindo do
mundo externo para o mundo interno.
81
A primeira tarefa do herói consiste em retirar-se da cena mundana dos efeitos secundários e iniciar uma jornada pelas regiões causais da psique, onde residem efetivamente as dificuldades, para torná-las claras, erradicá-las em favor de si mesmo (isto é, combater os demônios infantis de sua cultura local) e penetrar no domínio da experiência e da assimilação direta e sem distorções, daquilo que C. G. Jung denominou “imagens arquetípicas. (CAMPBELL, 2007, p. 27).
Realizada a primeira tarefa, o herói “deve retornar ao nosso meio, transfigurado,
e ensinar a lição de vida renovada que aprendeu” (Campbell, 2007, p. 28). A aventura
do herói é, antes de qualquer coisa, uma tarefa de autodescoberta e de
autodesenvolvimento.
No mito do herói existe uma batalha do ego contra o inconsciente.
No decorrer do desenvolvimento da consciência individual, a figura do herói é o meio simbólico pelo qual o ego emergente vence a inércia do inconsciente. (...) A batalha entre o herói e o dragão é a forma mais encontrada desse mito e mostra claramente o tema arquetípico do triunfo do ego sobre as tendências regressivas. (...) Porém, para que o ego triunfe, precisa antes subjugar e assimilar a sombra. Para a maioria das pessoas o lado escuro e negativo de sua personalidade permanece inconsciente. (HENDERSEN, 2008c, p. 155).
Carmem parece travar esta batalha, reservadamente, no seu interior. Pode-se
notar que a aventura do herói nada mais é do que o processo de individuação, conceito
central da teoria junguiana e que representa a própria finalidade da vida; um processo
de profundo autoconhecimento, no qual nos confrontamos com velhos medos e
conteúdos desconhecidos.
7.4.4. Categorias temáticas recorrentes que emergiram das produções de Carmem
O processo psicoterapêutico aqui descrito mostra a trajetória de uma participante
que traz como categoria temática recorrente o conflito. Apresentou dificuldades no
estabelecimento de vínculo psicoterapêutico positivo bem como resistência de entrar
em contato com aspectos de sua psique através da projeção de seu mundo imagético.
A questão do conflito pode estar relacionada à adolescência, fase atual da vida
de Carmem. Por outro lado, também parece vinculada à dificuldade da participante de
entrar em contato com sua subjetividade, revelando-a para as pessoas com as quais
82
convive. De encontro a esta dificuldade de expressão, a Arteterapia parece ameaçá-la,
uma vez que existe uma comunicação não-verbal que permeia todo o processo
arteterapêutico.
83
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou realizar uma análise compreensiva do processo de
intervenção arteterapêutica com adolescentes que apresentavam problemas
psicológicos e transtornos de conduta.
A importância deste estudo esteve relacionada à necessidade de ampliação e
desenvolvimento de subsídios teóricos e práticos que melhor fundamentem a eficácia
da arteterapia como instrumento de diagnóstico psicodinâmico, voltado à imagética
mental com sua atividade representacional e como estratégia psicoterapêutica, voltada
para o cuidado e para a promoção da saúde mental do adolescente.
A discussão teórica fez referência à condição do adolescente na
contemporaneidade, à constituição da arteterapia como campo de atuação e à
Psicologia Analítica como base teórica.
Na análise dos dados foram identificadas as categorias temáticas recorrentes
que emergiram durante as sessões registradas neste estudo. As categorias temáticas
recorrentes, presentes nas produções artísticas dos participantes, ofereceram indícios
importantes para uma compreensão mais ampla do psiquismo destes indivíduos,
indicando também aspectos relacionados às transformações psicodinâmicas.
Os resultados indicam que a transformação e o conflito surgem como
características da evolução psicodinâmica durante o processo arteterapêutico,
indicando a importância da assimilação de seu significado ao plano da consciência.
Observou-se, que cada participante lidou livremente com o material, de maneira
peculiar, explorando o mundo externo e, principalmente, expressando seu mundo
interno e, conseqüentemente, comunicando seus sentimentos, idéias e fantasias ao
construírem seus produtos. Percebeu-se que, nas sessões arteterapêuticas, os
participantes deixavam sua marca individual em cada produção. Nesse sentido, a
expressão artística realizada durante o processo psicoterapêutico instituiu a linguagem
simbólica como via de expressão e comunicação entre participante e arteterapeuta.
Os achados deste estudo mostraram que o processo criativo facilitou a
expressão simbólica e a ordenação de experiências dolorosas prévias, uma vez que a
objetivação do mundo imagético por meio da arteterapia favoreceu a aproximação dos
84
participantes com os conteúdos projetados nas produções. Assim, os aspectos
inconscientes que podem conter elementos mobilizadores de angústia tais como
conteúdos ligados às perdas, às limitações e ao abandono, puderam ser aos poucos
externalizados durante as sessões, sendo gradualmente ressignificados. Para isso, a
verbalização e a tentativa de relacionar o conteúdo projetado as histórias de vida dos
participantes parecem ter contribuído de forma significativa.
Conclui-se considerando que a arteterapia pôde ser um instrumento facilitador do
processo terapêutico na medida em que diminuiu resistências e favoreceu a livre
expressão. Como possibilidade de novos estudos, sugere-se a aplicação de novas
técnicas artísticas de forma a ampliar as contribuições da arteterapia para a saúde
mental dos adolescentes.
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