Aula 12 - O mundo afroeurasiano.
Formação do Sistema Internacional
Módulo II: A grande divergência
O mundo africano no século XIX
Texto base:
AJAYI. A. (2010) “A África no início do século XIX: problemas e
perspectivas”, p. 1-26, in: AJAYI. A. (2010).
Leituras complementares:
WALLERSTEIN, I. (2010) “A África e a economia-mundo”, p. 27-46,
in: AJAYI. A. (2010).
MARX, K. e ENGELS, F. (2016). “Sobre a China.”. Centelha Cultural. (pgs 109-125)
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O mundo africano no século XIX
• Nas primeiras aulas do curso, vimos que nos
séculos anteriores à formação do capitalismo
histórico e à ascensão europeia, o comércio
de longa distância ligava de modo mais ou
menos frouxo as dinâmicas econômicas,
políticas e culturais de grande parte do mundo
afroeurasiano.
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O mundo africano no século XIX
• A África, e em especial o Magreb (norte da África),
eram importantes pontos de passagem de rotas
comerciais terrestres e marítimas que ligavam a Ásia
e o Oriente Médio à Europa do norte e do oeste.
• Além de sua posição geográfica, a expansão do
islamismo sobre a África saariana nos séculos VII ao
X e sobre a África subsaariana e oriental nos séculos
XI ao XV foi outro fator a conectar a África aos
sistemas-mundo eurasianos.
Extensão do domínio islâmico, c. 1500
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Abu-Lughod, principais circuitos comerciais, 1250-1350
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Rotas das caravanas africanas, África saarianae sahel
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O mundo africano no século XIX
• Como vimos, pode-se falar em dois momentos de
formação do capitalismo histórico: o período
mediterrâneo e o período atlântico.
• A África participou intensa e ativamente dos dois
períodos.
• Não só o comércio de longa distância, mas também o
tráfico escravista africano foram partes fundamentais
da formação do capitalismo histórico, em especial em
sua fase colonial.
• “Nenhuma sociedade ou economia poderia ter
escapado do traumatismo e do desalento geralmente
causados pelas consideráveis perdas demográficas
acarretadas pelo tráfico de escravos e as guerras
correlatas. O tráfico parece fornecer a melhor
explicação pelo fato de a África, entre todos os
continentes, ter tido as mais instáveis e frágeis
estruturas políticas e econômicas do século XIX.”
(Ajayi 2010: 6) 10
O mundo africano no século XIX
Tráfico de escravos africanos
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Tráfico de escravos africanos
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• No século XIX, o interesse europeu (e também,
em menor grau, estadunidense) pela África
deixaria de ser por pessoas escravizadas e
passaria a visar o controle de territórios africanos
e suas populações para integrá-los à
economia-mundo capitalista como fornecedores
de matérias-primas e consumidores dos produtos
das revoluções industriais.
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O mundo africano no século XIX
• Na segunda metade do século XIX, as potências
europeias dividiriam seus esforços na corrida
imperialista entre a África e a Ásia.
• Não devemos, no entanto, pensar na história da
África no século XIX exclusivamente por suas
relações com o mundo exterior. Suas dinâmicas
internas, ao menos até 1850, foram os fatores
definidores de sua forma de inserção na
economia-mundo. 14
O mundo africano no século XIX
• A pergunta fundamental portanto é:
• “em que medida devemos considerar a presença dos
europeus como “uma condição prévia e necessária ao
desenvolvimento técnico, cultural e moral das
sociedades africanas”, ou, pelo contrário, como a
principal causa de subdesenvolvimento da África.”
(Ayaji: 2010. p.3)
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O mundo africano no século XIX
• A coleção História Geral da África, da Unesco, é um
marco na compreensão da história da África a partir
de pontos de vista dos africanos.
• Iniciada nos anos 1960, a coleção ofereceu a
primeira versão africana completa da história da
África, até então quase apenas obra de homens
brancos europeus ou norte-americanos.
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Coleção História Geral da África da UNESCO
• Volume I: Metodologia e pré-história da África (Editor J. Ki-Zerbo)
• Volume II: África antiga (Editor G. Mokhtar)
• Volume III: África do século VII ao XI (Editor M. El Fasi; Editor Assistente I.
Hrbek)
• Volume IV: África do século XII ao XVI (Editor D. T. Niane)
• Volume V: África do século XVI ao XVIII (Editor B. A. Ogot)
• Volume VI: África do século XIX à década de 1880 (Editor J. F. A. Ajayi)
• Volume VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 (Editor A. A. Boahen)
• Volume VIII: África desde 1935 (Editor A. A. Mazrui; Editor Assistente C.
Wondji)
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Coleção História Geral da África da UNESCO
História Geral da África, vol. 8
• “Durante muito tempo, mitos e preconceitos
de toda espécie esconderam do mundo a real
história da África. As sociedades africanas
passavam por sociedades que não podiam ter
história.” (Prefácio, M. Amadou‑Mahtar
M’Bow)
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• “É importante estudar aqui em que medida as
mudanças do século XIX prolongariam as do
século XVIII, e em que medida novos fatores,
ligados à intensificação da atividade dos
europeus e à crescente integração da África ao
sistema econômico mundial, poderiam
explicá-las.” (Ajayi 2010: 2)
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África no início do século XIX: problemas e perspectivas (Ajayi)
• “A partir do momento em que se admitiu o fato de as
mudanças ocorridas na África não remontarem à época
colonial, despertou-se um considerável interesse no que
concerne ao século que precede à colonização. Os
historiadores consagraram vários trabalhos aos
acontecimentos revolucionários do século XIX, tais
como as reformas de Muhammad ‘Ali no Egito, a
reunificação da Etiópia sob os imperadores Tewodros e
Menelik, o Mfecane dos Estados sotho-nguni na África
Central e Austral, ou as jihad da África Ocidental.” (Ajayi
2010: 1)20
África no início do século XIX: problemas e perspectivas (Ajayi)
• Deve-se evitar “(...) a tendência para explicar,
exageradamente ou exclusivamente, as
mudanças ocorridas na África durante o
‘século pré-colonial’ em função da
intensificação da atividade dos europeus
(...).” (Ajayi 2010: 2)
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África no início do século XIX: problemas e perspectivas
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África no início do século XIX: problemas e perspectivas
África no início do século XIX: problemas e perspectivas
• No século XIX, “há um elemento do qual temos
certeza: os europeus mostraram, então, pela África
um crescente interesse, cuja importância como fator
de mudança na história da África foi certamente
exagerada. (...) Convém não exagerar, nem a
potência dos europeus na África no início do século
XIX, nem o ritmo com o qual adquiriram ‘posses’ ou
penetraram no interior do continente antes de 1850.”
(Ajayi 2010: 7-8)23
• “É preciso lembrar que os europeus e os americanos
chegavam à África pelo mar, concentrando–se assim
nas costas. Penetraram pouco no interior do
continente antes de 1850, enquanto os principais
acontecimentos do início do século XIX na África,
tais como o Renascimento Etíope, o Mfecane ou as
jihad da África Ocidental, surgiram todos, com
exceção da reforma de Muhammad ‘Ali, no interior
do continente.” (Ajayi 2010: 9)24
África no início do século XIX: problemas e perspectivas
• “Convém destacar o fato de, no início do século XIX,
a economia de todas as comunidades africanas
fundar-se na produção de alimentos por meio de
uma ou mais atividades: cultivo do solo, criação de
animais, pesca e caça. Todas as outras atividades –
comércio, política, religião, produção artesanal e
industrial, construção, exploração de minas – eram
secundárias em relação à agricultura, e sem esta,
não poderiam ter existido.” (Ajayi 2010: 12)25
África no início do século XIX: problemas e perspectivas
• A ideia de “Economias de subsistência” de
comunidades isoladas eram pura concepção
ideológica;
• No início do século XIX não existiam
comunidades independentes.
• Havia uma trajetória de desenvolvimento
interno, relativamente próspero.26
África no início do século XIX: problemas e perspectivas
• “a história da África no século XIX não se reduz à maneira pela qual o continente enfrentou as flutuações da economia mundial; trata-se também da história da lenta diversificação dos recursos naturais explorados pelos africanos” (Ayaji: 2010, p. 17)
27
África no início do século XIX: problemas e perspectivas
“
• No início do século XIX, as tradições herdadas do
século XVIII e as mudanças próprias à África tiveram
muito mais importância do que as mudanças vindas
de fora. (Ajayi 2010: 26)
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África no início do século XIX: problemas e perspectivas
Contudo, uma vez mais é preciso frisar que o comércio praticado no século XIX era o prolongamento do que existia antes; que os homens que o inauguraram e as estruturas que o sustentaram eram os mesmos da época do tráfico negreiro; que esse comércio se baseava, em grande medida, no tráfico interno e no trabalho dos escravos; e, portanto, nos sistemas políticos, na rede de rotas comerciais, nas relações sociais e econômicas e, antes de tudo, no sistema de produção agrícola preexistentes
A África e a economia-mundo
• “A grande transformação das relações econômicas da
África com o resto do mundo não foi o produto da
partilha do continente no fim do século XIX. Ao contrário,
a partilha da África foi uma consequência da
transformação das relações econômicas desse
continente com o resto do mundo...(Wallerstein 2010:
27)
30
Wallerstein (2010) A África e a economia -mundo
• “Há tempos, vastas regiões da África encontravam-se
sulcadas por rotas comerciais que se prolongavam
frequentemente para além do continente, atravessando o
Oceano Índico, o Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. Podemos
dizer que estas relações comerciais extracontinentais
correspondiam mais ou menos ao ‘comércio à longa distância’
praticado, há milênios, na Ásia e na Europa, e no quadro do qual
se trocava aquilo que convém chamar produtos de luxo, ou seja,
produtos que rendiam muito por um baixo volume.”
(Wallerstein 2010: 27) 32
A África e a economia-mundo
• “Entretanto, por volta de 1730 -1750, por razões inerentes ao
seu funcionamento, a economia-mundo capitalista retomou
sua expansão econômica e geográfica. No curso dos cem anos
que se seguiram, ela absorveria, em sua rede de produção,
cinco grandes zonas geográficas que, até então, haviam
permanecido à margem de seu sistema: a Rússia, o Império
Otomano, a Índia, as zonas ‘longínquas” do continente
americano (o Canadá, a parte ocidental da América do Norte, a
ponta meridional da América do Sul), bem como a África (do
Norte, do Oeste e do Sul)” (Wallerstein 2010: 30-31) 33
A África e a economia-mundo
• “A integração de um novo elemento na
economia-mundo passa basicamente por duas fases.
Primeiramente, pela fase fundamental: a transformação
de uma parte relativamente importante dos processos
de produção que deveriam doravante fazer parte do
conjunto integrado dos processos de produção, segundo
os quais opera a divisão do trabalho na sociedade da
economia-mundo.” (Wallerstein 2010: 32)
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A África e a economia-mundo
• “Em segundo lugar, a transformação das estruturas
políticas, resultando na constituição de ‘Estados’
submissos às regras e aos mecanismos do sistema
interestatal; tais Estados eram fortes o suficiente para
facilitar uma circulação relativamente fluida dos fatores
de produção no interior da economia-mundo, mas não
tinham a potência necessária para se oporem a ela,
salvo por certos meios restritos e por tempos
limitados.” (Wallerstein 2010: 32) 35
A África e a economia-mundo
I. Transformação dos processos de produção e
sua integração à divisão internacional do
trabalho;
II. Transformação das estruturas políticas, fortes
internamente, mas fracas externamente.
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A África e a economia-mundo
• “Estamos convencidos de que tal processo de
integração se desenrolou a partir de 1750 (até
aproximadamente 1900), para a África do Norte, a
África do Oeste e a África do Sul, ao passo que a África
do Leste apenas começou sua integração por volta de
1850, ou até mesmo 1875.” (Wallerstein 2010: 32)
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A África e a economia-mundo
• “É preciso parar de superestimar o papel dos fatores
externos na criação dos Estados africanos. De fato, as
forças internas constituem o motor da evolução política,
(Wallerstein 2010: 40-41)
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A África e a economia-mundo - estrutura política necessária podia ou não já existir. Onde não existia, formaram-se os estados coloniais.
• ..., a participação na economia-mundo implicava a existência de estruturas políticas
capazes de assegurar o funcionamento da economia, em termos de comércio, de
produção, de mão de obra. Pressões exercidas do exterior visavam impor tais estruturas.
Quando as estruturas vigentes bastavam para desempenhar o papel esperado, de
qualquer modo que fosse, pouca pressão era exercida para impor a mudança.”
(Wallerstein 2010: 41)
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• “Contudo, a participação na economia-mundo
reforçava a importância econômica de certos
agentes internos capazes de criar estruturas
políticas adequadas; e foram eles que pressionaram
para obter as modificações de estrutura. (...) Sabe -se
que esse processo tendeu, finalmente, em grande
parte da África, à criação dos Estados coloniais.”
(Wallerstein 2010: 41)
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A África e a economia-mundo - de fornecedora de escravos para fornecedora de matéria primas
• “A produtividade das plantações de cana‑de‑açúcar das
Antilhas britânicas não parou de cair no século XVIII. Logo, a
Índia ofereceu à Grã‑Bretanha uma vasta zona de
produção, permitindo -a paliar essa situação. Entretanto,
tratava- se de uma região onde a produção agrícola já era
densa e a prática da escravidão arriscava ser
economicamente dispendiosa demais (se se quisesse
reduzir a população autóctone à escravidão), além de ser
muito difícil politicamente, caso se optasse pela importação
de escravos.” (Wallerstein 2010: 42-43) 41
• “Consequentemente, desde então, o tráfico de
escravos parecia, de imediato, menos útil para a
produção açucareira e para as outras culturas
praticadas nas zonas de influência britânica, e até
mesmo contra-indicado se houvesse a intenção de
encorajar as culturas comerciais na África Ocidental.”
(Wallerstein 2010: 43)
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A África e a economia-mundo - de fornecedora de escravos para fornecedora de matéria primas
A África e a economia-mundo - de fornecedora de escravos para fornecedora de matéria primas• “A Grã-Bretanha, graças à sua supremacia sobre o mundo
nesta época, encontrava-se em uma situação
político-militar que lhe permitia executar a abolição da
escravidão. (Wallerstein 2010: 43)
• “Compreendemos, então, que os interesses de todos
os capitalistas da economia-mundo se encontravam
condizentes com aqueles, mais particulares, da subclasse
dos capitalistas britânicos, a fim de criar um clima político
favorável ao abolicionismo.” (Wallerstein 2010: 43)43
• Entre 1750 e 1850 a África seria definitivamente
integrada à economia-mundo capitalista, não mais como
fornecedora de bens de luxo, metais preciosos ou
pessoas escravizadas, mas como fornecedora de
matéria-prima e mercado consumidor dos produtos
industriais das potências européias, naquele momento
em processo acelerado de industrialização. Essa divisão
internacional do trabalho se manteria ao longo de todo o
século e meio seguinte, e se mantém nos dias de hoje.44
A África e a economia-mundo
• “Portanto, pensamos que o processo de integração da
África (do Norte, do Oeste e do Sul) em um sistema
histórico particular, a economia-mundo capitalista,
remonta a 1750. Assim, a partilha do continente
constitui não o início, mas o resultado desse
processo.” (Wallerstein 2010: 45)
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