Proteção
Os Dispositivos de Proteção contra
Surtos (DPS) são dispositivos elétricos com a
finalidade de proteger instalações elétricas e os
equipamentos alimentados por elas contra surtos
de tensão e corrente, causados por descargas
atmosféricas ou chaveamentos internos.
Os DPSs são parte das medidas necessárias
para a proteção de uma estrutura contra os
efeitos de uma descarga atmosférica e eles
deverão estar em toda instalação elétrica de baixa
tensão. Por este motivo as informações sobre a
utilização dos DPSs estão contidas nas normas
brasileiras ABNT NBR 5410-2004 e ABNT NBR
5419-2005, e as suas características são tratadas
na ABNT NBR / IEC 61643-1- 2005.
Os DPSs são divididos, de acordo com a sua
aplicação, em três tipos – I, II e III – sendo instalados
76 O Setor Elétrico / Outubro de 2012
Por Sérgio Roberto Santos*
Dispositivos de Proteção contra Surtos (DPS)
Zonas de proteção contra raios, características e aplicações do dps do tipo i
a partir da sua origem até os equipamentos que
se deseja proteger. Para o projeto de um sistema
de proteção contra surtos, é preciso conhecer as
características necessárias para cada tipo de DPS.
Este artigo não discorre sobre os três tipos de
DPSs existentes ou faz uma comparação entre
eles, mas trata dos principais aspectos e detalhes
do DPS do tipo I.
Zonas de proteção contra raios Para se especificar corretamente um
Dispositivo de Proteção contra Surtos (DPS), é
preciso utilizar o conceito de Zonas de Proteção
contra Raios (ZPR) – ver Figura 1.
ZPRs são regiões eletromagneticamente
definidas (Figura 2) que possibilitam determinar o
valor do campo eletromagnético no seu interior
criado por descargas atmosféricas. Desta forma é
possível definir valores máximos de tensões e de
correntes induzidas em cada uma destas zonas.
O valor do campo eletromagnético criado
pela descarga atmosférica se reduz ao passarmos
de uma ZPR para outra de índice superior, pois
na fronteira entre as ZPRs existem estruturas
metálicas interligadas e equipotencializadas que
formam uma blindagem, natural ou proposital,
entre estes ambientes. Um equipamento
está cada vez mais protegido quanto mais
“internamente” ele se encontrar dentro das
respectivas ZPRs.
Existem basicamente cinco ZPRs: ZPR0A,
ZPR0B, ZPR1, ZPR2 e ZPR3. Partindo de fora
para dentro em uma edificação, a intensidade da
indução da corrente da descarga atmosférica em
77O Setor Elétrico / Outubro de 2012
um condutor é máxima nas ZPR0A e ZPR0B, se
reduz na ZPR1, é mínima na ZPR2 e desprezível
na ZPR3. O que diferencia as ZPR 0A e 0B é o
fato de na primeira um objeto ou pessoa poder
ser atingido por uma descarga atmosférica
direta, enquanto na segunda esta possibilidade é
reduzida, pois esta zona está dentro do volume
de proteção de um Sistema de Proteção contra
Descargas Atmosféricas (SPDA).
O que define a fronteira entre as ZPRs é
a própria estrutura que constrói o ambiente,
sejam as ferragens das paredes externas de uma
edificação ou as internas de um apartamento ou
sala, até chegar à caixa metálica de um painel.
Desde que interligadas e aterradas, as ferragens
de um prédio, por exemplo, constituem uma
Zonas de proteção contra raios
ZPR0A
ZPR0B
Transição ZPR0B – ZPR1 → DPS Tipo I
ZPR1
Transição ZPR1 – ZPR2 → DPS Tipo II
ZPR2
Transição ZPR2 – ZPR3 → DPS Tipo II
ZPR3
características
Zona externa à edificação. Local passível de ser
atingido por uma descarga atmosférica direta. Não
existe nenhuma blindagem contra interferências
causadas por pulsos eletromagnéticos criados por
descargas atmosféricas.
Zona sob a influência de um SPDA externo, mas
ainda sem a proteção de uma blindagem.
Zona interna à edificação. A energia das descargas
atmosféricas é relativamente baixa.
Zona interna à edificação. Somente podem aparecer
pequenos surtos.
Zona interna à edificação (ou o interior de um
armário metálico). Nenhuma corrente induzida
em seu interior (causada por uma descarga) ou
existência de surtos de tensão.
blindagem metálica que define o que chamamos
de fronteiras entre zonas (ZPR).
Os DPSs são utilizados justamente na
transição de uma ZPR para outra, de modo a
impedir que uma corrente seja conduzida entre
dois ambientes, já que a própria blindagem entre
as ZPRs limita as tensões e correntes induzidas.
A partir da proteção criada pela aplicação
das ZPRs, resta então voltar para a utilização dos
DPSs a fim de impedir que correntes elevadas,
criadas por descargas atmosféricas, atinjam os
equipamentos por meio de condutores que
passem de uma ZPR para outra.
Para podermos aplicar estes conceitos na
prática, é preciso especificar os DPSs dos tipos I,
II e III.
Figura 1 – Zonas de Proteção contra Raios (ZPR).
Figura 2 – Zonas de Proteção contra Raios (ZPR).
Proteção 78 O Setor Elétrico / Outubro de 2012
Características do DPS tipo I Os DPSs do tipo I protegem toda a instalação
contra os efeitos de uma descarga atmosférica
direta na edificação, na rede de distribuição da
concessionária ou no aterramento da instalação.
Este tipo de DPS tem o objetivo de realizar
a equalização de potenciais entre os condutores
normalmente energizados, que entram em uma
edificação e a barra de equipotencialização
principal.
Dessa forma, os DPSs do tipo I realizarão
a equipotencialização principal dos condutores
normalmente energizados, já que os outros
condutores (tubulações de gás ou agua, etc.)
serão ligados diretamente ao barramento de
equipotencialização principal.
Devido à sua aplicação, o DPS tipo I deve ser
projetado, construído e ensaiado para conduzir
uma parcela da própria corrente da descarga
atmosférica e, por isso, deve ter uma capacidade
de energia superior aos DPSs tipos II e III quando
aplicados na mesma edificação.
A especificação completa de um DPS,
independentemente do seu tipo, deve conter
principalmente sua capacidade de corrente e
seu nível de proteção. Estas características em
conjunto definirão o comportamento do DPS
quando ele atuar para desviar as correntes
de surto diretamente para o sistema de
aterramento.
Ao contrário dos outros dois tipos de DPSs,
os do tipo I são ensaiados em laboratório com a
aplicação de uma corrente com a forma de onda
10/350 µS (Figura 3). Esta corrente é denominada
corrente de impulso e diferencia-se de outras
correntes conduzidas pelos DPSs tipo II e III por
ser uma parcela da própria corrente da descarga
atmosférica e não de uma corrente, total ou
parcial, induzida por ela.
Mais importante do que definir a intensidade
da corrente que o DPS deve conduzir é especificar
o período em que esta corrente deve ser
conduzida. Os DPSs tipo I conduzem a corrente
de impulso por um período significativamente
maior do que os dos tipos II e III conduzem a
corrente de surto. Por este motivo os DPS tipo I
são muitas vezes chamados de “descarregadores
de corrente de raio”, enquanto os DPSs tipo
II e III são considerados “protetores contra
sobretensão”.
Enquanto um DPS ideal deveria ter uma
capacidade de condução de corrente infinita e
um nível de proteção igual a zero, um DPS real
com suas limitações tecnológicas, que se refletem
no custo do dispositivo, deve apresentar os
seguintes valores máximos: Iimp = 50 KA (10/350
µS) e Up ≤ 4 KV.
A corrente máxima para um DPS tipo I é
estabelecida levando-se em consideração uma
corrente máxima para o projeto de um SPDA de
200 KA, corrente esta que se divide em 50% da
corrente, conduzidos diretamente para o sistema
de aterramento e 50% também conduzidos para
o sistema de aterramento (Figura 4), mas por
meio dos condutores internos da edificação
atingida pela descarga.
Considerando-se o pior caso em que
a instalação é alimentada por apenas dois
condutores de energia e nenhum condutor de
sinal ou serviço (água, esgoto, gás, etc.), a parcela
da corrente entrando na edificação, 100 KA (50%
de 200 KA da corrente total), divide-se em dois
condutores, cada um conduzindo 50 KA, que
será a corrente conduzida para o sistema de
aterramento pelo DPS tipo I.
As considerações feitas anteriormente no
tocante aos valores máximos de corrente que
os DPSs tipo I devem conduzir são objeto de
inúmeras controvérsias entre os profissionais
envolvidos na área de proteção contra surtos,
principalmente entre fabricantes de DPS, dentro
e fora do Brasil. Atualmente, o maior consenso
existente aponta para a utilização dos critérios
supracitados. Esta filosofia está consagrada
nas normas técnicas de diversos países,
principalmente aqueles que utilizam normas IEC,
que consideram como um parâmetro razoável
utilizar estes valores para estimativa da corrente
máxima na especificação de um DPS tipo I.
Já o nível de proteção de um DPS tipo I, ou
a máxima tensão que deve aparecer em seus
terminais durante a condução da corrente de
surto, deverá ser aquele que os componentes
da instalação, equipamentos eletroeletrônicos
incluídos, devem suportar no exato ponto em
que os DPSs tipo I são instalados. Neste caso
a tensão máxima nos terminais de um DPS
tipo I não poderá ultrapassar 4 KV (pulso de
tensão com a forma de onda 1,2/50 µS), sendo
benéficos –mas não indispensáveis – valores de
tensão menores que 4 KV. Este valor máximo
não é uma decisão do fabricante, mas sim um
valor determinado em normas, como na própria
ABNT NBR 5410-2004.
Quando é necessária a instalação de DPSs
tipos I e II no mesmo quadro ou quando a
distância dos condutores entre estes DPSs for
inferior à distância de coordenação informada
pelo fabricante, é fundamental a utilização de
DPSs tipo I especiais, com menor nível de
Proteção 80 O Setor Elétrico / Outubro de 2012
proteção, para permitir a coordenação entre as
atuações dos DPSs tipo I e II.
Por conta das suas características intrínsecas,
a utilização de diversas formas de centelhadores
(Figura 5) foi privilegiada na construção de DPSs
tipo I, a ponto de se considerar centelhador
sinônimo de DPS tipo I, o que nunca correspondeu
à realidade.
Existem no mercado DPSs tipo I fabricados
à base de varistores e ainda é possível, mas não
é comum, a utilização de diodos supressores na
fabricação deste tipo de DPS.
Supressores de óxido metálico e de
varistores apresentam um grande volume quando
comparados a centelhadores para a mesma
intensidade de corrente. Por isso, os DPSs para
correntes acima de 10 KA (10/350 µS) são
fabricados principalmente com a utilização de
centelhadores.
Pela sua utilização em quadros de entrada, em
que o nível de curto-circuito é o mais elevado, um
ponto importante a observar no comportamento
de um DPS tipo I é a sua capacidade de
interromper as correntes que se seguem ao
surto, sejam elas as correntes de regime (60 Hz),
sejam correntes de curto-circuito.
Existem muitas soluções no mercado
que ainda utilizam o arco de um “gap” aberto
para interromper as correntes de seguimento.
As tecnologias mais modernas utilizam
centelhadores com placas de carbono ou
circuitos eletrônicos de disparo para garantir
menores níveis de proteção e a interrupção das
correntes de seguimento.
O que definirá se um DPS será tipo
I, II, III ou até mesmo se será classificado
simultaneamente em dois tipos, DPS tipo I +
II (Figura 6), será a série de ensaios que será
aplicada a eles para confirmar se o seu projeto,
desenvolvimento e concepção atenderam aos
requisitos definidos em norma, permitindo a
instalação destes DPSs na fronteira entre as
ZPRs OA e I.
Conclusão Os dispositivos de proteção contra surtos
que conduzem uma parcela da própria corrente
da descarga atmosférica para o sistema de
aterramento são classificados como DPS tipo
I. Estes DPSs têm características especiais,
principalmente com relação à sua onda de
ensaio, que devem ser observadas no projeto
de um sistema de proteção contra descargas
atmosféricas para que este dispositivo cumpra a
sua função.
Figura 3 – Formas de ondas características para ensaio de DPSs.
Figura 4 – Divisão da corrente de uma descarga atmosférica.
Figura 5 – DPS Tipo I – Centelhador. Figura 6 – DPS Tipo I + II – Varistor de óxido de zinco.
Glossáriocapacidade de curto-circuito – DPSs devem
conduzir correntes de curto-circuito até que elas
sejam interrompidas pelo próprio DPS ou por um
dispositivo de proteção contra sobrecorrentes
internas ou externas.
corrente de impulso (iimp) – Uma corrente
O Setor Elétrico / Outubro de 2012
padronizada na forma de onda 10/350 µS referente
a um impulso de corrente. Seus parâmetros são:
valor de pico, carga, energia específica. Ela simula
o “stress” causado pela corrente do próprio raio.
O DPS tipo I deve ter a capacidade de desviar
estas correntes determinadas vezes sem se
destruir.
corrente de seguimento (if) – A corrente de
seguimento é a corrente conduzida pelo DPS
após uma descarga, cuja fonte é a rede elétrica
à qual o DPS está conectado. A corrente de
seguimento é diferente da corrente nominal do
sistema e depende das impedâncias existentes
no circuito. A corrente de seguimento é
diferente da corrente nominal do sistema
e depende das impedâncias existentes no
circuito.
corrente nominal de descarga (in) – Valores
de pico da corrente conduzida por um DPS com
a forma de onda 8/20µS. Essa corrente é usada
para ensaio dos DPSs tipo II e III.
dps tipo i – DPS cujo projeto o possibilita
desviar correntes de impulso causadas por
descargas atmosféricas diretas na instalação.
dps tipo ii – DPS cujo projeto o possibilita
desviar correntes de surto causadas por
descargas atmosféricas indiretas ou surtos de
manobra.
dps tipo iii – DPS cujo projeto o possibilita
desviar correntes de surto causadas por eventos
internos à instalação, incluindo a atuação de DPSs
tipo I e II.
ligação equipotencial – Uma conexão elétrica
de baixa impedância que une partes metálicas de
uma instalação, incluindo condutores externos à
edificação, eliminando ou reduzindo a diferença de
potencial entre elas.
ligação equipotencial para proteção contra
descargas atmosféricas – Medida essencial
para minimizar os perigos de fogo e explosão
em cômodos ou edifícios a serem protegidos.
Esta ligação é obtida por meio de condutores
de equipotencialização ou DPSs que são
conectados ao SPDA externo da edificação,
unindo o SPDA, a estrutura metálica do prédio
ou cômodo e os condutores de energia ou
sinal que entram ou saem da edificação.
nível de proteção (up) – O mais alto valor de
tensão atingido nos terminais de um DPS antes
que ele atue.
tempo de resposta (tr) – O tempo de resposta
caracteriza o tempo necessário para o elemento
de proteção usado no DPS começar a atuar. O
tempo de resposta pode variar dentro de certos
limites dependendo da inclinação da função dv/dt
do surto de tensão ou di/dt do surto de corrente.
tensão nominal (vn) – A tensão nominal é a
tensão para qual um dispositivo é projetado. Ela
pode ser a tensão DC ou o valor RMS de uma
tensão alternada senoidal.
tensão residual (vr) – O valor de pico da
tensão residual que aparece nos terminais do
DPS durante a condução da corrente de surto.
Zona de proteção contra raios (Zpr) – O termo
zona de proteção contra raios refere-se àquelas
áreas na qual o ambiente eletromagnético causado
pelo raio pode ser definido e controlado.
Referências• ABNT NBR 5410-2004 – Instalações elétricas de
baixa tensão. ABNT – Associação Brasileira de Normas
Técnicas.
• ABNT NBR 5419-2005 – Proteção de estruturas
contra descargas atmosféricas. ABNT –Associação
Brasileira de Normas Técnicas.
• ABNT NBR IEC 61643-1:2007 – Dispositivos
de proteção contra surtos em baixa tensão. Parte
1: Dispositivos de proteção conectados a sistemas
de distribuição de energia de baixa tensão. ABNT
– Associação Brasileira de Normas Técnicas.
• SANTOS, S. R. S. Os dispositivos de proteção contra
surtos. Portal Abracopel. Disponível em: <http://www.
abracopel.org.br>.
• SANTOS, S. R. S. Zonas de proteção contra raios. Portal
Abracopel. Disponível em: <http://www.abracopel.org.br>.
• SANTOS, S. R. S. Especificação de um dispositivo
de proteção contra surtos (DPS). Portal Abracopel.
Disponível em: <http://www.abracopel.org.br>.
• SANTOS, S. R. S. Segurança e confiabilidade em
sistemas fotovoltaicos. Revista O Setor Elétrico. São
Paulo, p. 96 - 99, 30 nov. 2011.
• TBS, Dispositivos de Proteção contra Sobretensões –
DPS; OBO Bettermann.
*Sérgio Roberto Santos é engenheiro eletricista especializado em proteção de equipamentos eletrônicos contra surtos de tensão. Atualmente é gerente de vendas na OBO Bettermann do Brasil Ltda.