USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
1
PARTE II ‐ SOCIOLOGIA CRIMINAL E CRIMINOLOGIA
1.CRIMINOLOGIA E CIÊNCIAS AFINS
A interdisciplinaridade é uma perspectiva de abordagem científica envolvendo diversos continentes do saber. Ela é uma visão importante para qualquer ciência social. Em seus estudos, a criminologia se engaja em diálogo tanto com disciplinas das Ciências Sociais ou humanas quanto das Ciências Físicas ou naturais.
Entre as áreas de estudo mais próximas da Criminologia temos:
• Direito penal: o principal ponto de contato da criminologia com o Direito Penal está no fato de que este delimita o campo de estudo da criminologia, na medida em que tipifica (define juridicamente) a conduta delituosa; O direito penal é sancional por excelência; Ele caracteriza os delitos e, através de normas rígidas, prescreve penas que objetivam levar os indivíduos a evitar essas condutas.
• Direito Processual Penal: a Criminologia fornece os elementos necessários para que se estipule o adequado tratamento do réu no âmbito jurisdicional. Também indica qual a personalidade e o contexto social do acusado e do crime, auxiliando os juristas para que a sentença seja mais justa. A criminologia oferece os critérios valorativos da conduta criminosa. Ela pesquisa a eficácia das normas do Direito Penal, bem como estuda e desenvolve métodos de prevenção e ressocialização do criminoso.
• Direito Penitenciário: os dados criminológicos são importantes no Direito Penitenciário para permitir o correto e eficaz tratamento e ressocialização do apenado. A criminologia ajuda a tornar a pena mais humana, buscando o objetivo de punir sem castigar.
• Psicologia Criminal: é ciência que demonstra a dimensão individual do ato criminoso; estuda a personalidade do criminoso, orientando a Criminologia.
• Psiquiatria Criminal: é ramo do saber que identifica as diversas patologias que afetam o criminoso e envolve o estudo da sanidade mental.
• Antropologia Criminal: abrange o fenômeno criminológico em sua dimensão holística, ou seja, biopsicosocial. É o Estudo do homem na sua história, em sua totalidade (homem como fator presente no todo);
• Sociologia Criminal: demonstra que a personalidade criminosa é resultante de influências psicológicas e do meio social;
• Ciências Biológicas: fornecem os elementos naturais e orgânicos que influenciam ou determinam a conduta do criminoso;
• Vitimologia: estuda a vítima e sua relação com o crime e o criminoso (estuda a proteção e tratamento da vítima, bem como sua possível influência para a ocorrência do crime);
• Criminalística: é o ramo do conhecimento que cuida da dinâmica de um crime. Estuda os fatores técnicos de como o crime aconteceu. Há um setor especializado da polícia destinado a essa área.
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
2
• Ciências Econômicas: estuda o crime a partir do intrumental analítico racionalista. O crime é visto como um mercado e sua oferta é determinada por fatores como o ganho esperado da atividade criminosa, probabilidade de sucesso e intensidade da punição em caso de falha.
2. ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA CRIMINAL
Foi Topinard (1830‐1911), antropólogo francês, quem primeiro se referiu ao termo Criminologia. Porém, como ciência, foi Garófalo (1851‐1934) o autor que empregou esse termo pela primeira vez, em sua obra de mesmo nome, em 1885. Antes, Adolphe Quetelet (1796‐1874) havia se referido ao fenômeno criminal para associá‐lo de modo inevitável à vida social.
O estudo do crime, segundo o método dogmático que traça as normas e preceitos do ilícito punível, ligando o delito como antecedente e a pena como conseqüente constitui objeto do Direito Penal. Se o crime, no entanto, for estudado como fenômeno social para investigar a etiologia e a série de seus fatores genéticos, teremos então outra ciência penal, diversa da dogmática, em virtude do método científico adotado. Por outro lado, o estudo do crime pode ser feito em função da personalidade do delinqüente e aí teremos, dentro da criminologia, a ciência denominada antropologia criminal; se, porém, esse estudo criminológico tiver por objeto o crime como fenômeno exclusivamente social, teremos outra ciência que é a sociologia criminal. Ao conjunto desses estudos particulares do delito é que se dá o nome de criminologia. A criminologia luta, na verdade, com a resolução de muitos problemas, inclusive alguns de natureza metodológica, tanto que a própria delimitação de seu campo científico ainda é assunto controverso.
Não há, entretanto, uniformidade nessa delimitação do seu campo de pesquisa, nem tampouco no conceito e definição que a respeito dela se formulam. GAROFALO, que foi o criador do termo “criminologia”, constrói esta ciência com a tríplice preocupação de abrangê‐la como pesquisa antropológica, sociológica e jurídica. Para ele, a criminologia é a ciência da criminalidade, o delito e da pena, nela incluindo, como ponto de partida, a sua doutrina do delito natural elaborada em função da orientação naturalista e evolucionista que abraçava. Também forma parte da criminologia, para GAROFALO, o exame do delinquente por meio das diversas categorias que integram a classificação que destes formula.
2.1. ANTROPOLOGIA CRIMINAL
A antropologia criminal, hoje também denominada biologia criminal, é ciência criminológica que deve seu aparecimento, como conjunto de princípios sistematizados, a Cezare Lombroso. Segundo o famoso médico italiano, há um tipo humano especial, devidamente caracterizado por uma série de traços somato‐psíquicos, e que é o “delinquente nato”. Existem, assim, certos homens naturalmente criminosos, perfeitamente identificáveis por características particulares, a maioria das quais externamente visível. Esse tipo criminoso, verdadeira species generis humani, que tem o nome de criminoso nato recorda o homem primitivo pois o delinquente congênito é um ser atávico por força da degenerescência ou então, conforme ulterior concepção, por efeito de ação da epilepsia sobre os centros nervosos. Como ser atávico que representa uma regressão ao selvagem, o delinquente nato apresenta
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
3
estigmas morfológicos e traços psíquicos, muitos dos quais trazem grande analogia (ou mesmo identidade) com o homem primitivo.
LOMBROSO investigou durante cinco anos ‐ entre 1871 a 1876 ‐ os delinquentes encarcerados em seu país. Após publicou o resultado de seus estudos concluindo (falsamente, como se comprovou depois) que o verdadeiro criminoso ou criminoso nato possuía sinais característicos, tanto físicos como psíquicos, que o distinguia dos demais indivíduos. Tais individualidades seriam: crueldade, leviandade, aversão ao trabalho, instabilidade, vaidade, tendência, superstição, precocidade sexual, sensibilidade dolorosa diminuída (razão das tatuagens). Seguindo esse raciocínio, ele classificou os criminosos em três tipos:
1. O CRIMINOSO NATO
2. O FALSO CRIMINOSO OU DELINQÜENTE OCASIONAL
3. O CRIMINALÓIDE (ERA "MEIO DELINQÜENTE")
Para Lombroso, os indivíduos denominados criminosos natos seriam aqueles que permaneceram atrasados em relação aos demais durante a evolução da espécie, e ainda não perderam a agressividade.Por outro lado, tentando defender suas pesquisas, dizia que não era todo criminoso que seria nato, mas que os verdadeiros criminosos seriam natos. Estes seriam indivíduos propensos ao crime devido às taras ancestrais.
Pouco depois, Enrico Ferri, embora integrante da Escola Antropológica Criminal, e discípulo de Lombroso fundou a Sociologia criminal com a divisão dos delinqüentes em sua "Sociologia Criminal", de 1914, classificando‐o em cinco tipos distintos:
1.o nato, dito por Lombroso, sem qualquer senso moral
2.o louco (incluídos os semi‐loucos)
3.o ocasional
4.o habitual (reincidente)
5.o passional (levado ao crime pelo abatimento, pelo ímpeto.
Por outro lado, quanto às causas dos delitos, Ferri classificou‐as em três categorias:
a) Biológica (relacionadas à herança, à constituição orgânica, aos aspectos psicológicos etc.);
b) Físicas (relacionadas ao meio ambiente, ao clima, à umidade etc.);
c) Sociais (relacionadas ao meio social, às desigualdades, às injustiças, ao jogo de azar, à prostituição etc.).
2.2. SOCIOLOGIA CRIMINAL
A sociologia criminal estuda o crime como fenômeno social. A disciplina em apreço remonta a Rousseau e Quetelet, mas o seu nome foi dado por Ferri, para quem a sociologia criminal seria a ciência enciclopédica do delito, da qual o Direito Penal não passaria de simples ramo ou subdivisão. Como o direito é um fenômeno social, a ciência dogmático‐jurídica acabaria desaparecendo, se em outros setores do direito se propugnasse pelo mesmo critério. Amanhã, um civilista criaria uma sociologia da
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
4
propriedade e uma sociologia da família, e o direito das coisas e o direito e família seriam colocados, respectivamente, em cada uma dessas divisões da ciência sociológica.
2.2.1. Antecedentes
O fato de a sociologia criminal aparecer apenas no século XIX não significa que só a partir desta altura tenha iniciado a preocupação e a reflexão criminal, significa tão só que é nesta altura que a reflexão criminal atinge um elevado nível de sistematização e rigor na explicação do crime, mediante a elaboração de complexos estudos apoiados na consideração do meio social onde se desenvolve o crime e numa metodologia suficientemente idônea para a abordagem credível deste fenômeno. Assim, poderemos encontrar vestígios dessa preocupação e reflexão em Platão (As Leis) que viu o crime como uma doença cujas causas derivavam das paixões, da procura de prazer e da ignorância. Aristóteles, por seu turno, considerou que a causa do crime tinha origem na miséria (Tratado da Política) e que o criminoso era um «inimigo» da sociedade que deveria ser castigado (Ética a Nicômaco). São Tomas de Aquino, na sequência de Aristóteles, também atribuirá a origem do crime à miséria. Mas, o primeiro autor a dar‐se conta das causas sociais do crime foi Thomas Morum (1478‐1535) na sua obra Utopia. Porém, apenas no século XVIII, com o movimento iluminista, nasceu uma forte reacção à arbitrariedade com que se determinava a medida das penas e à desigualdade com que concretamente se aplicavam.
3. GRANDES ESCOLAS DA CRIMINOLOGIA
Quando surgiu, a criminologia tratava de explicar a origem da delinquência (crime), utilizando o método das ciências naturais, a etiologia, ou seja, buscava a causa do delito. Pensou‐se que erradicando a causa se eliminaria o efeito, como se fosse suficiente fechar as maternidades para o controle da natalidade.
A criminologia é dividida em ESCOLA CLÁSSICA (Beccaria, séc XVIII), ESCOLA POSITIVA (Lombroso, séc, XIX) e ESCOLA SOCIOLÓGICA (final do séc XIX).
Academicamente a Criminologia começa com a publicação da obra de Cesare Lombroso chamada "L'Uomo Delinquente", em 1876. Sua tese principal era a do delinquente nato.
Já existiram várias tendências causais na criminologia. Baseado em Rousseau, a criminologia deveria procurar a causa do delito na sociedade; baseado em Lombroso, para erradicar o delito deveríamos encontrar a eventual causa no próprio delinquente e não no meio. Enquanto um extremo que procura todas as causas de toda criminalidade na sociedade, o outro, organicista, investigava o arquétipo do criminoso nato (um delinquente com determinados traços morfológicos, influência do Darwinismo). (Veja Rousseau, Personalidade Criminosa)
Isoladamente, tanto as tendências sociológicas, quanto as orgânicas fracassaram. Hoje em dia fala‐se no elemento bio‐psico‐social. Volta a tomar força os estudos de endocrinologia, que associam a agressividade do delinquente à testosterona (hormônio masculino), os estudos de genética ao tentar identificar no genoma humano um possível conjunto de "genes da criminalidade" (fator biológico ou endógeno), e ainda há os que atribuem a criminalidade meramente ao ambiente (fator
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
5
mesológico), como fruto de transtornos como a violência familiar, a falta de oportunidades, etc.
Lombroso é considerado o marco da Escola Positivista, em termos filosóficos encontramos Augusto Comte. Esta escola italiana critica os da Escola Clássica, como Beccaria e Bentham, no que diz respeito à utilização de uma metodologia lógico‐dedutiva, metafísica, onde não existia a observação empírica dos fatos. As caracterísicas principais desta escola mostram‐se em três pontos: Empirismo (cientificidade, observação e experimentação dos factos. Negação aos pensamentos dedutivos e abstractos); O Criminoso como objecto de estudo (importância do estudo do criminoso como autor do crime. A delinquência é vista como um mero sintoma dos instintos criminogéneos do sujeito. Deve‐se procurar trabalhar com estes instintos por forma a evitar o crime); Determinismo.
Ele aborda o delinquente através de um caráter plurifatorial, para ele o indivíduo é compelido a delinquir por causas externas, as quais não consegue controlar, assim, as penas teriam o objetivo de proteção da sociedade e de reeducação do delinquente.
Como em outras ciências, também em criminologia se tem tentado eliminar o conceito de "causa", substituindo‐o pela ideia de "fator". Isso implica no reconhecimento de não apenas uma causa mas, sobretudo, de fatores que possam desencadear o efeito criminoso (fatores biológicos, psíquicos, sociais...). Uma das funções principais da criminologia é estabelecer uma relação estreita entre três disciplinas consideradas fundamentais: a psicopatologia, o direito penal e a ciência político‐criminal.
Outra atribuição da criminologia é, por exemplo, elaborar uma série de teorias e hipóteses sobre as razões para o aumento de um determinado delito. Os criminólogos se encarregam de dar esse tipo de informação a quem elabora a política criminal, os quais, por sua vez, idealizarão soluções, proporão leis, etc. Esta última etapa se faz através do direito penal. Posteriormente, outra vez mais o criminólogo avaliará o impacto produzido por essa nova lei na criminalidade.
Interessam ao criminólogo as causas e os motivos para o fato delituoso. Normalmente ele procura fazer um diagnóstico do crime e uma tipologia do criminoso, assim como uma classificação do delito cometido. Essas causas e motivos abrangem desde avaliação do entorno prévio ao crime, os antecedentes vivenciais e emocionais do delinquente, até a motivação pragmática para o crime.
Os estudos em criminologia têm como finalidade, entre outros aspectos, determinar a etiologia do crime, fazer uma análise da personalidade e conduta do criminoso para que se possa puni‐lo de forma justa (que é uma preocupação da criminologia e não do Direito Penal), identificar as causas determinantes do fenômeno criminógeno, auxiliar na prevenção da criminalidade; e permitir a ressocialização do delinquente.
Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que não são independentes, mas sim interdependentes. Temos de um lado a Criminologia Clínica (bioantropológica) ‐ esta utiliza‐se do método individual, (particular, análise de casos, biológico, experimental), que envolve a indução. De outro lado vemos a Criminologia Geral (sociológica), esta utiliza‐se do método estatístico (de grupo, estatístico, sociológico, histórico) que enfatiza o procedimento de dedução.
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
6
A criminologia define‐se, em regra como sendo o estudo do crime e do criminoso, isto é: criminalidade. A Criminologia, o estudo do crime e dos criminosos, dentro de um recorte causal — explicativo, informado de elementos naturalísticos (psicofísicos), ‘‘é ciência social ou não será ciência’’
Não é uma ciência independente, mas atrelada à Sociologia, à apreciação científica da organização da sociedade humana. Ao lado da Sociologia, se mostra numa condição de contrastante de ‘‘uma das mais jovens e uma das mais velhas ciências’’.
Jovem e livre até da rotulação relativamente recente do respectivo vocábulo, um termo híbrido, por Augusto Comte, do latim socius, amigo ou companheiro, e do grego logos, ciência. Velha, uma vez que a análise da vida gregária dos seres humanos já era praticada de vários modos pela Antropologia, bem antes de sua aparição no panorama cultural. No entanto, não só do pensamento sociológico se sustenta a Criminologia, que, pelo contrário, possui aparência eminentemente multidisciplinar, sempre se enriquecendo com diferentes ciências posicionadas à sua volta e áreas do conhecimento afins ou afluentes.
A maioria vai listada adiante: primus inter pares, o Direito Penal, ramo da Dogmática Jurídica que definem quais condutas tipificam crimes ou contravenções, estabelecendo as respectivas penas; a Medicina Legal (aí compreendida a Psiquiatria Forense), aplicação específica das ciências médicas, paramédicas e biológicas ao Direito; Psicologia Criminal, cuja matriz é a Psicologia (comum), ciência ocupada com a mente humana, seus estados e processos: a Antropologia Criminal (Ferri, Lombroso e Garofalo), que assume para si a responsabilidade de pesquisar e desenhar supostos perfis dos infratores penais, a partir de disposições anatômicas e estigmas somáticos particulares, hoje um pouco desprovida do crédito que foi desfrutado antigamente; a Sociologia Criminal (subdivisão da Sociologia, filiada à Sociologia Jurídica), fundada por Enrico Ferri, que visualiza o ilícito penal como fenômeno gerado no desenvolvimento do convívio, em escala ampla, dos homens, analisando a importância direta ou indireta do ambiente social na formação da personalidade de cada um; a Psicosociologia Criminal, subordinada a Psicosociologia, suma psicológica dos fatos sociais; a Política Criminal, que rastreia e monitora os meios educativos ou intimidativos de que dispõe ou deve dispor o Estado, inclusive no terreno da elaboração legislativa, para o melhor desempenho, em seu papel de, prevenir e reprimir a criminalidade, procurando ela, paralelamente, fornecer fórmulas para se achar a proporção ideal entre a gravidade da conduta de um determinado criminoso ou contraventor penal e o quantum da sanção a aplicar‐lhe, face a face com a situação concreta, a Lógica Jurídica, no seu segmento que se dirige para a fenomenologia e a problemática do crime, lastreada na Lógica formal, pura (ciência da razão, em si mesma).
Igualmente, conta a Criminologia com complemento de ciências auxiliares: a Genética, ciência da hereditariedade; a Demografia, levantamento numérico populacional (taxas de natalidade e de mortalidade, distribuição de faixas etárias, expectativa de vida, migrações etc.); a Etologia, investigação de natureza científica do comportamento humano, de acordo com as leis gerais da Psicologia, levando em conta às múltiplas influências e acomodações que as circunstâncias ambientais exercem, de ordinário, sobre o comportamento da pessoa ou da sociedade; a Penalogia (ou Penologia) que Francis Lieber, o criador da palavra (1834), conceituou como ‘‘o ramo das ciências
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
7
criminais que cuida do castigo do delinqüente’’, a Vitimologia, estudo do comportamento da vítima, com avaliação das causas e dos efeitos da ação delitiva, esquadrinhada sob o prisma e a interação da dupla penal criminoso/vítima, a Estatística, conjunto de métodos matemáticos, centrada em dados reais, de que se serve para construir modelos de probabilidade relativos a indivíduos, grupos ou coisas (por exemplo, defasagem quantitativa ou qualitativa na oferta de empregos), quando, numa fonte especializada (Estatística Criminal) retrate fatores ou indutores de criminalidade. "Toda ciência, proclamou Aristóteles, tem por objeto o necessário". (Leonardo Rabelo de Matos Silva).
3.1. ESCOLA CLÁSSICA
A escola clássica caracteriza‐se por ter projetada na doutrina do crime os ideais do movimento iluminista, donde se destacam, por terem tomado posição nesta luta, Montesquieu, Hobbes, Voltaire, Rousseau, Diderot, d'Holbach. Mas os autores que de modo mais direto participaram no debate do problema criminal foram Beccaria, Feuerbach, Benthan, Blackstone, Carranara, etc.
O mais representativo de todos estes autores geralmente apontado é o italiano Cesare Beccaria que expõe o principal do seu pensamento em Dei delitti e delle pene (1764), onde defendia uma construção do tipo legal de crime em condições de oferecer o mínimo de segurança ao homem no exercício da sua liberdade social face às autoridades públicas que manuseavam o respectivo processo sem sujeição a qualquer tipo de regras, aplicando as respectivas penas de forma «arbitrária».
Menos feliz parece ter sido a sua explicação hedonista do crime, quando defende que a prática do crime estaria associada ao prazer, de modo que a pena deveria estabelecer‐se por forma a anular as compensações da sua prática. Pelo que a pena teria como finalidade diminuir a ocorrência do crime de modo a assegurar a continuidade da sociedade civil livremente constituída. Neste sentido, a teoria clássica surge como uma teoria de controlo social, partindo da idéia de que a sociedade para existir celebrou livremente um contrato social, através do qual estabeleceu o regime de tutela dos bens essenciais (o «bem‐estar pessoal» e a «propriedade privada») à convivência pacífica do homem.
Os homens, «iguais perante a lei», deveriam por isso determinar racionalmente a sua liberdade em conformidade com aquele contrato. Mas todo o homem, com base em motivações de ordem irracional, aparecia como um potencial violador do contrato, razão pela qual estava sujeito às consequências de um estatuto penal, cujas penas, que visavam dissuadi‐lo preventivamente dessa conduta, deveriam ser «exatas» na sua correspondência ao crime cometido. Só que a teoria clássica ao estabelecer que os homens eram formalmente iguais perante a lei, apresenta, por um lado, uma contradição básica na sua formulação quando «não presta atenção ao fato de a carência de bens poder ser motivo para que o homem tenha uma maior probabilidade para cometer crimes», tornou‐se, por outro lado, numa técnica duplamente perversa, ora porque em certos casos se revelava excessiva, ora porque noutros se revelava insuficiente. Os neo‐clássicos, como Rossi, Garaud e Joly, para superarem tais dificuldades, introduziram algumas reformas tendentes a ultrapassar as contradições
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
8
dos princípios clássicos «puros» que colocavam algumas dificuldades na determinação prática da medida da pena.
Com esta revisão, os neoclássicos tiveram de tal modo em conta as «circunstâncias atenuantes», os «antecedentes criminais» e a «inimputabilidade» do delinquente, ou seja, «pegaram no homem racional solitário da criminologia clássica e deram‐lhe um passado e um futuro» (Cf. TAYLOR, I., WALTON, P. E YOUNG, J., La Nueva Criminologia: Contribuicion a una Teoria Social de La Conduta Desviada, Amorrortu Editores, Buenos Aires, 1990, p. 22).
Gabriel Tarde (1843‐1904) foi magistrado, dirigiu os Service de la Statistique Criminelle e publicou um grande número de obras dedicadas ao fenômeno criminal. A sua teoria do crime explicava‐se pelo princípio da imitação que se explicaria segundo três «leis»: a imitação funcionaria em razão direta da proximidade social; a imitação funcionaria no sentido das classes mais baixas para as mais elevadas, quando existisse conflito entre dois modelos contrários de comportamento, um poderia substituir outro.
3.2. ESCOLA POSITIVISTA
O positivismo científico, na área da criminologia, surgiu, no Século XIX, com a inauguração da escola positiva italiana em 1876, com a publicação de L 'Umo Delinquente, de Cesare Lombroso, que reage contra os fracassos da escola clássica no tratamento do problema criminal. Efetivamente, a escola clássica, representada por Beccaria, centrara a sua preocupação no sistema penal estabelecido de modo arbitrário; contudo a criminalidade ao invés de reduzir aumentara e diversificara‐se sem que a teoria clássica oferecesse uma explicação satisfatória. A escola positiva surge assim, num ambiente de crise, como alternativa da explicação das causas do crime, deslocando a investigação criminal para o próprio delinquente e propondo‐se tratar o crime com base nos métodos e instrumentos utilizados pelas ciências ditas «objetivas». Como características fundamentais desta escola realça‐se o postulado determinista do comportamento e a rejeição do livre arbítrio de raiz metafísica. Entre os fundadores da escola positiva destacam‐se não só Lombroso, que se detém na questão antropológica, mas também dois dos seus discípulos: Enrico Ferri, que realçou na sua investigação sobre o crime os elementos sociológicos, e Raffaele Garófalo, que põem em destaque para a explicação do crime o elemento psicológico. A formulação da antropologia criminal de Lombroso contou com alguns trabalhos precursores que tentaram encontrar as causas do crime nos estigmas individuais do delinquente, caso das teorias fisiológicos (J. K. Lavater, Fragmentos Fisionómicos, 1775), que pretendiam diferenciar o criminoso pelos seus traços fisionómicos, das teorias frenológicas (F. Gall, Sur les fonctions du cerveau, 1791‐ 1825, H. Lauvergue, Les forçat considérés sous le rapport physique, moral ET intellectuel, observés au Bagne de Toulouse, 1848, e C, Caldwell, Elements of Phrenology, 1829), que procurou os sinais identificadores do delinquente no formato craniano, entre outros. Mas, foi com base em Darwin (The origin of species, 1859, e Descent of man, 1871) que formulou urna teoria baseada na natureza atávica de todos os delinquentes — o criminoso seria reconhecível através de certos estigmas físicos («dentição anormal», «assimetria do rosto», «orelhas grandes», «defeitos dos olhos», «características sexuais invertidas», etc.) correspondentes a um homem menos civilizado que os seus contemporâneos —, o que confirmaria estatisticamente. No entanto, perante as críticas que lhe foram dirigidas, Lombroso
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
9
seria forçado a moderar a extensão da sua teoria, porém não ao ponto de corrigir alguns defeitos que serão definitivos para a sua descredibilização, nomeadamente defeitos técnicos, relacionados com a utilização de técnicas estatísticas inadequadas (Cf. C. Goring, The english convict, 1913), uma errada consideração dos estigmas físicos, que geralmente são uma consequência directa do meio social, uma infundada teoria genética, já que está excluída pela moderna teoria genética a regressão evolutiva até espécies anteriores. O pensamento de Ferri — considerado por alguns autores como o fundador da sociologia criminal —, no domínio da criminologia, foi exposto na sua obra Nuovi horizonti del diritto e della procedura penalle (1851) que serviu de base à sua obra principal Sociologia criminale (1892). Segundo ele, as causas do crime seriam não só de carácter antropológico e físicas, mas também sociais. Será neste autor que Durkheim irá encontrar uma grande parte da sua inspiração no tratamento social do crime, porém enquanto Ferri utiliza um método predominantemente empírico, a análise de Durkheim «faz‐se em profundidade e não se satisfaz com a mera descrição» (Lévv‐Bruhl, Op. Cit., p. 291). Por seu turno, Garófalo conta com uma extensa bibliografia dedicada ao tema da criminologia, de onde se destacam Criminologia (1885), Ripparazione alle vittime dei delitto (1887) e La superstition socialiste (1895). A sua obra está marcada pela tentativa de definição de um conceito sociológico de crime, concebido como violação dos sentimentos básicos da coletividade, a que se reconduzia a sua explicação psicológica do crime. As críticas ao positivismo não se fizeram esperar.
Tanto a sociologia criminal (Lacassagne, Tarde e Durkheim) como da antropologia criminal (Baer e Goring) criticaram o determinismo lombrosiano determinado pelassuas teses antropológico‐causais. Mas, o certo é que de certa maneira permanece o perigo das ideologias de tratamento que marcam uma vasta influência na política criminal, sustentando‐se, ao contrário do que defendia a escola clássica, não uma redução mas uma ampliação da reacção social ao crime, posição que leva Garófalo a admitir a hipótese de irradiação do delinquente quando fosse «incapaz para a vida social» (Cf. DIAS, Figueiredo, e ANDRADRE. Costa, Op. Cit, pp. 18).
3.3. ESCOLA SOCIOLOGICA ‐ DURKHEIM
Na realidade, a tipologia dos crimes evolui no mesmo sentido da evolução social, o que quer dizer que, em certa medida, o crime é produzido pela sociedade, em termos abstratos, e praticado, em concreto, por um determinado membro da sociedade que não aderiu à ordem social.
Assim, seguindo a diferenciação social de Durkheim entre sociedades de solidariedade mecânica e orgânica, poderá dizer‐se que nas primeiras, correspondentes a sociedades menos evoluídas, e porque o indivíduo se encontra firmemente ligado ao grupo, os crimes mais graves são os que ponham em «perigo o conjunto da coletividade», enquanto que nas segundas, onde o indivíduo se encontra grandemente emancipado, se tutelam valores em torno dos quais o indivíduo constrói a sua personalidade, seja sob a forma de crimes contra a pessoa (os crimes contra a vida, os crimes contra a integridade física, os crimes contra a honra, os crimes sexuais, etc.), seja contra a propriedade individual (crimes de roubo, crimes de furto, crimes de abuso de confiança, etc. Que implicam geralmente um enriquecimento verso empobrecimento para cada uma das partes envolvidas).
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
10
Durkheim (1858‐1917) destaca‐se na sociologia criminal pela sua definição do crime como um fato social e pela tese da normalidade e funcionalidade do crime. A importância paradigmática de Durkheim deve‐se ainda ao fato de o seu pensamento representar uma das vertentes das modernas teorias sócio criminológicas, o modelo de consenso, que se opõem à fundamentação marxista, o modelo de conflito.
A atualidade da obra O Suicídio de Durkheim deve‐se em grande medida ao fato de estar na base da investigação de uma serie de condutas que se inserem no quadro dos desvios e que continuam a preocupar o mundo moderno. Isso não quer dizer que não haja nela um conjunto de aspectos cuja validade é hoje contestável, desde logo a validade das estatísticas (no caso, oficiais), a ambiguidade do conceito de anomia (Cf. Teoria da Anomia de Merton), as dificuldades de distinção do suicídio egoísta do anómico (Cf. DURKHEIM, Émile.
O Suicídio: Estudo Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 1996, p.286), etc. É ainda, por isso, uma obra de referência para a investigação social nos diversos domínios, nomeadamente na área da criminologia social ou sociologia criminal. Por isso, merece especial apreço a compreensão dos princípios e conceitos em que se estrutura toda a obra. Desde logo, Durkheim entende por suicídio «todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, acto que a própria vítima sabia dever produzir este resultado» (Idem, p. 10) (V. ARON, Raymond, Op. Cit., 1994, p. 325), ou, em síntese, o «ato de um homem que prefere a morte a vida» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 275).
TEXTO COMPLEMENTAR ‐ “O CRIME SEGUNDO A PERSPECTIVA DE DURKHEIM”
Jorge Adriano Carlos
Trabalho apresentado no seminário História do Pensamento Sociológico dirigido pelo Prof. Doutor Augusto Silva, no âmbito do Curso de Mestrado em Sociologia, na variante Poder e Sistemas Políticos, Departamento de Sociologia Universidade de Évora. 1997.
Introdução
A demonstração da permanência do crime em todas as sociedades1 constituiu o fator determinante da sua integração no pensamento sociológico sistemático, cujo contributo mais significativo se deve a Durkheim em três das suas obras fundamentais que são De la Division du Travail Social (1893), Les Règles de La Méthode Sociologique (1895) e Le Suicide (1897). Todavia, será legítimo situar o início da sociologia criminal a partir do segundo quartel do século XIX2, altura em que foram desenvolvidos inúmeros estudos, em diversos países (França, Bélgica, Alemanha e Grã‐Bretanha), com aplicação de métodos e instrumentos sociológicos, nomeadamente a recolha e interpretação de dados estatísticos3. Mas é efetivamente com os trabalhos de Lacassagne4, Gabriel Tarde5, e Émile Durkheim6 que a sociologia criminal adquire o seu estatuto de ciência,
especialmente a partir do 3.º Congresso de Antropologia Criminal, realizado em Bruxelas, em 1892, que marca a viragem das explicações da escola positiva em favor das teorias sociológicas.
A sociologia criminal aparece‐nos assim como uma ciência muito recente7, muito depois do direito penal, cuja origem remonta à antiguidade, e depois ainda da criminologia, cuja origem
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
11
se poderá situar na escola clássica8, muito embora apenas tenha atingido a sua forma sistemática com a escola positiva italiana9.
Mas, se ao direito criminal importa a definição do tipo de crime e a sua consequência sancionatória, à criminologia importa a compreensão da realidade criminal em todos os seus aspectos. Numa primeira fase, a criminologia debruçou‐se sobre a pessoa do delinquente, servindo‐se de métodos próprios da biologia e da psiquiatria — aquilo que alguns autores designaram por criminologia «clínica».
Numa fase mais avançada da reflexão criminal, o criminólogo deslocou o seu estudo para o meio social onde se gerou a prática delitiva — a acentuação deste aspecto da criminologia deu lugar à sociologia criminal que apareceu também como um novo ramo da sociologia. A partir do momento em que se compreende que não existe sociedade sem crime, não só não é concebível uma sociologia que ignore este fenômeno, como não é possível estudar o crime, considerado em abstrato, sem evocar o meio social onde se desenvolve.
A obra de Durkheim deve uma grande parte da sua importância ao fato de ter compreendido esta relação entre o crime e a sociedade numa altura em que as escolas positivas se refugiavam por detrás das concepções individualistas. Este autor compreendeu que a sociedade não era simplesmente o produto da ação e da consciência individual, pelo contrário, «as maneiras coletivas de agir e de pensar têm uma realidade exterior aos indivíduos que, em cada momento do tempo, a elas se conformam»10 e, mais que isso, «são não só exteriores ao indivíduo, como dotados dum poder imperativo e coercivo em virtude do qual se lhe impõem»11. O tratamento do crime como um fato social, de caráter normal e até necessário, permitir‐lhe‐à reabilitar cientificamente o fenômeno criminal e demonstrar que a prática de um crime poderá depender não tanto do indivíduo que, de acordo com esta concepção, age e pensa sob a pressão dos múltiplos constrangimentos que se desenvolvem na sociedade mas, diversamente, poderá apresentar em abstrato uma ampla raiz de imputação social.
A Teoria da Anomia
A consideração sociológica da anomia, que etimologicamente não significa senão «ausência de normas», apesar
Conclusão
Um dos aspectos mais salientes da sociologia de Durkheim passa pela consideração obrigatória de uma estreita relação entre as determinações individuais e as construções sociais, donde resulta, antes que tudo, uma clara ascendência da consciência comitiva sobre a consciência individual. Ao contrário do que defendiam os contratualistas, que imaginavam uma sociedade de indivíduos, a sociedade não é o mero somatório das partes, pois ainda assim não passaria de um conjunto heterogêneo de afirmações diferenciais. A sociedade, muito pelo contrário, é, para Durkheim, um depositório de valores que de uma forma mais ou menos regular se consensualiza.
Esta visão da sociedade não deixou de ter a sua projeção no modelo sócio criminal que Durkheim defendeu. Antes de tudo porque o crime, embora de modo algo ambíguo, passou a ser considerado não apenas como o resultado de condutas anti‐sociais, mas como condutas contextualizadas socialmente. O crime mais que um fenômeno do criminoso passou a ser encarado como uma realidade social cuja importância era inquestionável para o estudo sociológico, nomeadamente para a compreensão das grandes estruturas de sedimentação e
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
12
desenvolvimento social. A um crime tão atomizado na sua explicação como o foi o homem desde a escola clássica até à escola positiva opôs‐se, através desta nova dimensão da criminologia, uma explicação das causas do crime que procura a solução do problema criminal não apenas na responsabilização exclusiva do delinquente mas na responsabilização do comportamento criminal por elementos típicos da própria sociedade que funciona como um ambiente verdadeiramente condicionador da ação individual. Mas, mais que isso, a concepção de Durkheim explica já que as causas do crime poderão estar em relação direta com as disfuncionalidades fáticas e normativas do conjunto inter‐relacional, como poderão resultar das opções consensuais dos ordenamentos sociais de cada época.
Mas se isto será assim para Durkheim, para alguns autores contemporâneos, inspirados no modelo de conflito marxista, o importante não será, no entanto, penetrar nos problemas, o importante e «imperioso é criar uma sociedade em que a realidade da diversidade humana, seja pessoal, orgânica ou social, não esteja submetida ao poder de criminalizar»25.
Referências
1. O fato de em todas as sociedades, desde as menos evoluídas às mais evoluídas, se encontrarem manifestações anti‐sociais não significa que todas as sociedades definam os mesmos tipos de crimes e que os mesmos crimes sejam delimitados com as mesmas características. Na realidade, a tipologia dos crimes evolui no mesmo sentido da evolução social, o que quer dizer que, em certa medida, o crime é produzido pela sociedade, em termos abstratos, e praticado, em concreto, por um determinado membro da sociedade que não aderiu à ordem social. Assim, seguindo a diferenciação social de Durkheim entre sociedades de solidariedade mecânica e orgânica, poderá dizer‐se que nas primeiras, correspondentes a sociedades menos evoluídas, e porque o indivíduo se encontra firmemente ligado ao grupo, os crimes mais graves são os que ponham em «perigo o conjunto da coletividade», enquanto que nas segundas, onde o indivíduo se encontra grandemente emancipado, se tutelam valores em torno dos quais o indivíduo constrói a sua personalidade, seja sob a forma de crimes contra a pessoa (os crimes contra a vida, os crimes contra a integridade física, os crimes contra a honra, os crimes sexuais, etc.), seja contra a propriedade individual (crimes de roubo, crimes de furto, crimes de abuso de confiança, etc. Que implicam geralmente um enriquecimento verso empobrecimento para cada uma das partes envolvidas). Ora, o que nos permite considerar que o crime constitui uma realidade de natureza sócio‐cultural da maior importância: não só espelha uma dimensão negativa da ordem social estabelecida pela coletividade, como ainda se revela como uma dimensão de absoluta necessidade conceptual na doutrina do controlo social.
2. Cf. RADZINOWICZ, L., Ideology and Crime, London: Heinemann. 1966.
3. Destacam‐se, na escola franco‐belga, A. Guérry (Essai sur la statistique morale de la France,1833) e A. Quételet (Essai sur le dévelopment de facultés de 1 'home ou essai de phisique social, 1835), que utilizam cartas geográficas para indicar a distribuição diferencial das taxas e tipos de criminalidade pelas diversas áreas geográficas, na escola alemã, A. von Oettingen (Die moralstatistik in ihre bedeutung für eine sozialethik) e G. von Mayr (Statistik der gerichtlichen polizei im königreiche bayern und in einigen landern, 1868), na escola inglesa, Benthan (Princípios do código penal), W. Rawson (An inquirity into the statistics of crime in England and Wales, 1839), W. Buchanan (Remarks on the causes and state of juvenil crime in the metropolis with hints for preventing its incrase, 1846), J. Flechter (Moral and
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
13
educational statistics of England and Wales, 1848) e H. Mayhew (The criminal prisons of london and scenes from prison life, 1862, e Those that will not work, 1864).
4. Lacassagne é o autor de Marche de la criminalité en France — 1825‐1880 (1881) e de Les vois á l'etalage et dans les grands magasins (1986) e é fundador, com Manouvrier, dos Archives d' Anthropologie Criminelle. A sua importância é assinalável por ter iniciado as hostilidades ao positivismo lombrosiano, ao proclamar, no 1.º Congresso de Antropologia Criminal, em 1885, que «cada sociedade tem os criminosos que merece» e ao apontar como causa do crime o meio social.
5. Gabriel Tarde (1843‐1904) foi magistrado, dirigiu os Service de la Statistique Criminelle e publicou um grande número de obras dedicadas ao fenômeno criminal. A sua teoria do crime explicava‐se pelo princípio da imitação que se explicaria segundo três «leis»: a imitação funcionaria em razão direta da proximidade social; a imitação funcionaria no sentido das classes mais baixas para as mais elevadas, quando existisse conflito entre dois modelos contrários de comportamento, um poderia substituir outro. Durkheim refere‐se à teoria da imitação a propósito do suicídio, revelando o seu desprezo por esta teoria quando diz que «uma coisa é sentir em comum, outra coisa inclinar‐mo‐nos perante a autoridade da opinião e outra coisa ainda repetir automaticamente o que outros fizeram». Embora constitua uma via de recurso para alguma da investigação no domínio da teoria da aprendizagem em psicologia social, poderá dizer‐se que a teoria da imitação pouco representa hoje para a criminologia (Cf. LÉVY‐BRUHL, Henri, «Problemas da Sociologia Criminal», in Georges Gurvitch (org.), Tratado de Sociologia, Porto: iniciativas editoriais, 1964, pp. 290‐291; DIAS, Figueiredo, e ANDRADRE, Costa, Criminologia: o Homem Delinquente e a Sociedade Criminológica, Coimbra: Coimbra Editora, 1992, pp. 20‐25. MANNHEIM, Hermann, Criminologia Comparada, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 698, Vol. II).
6. Durkheim (1858‐1917) destaca‐se na sociologia criminal pela sua definição do crime como um fato social e pela tese da normalidade e funcionalidade do crime. A importância paradigmática de Durkheim deve‐se ainda ao fato de o seu pensamento representar uma das vertentes das modernas teorias sócio criminológicas, o modelo de consenso, que se opõem à fundamentação marxista, o modelo de conflito.
7. O fato de a sociologia criminal aparecer apenas no século XIX não significa que só a partir desta altura tenha iniciado a preocupação e a reflexão criminal, significa tão só que é nesta altura que a reflexão criminal atinge um elevado nível de sistematização e rigor na explicação do crime, mediante a elaboração de complexos estudos apoiados na consideração do meio social onde se desenvolve o crime e numa metodologia suficientemente idônea para a abordagem credível deste fenômeno. Assim, poderemos encontrar vestígios dessa preocupação e reflexão em Platão (As Leis) que viu o crime como uma doença cujas causas derivavam das paixões, da procura de prazer e da ignorância. Aristóteles, por seu turno, considerou que a causa do crime tinha origem na miséria (Tratado da Política) e que o criminoso era um «inimigo» da sociedade que deveria ser castigado (Ética a Nicômaco). São Tomas de Aquino, na sequência de Aristóteles, também atribuirá a origem do crime à miséria. Mas, o primeiro autor a dar‐se conta das causas sociais do crime foi Thomas Morum (1478‐1535) na sua obra Utopia. Porém, apenas no século XVIII, com o movimento iluminista, nasceu uma forte reacção à arbitrariedade com que se determinava a medida das penas e à desigualdade com que concretamente se aplicavam.
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
14
8. A escola clássica caracteriza‐se por ter projetada na doutrina do crime os ideais do movimento iluminista, donde se destacam, por terem tomado posição nesta luta, Montesquieu, Hobbes, Voltaire, Rousseau, Diderot, d'Holbach. Mas os autores que de modo mais direto participaram no debate do problema criminal foram Beccaria, Feuerbach, Benthan, Blackstone, Carranara, etc. O mais representativo de todos estes autores geralmente apontado é o italiano Cesare Beccaria que expõe o principal do seu pensamento em Dei delitti e delle pene (1764), onde defendia uma construção do tipo legal de crime em condições de oferecer o mínimo de segurança ao homem no exercício da sua liberdade social face às autoridades públicas que manuseavam o respectivo processo sem sujeição a qualquer tipo de regras, aplicando as respectivas penas de forma «arbitrária». Menos feliz parece ter sido a sua explicação hedonista do crime, quando defende que a prática do crime estaria associada ao prazer, de modo que a pena deveria estabelecer‐se por forma a anular as compensações da sua prática. Pelo que a pena teria como finalidade diminuir a ocorrência do crime de modo a assegurar a continuidade da sociedade civil livremente constituída. Neste sentido, a teoria clássica surge como uma teoria de controlo social, partindo da idéia de que a sociedade para existir celebrou livremente um contrato social, através do qual estabeleceu o regime de tutela dos bens essenciais (o «bem‐estar pessoal» e a «propriedade privada») à convivência pacífica do homem. Os homens, «iguais perante a lei», deveriam por isso determinar racionalmente a sua liberdade em conformidade com aquele contrato. Mas todo o homem, com base em motivações de ordem irracional, aparecia como um potencial violador do contrato, razão pela qual estava sujeito às consequências de um estatuto penal, cujas penas, que visavam dissuadi‐lo preventivamente dessa conduta, deveriam ser «exatas» na sua correspondência ao crime cometido. Só que a teoria clássica ao estabelecer que os homens eram formalmente iguais perante a lei, apresenta, por um lado, uma contradição básica na sua formulação quando «não presta atenção ao fato de a carência de bens poder ser motivo para que o homem tenha uma maior probabilidade para cometer crimes», tornou‐se, por outro lado, numa técnica duplamente perversa, ora porque em certos casos se revelava excessiva, ora porque noutros se revelava insuficiente. Os neo‐clássicos, como Rossi, Garaud e Joly, para superarem tais dificuldades, introduziram algumas reformas tendentes a ultrapassar as contradições dos princípios clássicos «puros» que colocavam algumas dificuldades na determinação prática da medida da pena.
Com esta revisão, os neoclássicos tiveram de tal modo em conta as «circunstâncias atenuantes», os «antecedentes criminais» e a «inimputabilidade» do delinquente, ou seja, «pegaram no homem racional solitário da criminologia clássica e deram‐lhe um passado e um futuro» (Cf. TAYLOR, I., WALTON, P. E YOUNG, J., La Nueva Criminologia: Contribuicion a una Teoria Social de La Conduta Desviada, Amorrortu Editores, Buenos Aires, 1990, p. 22).
9. O positivismo científico, na área da criminologia, surgiu, no Século XIX, com a inauguração da escola positiva italiana em 1876, com a publicação de L 'Umo Delinquente, de Cesare Lombroso, que reage contra os fracassos da escola clássica no tratamento do problema criminal. Efectivamente, a escola clássica, representada por Beccaria, centrara a sua preocupação no sistema penal estabelecido de modo arbitrário; contudo a criminalidade ao invés de reduzir aumentara e diversificara‐se sem que a teoria clássica oferecesse uma explicação satisfatória. A escola positiva surge assim, num ambiente de crise, como alternativa da explicação das causas do crime, deslocando a investigação criminal para o próprio delinquente e propondo‐se tratar o crime com base nos métodos e instrumentos utilizados
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
15
pelas ciências ditas «objetivas». Como características fundamentais desta escola realça‐se o postulado determinista do comportamento e a rejeição do livre arbítrio de raiz metafísica. Entre os fundadores da escola positiva destacam‐se não só Lombroso, que se detém na questão antropológica, mas também dois dos seus discípulos: Enrico Ferri, que realçou na sua investigação sobre o crime os elementos sociológicos, e Raffaele Garófalo, que põem em destaque para a explicação do crime o elemento psicológico. A formulação da antropologia criminal de Lombroso contou com alguns trabalhos precursores que tentaram encontrar as causas do crime nos estigmas individuais do delinquente, caso das teorias fisiológicos (J. K. Lavater, Fragmentos Fisionómicos, 1775), que pretendiam diferenciar o criminoso pelos seus traços fisionómicos, das teorias frenológicas (F. Gall, Sur les fonctions du cerveau, 1791‐ 1825, H. Lauvergue, Les forçat considérés sous le rapport physique, moral ET intellectuel, observés au Bagne de Toulouse, 1848, e C, Caldwell, Elements of Phrenology, 1829), que procurou os sinais identificadores do delinquente no formato craniano, entre outros. Mas, foi com base em Darwin (The origin of species, 1859, e Descent of man, 1871) que formulou urna teoria baseada na natureza atávica de todos os delinquentes — o criminoso seria reconhecível através de certos estigmas físicos («dentição anormal», «assimetria do rosto», «orelhas grandes», «defeitos dos olhos», «características sexuais invertidas», etc.) correspondentes a um homem menos civilizado que os seus contemporâneos —, o que confirmaria estatisticamente. No entanto, perante as críticas que lhe foram dirigidas, Lombroso seria forçado a moderar a extensão da sua teoria, porém não ao ponto de corrigir alguns defeitos que serão definitivos para a sua descredibilização, nomeadamente defeitos técnicos, relacionados com a utilização de técnicas estatísticas inadequadas (Cf. C. Goring, The english convict, 1913), uma errada consideração dos estigmas físicos, que geralmente são uma consequência directa do meio social, uma infundada teoria genética, já que está excluída pela moderna teoria genética a regressão evolutiva até espécies anteriores. O pensamento de Ferri — considerado por alguns autores como o fundador da sociologia criminal —, no domínio da criminologia, foi exposto na sua obra Nuovi horizonti del diritto e della procedura penalle (1851) que serviu de base à sua obra principal Sociologia criminale (1892). Segundo ele, as causas do crime seriam não só de carácter antropológico e físicas, mas também sociais. Será neste autor que Durkheim irá encontrar uma grande parte da sua inspiração no tratamento social do crime, porém enquanto Ferri utiliza um método predominantemente empírico, a análise de Durkheim «faz‐se em profundidade e não se satisfaz com a mera descrição» (Lévv‐Bruhl, Op. Cit., p. 291). Por seu turno, Garófalo conta com uma extensa bibliografia dedicada ao tema da criminologia, de onde se destacam Criminologia (1885), Ripparazione alle vittime dei delitto (1887) e La superstition socialiste (1895). A sua obra está marcada pela tentativa de definição de um conceito sociológico de crime, concebido como violação dos sentimentos básicos da colectividade, a que se reconduzia a sua explicação psicológica do crime. As críticas ao positivismo não se fizeram esperar.
Tanto a sociologia criminal (Lacassagne, Tarde e Durkheim) como da antropologia criminal (Baer e Goring) criticaram o determinismo lombrosiano determinado pelassuas teses antropológico‐causais. Mas, o certo é que de certa maneira permanece o perigo das ideologias de tratamento que marcam uma vasta influência na política criminal, sustentando‐se, ao contrário do que defendia a escola clássica, não uma redução mas uma ampliação da reacção social ao crime, posição que leva Garófalo a admitir a hipótese de irradiação do delinquente quando fosse «incapaz para a vida social» (Cf. DIAS, Figueiredo, e ANDRADRE. Costa, Op. Cit, pp. 18‐
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
16
10. DURKHEIM, Émile, As Regras do Método Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 6.ª Ed., 1995, Prefácio à segunda edição original, p. 23.
11. Idem, p. 30.
12. ARON, Raymond, As Etapas do Pensamento Sociológico, Lisboa: D. Quixote, 1994, p. 323.
13. A atualidade da obra O Suicídio de Durkheim deve‐se em grande medida ao fato de estar na base da investigação de uma serie de condutas que se inserem no quadro dos desvios e que continuam a preocupar o mundo moderno. Isso não quer dizer que não haja nela um conjunto de aspectos cuja validade é hoje contestável, desde logo a validade das estatísticas (no caso, oficiais), a ambiguidade do conceito de anomia (Cf. Teoria da Anomia de Merton), as dificuldades de distinção do suicídio egoísta do anómico (Cf. DURKHEIM, Émile.
O Suicídio: Estudo Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 1996, p.286), etc. É ainda, por isso, uma obra de referência para a investigação social nos diversos domínios, nomeadamente na área da criminologia social ou sociologia criminal. Por isso, merece especial apreço a compreensão dos princípios e conceitos em que se estrutura toda a obra. Desde logo, Durkheim entende por suicídio «todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, acto que a própria vítima sabia dever produzir este resultado» (Idem, p. 10) (V. ARON, Raymond, Op. Cit., 1994, p. 325), ou, em síntese, o «ato de um homem que prefere a morte a vida» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 275).
14. DURKHEIM, Op. Cit.., p. 200.
15. DURKHEIM, Op. Cit., p. 207.
16. A esta tipologia Durkheim acrescentou ainda os suicídios fatalistas que se opõem aos suicídios anómicos: o suicídio fatalista, de modo inverso, é «aquele que resulta de um excesso de regulamentação» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 273, n.29).
17. ARON, Op. Cit., p. 329.
18. CUSSON, Maurice, «Desvio», in Rayrnoud BOUDON, Tratado de Sociologia, Porto: Edições Asa, 1995, p. 391.
19. Um facto social, segundo Durkheim, «é normal para um tipo social determinado, considerado numa fase determinada do seu desenvolvimento, quando se produz na média das sociedades dessa espécie, considerada na fase correspondente da sua evolução», DURKHEIM, Émile, As regras do Método Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 6.ª Ed., 1995, p. 84.
20. DURKHEIM, Émile, Op. Cit.., p. 87.
21. DURKHEIM Émile Op. Cit.., p. 86.
22. DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 86, nota 10.
23. DURKHEIM Émile, Op. Cit., p. 90.
24. LÉVY‐BRUHL, Henri, Op. Cit., p. 292.
25. TAYLOR, I., WALTON, P e YOUNG, I., Op. Cit., p. 298.
TEORIA DA ANOMIA
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
17
A palavra é de origem grega, a + nomos, donde a significa ausência, falta, privação, inexistência; e nomos quer dizer lei, norma; anomia significa, portanto falta de lei ou ausência de normas de conduta.
Este termo foi cunhado pela primeira vez por Émile Durkheim em seu livroO Suicídio. Durkheim emprega este termo para mostrar que algo na sociedade não funciona de forma harmônica. Algo desse corpo está funcionando de forma patológica ou "anomicamente." O conjunto de normas comuns que constitui o principal mecanismo para regulação das relações entre os componentes de um sistema social se desmorona. Durkheim qualificou “tal situação de anomia, no sentido de ausência de normas” Em seu famoso estudo sobre o suicídio, Durkheim mostra que os fatores sociais ‐ especialmente da sociedade moderna ‐ exercem profunda influência sobre a vida dos indivíduos com comportamento suicida.
Emile Durkheim conceituou anomia voltado para seu trabalho sobre a "Divisão do trabalho social" que a anomia como um fato social e patológico que merece análise. Quanto mais a sociedade avançava e os indivíduos que nela vivem se especializavam em suas profissões, esqueciam assim, do trabalho como um todo, perdendo a noção de conjunto, voltando‐se cada vez mais para sua especialização que pode ser considerada "a arte de saber cada vez mais de cada vez menos", em virtude desse isolamento, as normas sociais podem deixar de existir, pois as pessoas quando perderiam a noção de conjunto de sociedade, voltando‐se cada vez mais para si próprias esquecendo‐se da solidariedade que a sociedade necessita.
Em seu estudo sobre o suicídio e ao indicar diversos tipos, Durkheim da a um deles o nome de "suicídio anômico", apresentando dois quadros diferentes e aparentemente contraditórios. O estudo indicou um aumento no número de suicídios nas épocas de depressão econômica e nos períodos de prosperidade, em crescimento da economia. No primeiro quadro de aumento do número de suicídios nos períodos de depressão econômica, ocorre por que os indivíduos ao não conseguirem atingir os níveis de vida considerados pela sociedade, tal fracasso para muitos significa vergonha, desespero, futilidade do sentido da vida, que parece não valer apena ser vivida. Já no segundo quadro, podemos notar que Durkheim quis mostrar que, os homens têm desejos ilimitados, não existindo um limite as pretensões humanas, de modo que quando atinjam todos seus objetivos, ou percebam que podem conseguir o que quiserem, todas as pretensões passam a valer pouco, criando assim uma espécie de desencanto, conduzindo a um comportamento de autodestruição, ao notarem que podem tudo, considerando as normas de comportamento social, inúteis e conseqüentemente abandonam as normas de comportamentos socialmente prescritas, figurando o suicídio em casos extremos.
Em consequência para segurança da sociedade além de ter que manter um progresso na busca dos objetivos, de como serão alcançados, ainda assim ela tem que manter bem claro quais são esses objetivos.
ANOMIA E DIREITO
O direito intervém precisamente porque há comportamento de desvio no meio social, sendo o direito a resposta social a conduta anômica, independente da posição teórica que o observador tome, o direito é sempre entendido como norma social obrigatória. Kelsen reconhece que o direito é também uma ordem de coação exterior que se converte numa especifica técnica social, deixando que o direito funcione precisamente porque existe o comportamento contrário a ele e que o direito não pode ser infringido
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
18
ou violado pelos comportamentos antijurídicos, acentuando que ele desempenha sua função graças à antijuridicidade.
De modo geral, o direito oferece respostas à conduta de desvio observada na sociedade, e o faz em diversos planos de complexidade e com o recurso a diferentes razões práticas, inclusive buscando meios para sua realização. Não interessando muito o mundo das idéias e opiniões que não se revelam em comportamentos sociais, pois no mundo das idéias e opiniões não exteriorizadas, não transformadas em ação é inevitável encontrar comportamento de desvio.
Vejamos as principais definições de anomia a partir de Durkheim:
ROBERT BIERSTEDT (Sociólogo e Constitucionalista norte‐americano)
Segundo Bierstedt o termo tem sido empregado com três significados diferentes:
1 – desorganização social do tipo que resulta em um indivíduo desorientado ou fora da lei, com reduzida vinculação à rigidez da estrutura social ou à natureza de suas normas;
2 – conflito de normas, o que resulta em situações sociais que acarretam para o indivíduo dificuldades em seus esforços para se conformar às exigências contraditórias;
3 – ausência de norma, ou seja, situação social que, em seus casos limítrofes, não contém normas; é, em conseqüência, o contrário de sociedade, como anarquia é o contrário de governo.
E, resumindo, na anomia está presente a idéia de falta ou do abandono das normas sociais de comportamento, indicando desvio de comportamento, que pode ocorrer por ausência de lei, conflito de normas, ou ainda desorganização pessoal. Causas do comportamento anômico Em qualquer sociedade do mundo vamos encontrar comportamento de desvio; muitos sociólogos têm se empenhado para encontrar as causas do comportamento anômico; por causa entendemos aquilo que determina a existência de uma coisa: a circunstância sem a qual o comportamento não existe. É, pois, o agente causador do fenômeno social, sua origem, princípio, motivo ou razão de ser. Eliminada a causa, o fenômeno haverá de desaparecer. Já o fator, embora não de causa ao fenômeno, concorre para sua maior ou menor incidência. O estudo da anomia se preocupa com as causas porque de nada adianta combater os fatores sem eliminar as causas.
dos vários desenvolvimentos que conheceu, em Merton, Cloward, Ohlin, Parsons, Dubin e Opp, remonta aos estudos desenvolvidos por Durkheim, particularmente em A Divisão do Trabalho Social e em O Suicídio. O fato de o homem não viver num ambiente de eleição, mas sujeito a uma ordem «imposta», permite a Durkheim formular a sua concepção da anomia e estabelecer as condições da produção do crime.
A Divisão do Trabalho Social, cujo tema central incide sobre a relação do indivíduo e a coletividade, está dominada pela idéia de que a divisão do trabalho é portadora de uma nova forma de coesão social, a solidariedade orgânica. Nas solidariedades mecânicas, características das sociedades ditas «primitivas», a consciência coletiva cobre a maior parte das consciências individuais, pelo que se poderá dizer que o indivíduo está estreitamente integrado no tecido social. No caso das sociedades orgânicas, dominadas pela divisão do trabalho, a consciência coletiva apresenta uma menor extensão face ao indivíduo que se determina com uma maior autonomia. Porém, compreender a solidariedade orgânica como
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
19
correspondente a uma sociedade contratualista — marcada pela atomização do indivíduo cujos contratos se efetivariam num dado contexto interindividual — sem uma consciência coletiva mínima, não só constituiria uma paradoxal sociedade sem sociedade como «implicaria a desintegração social»12.
O normal será que a sociedade desenvolva os seus mecanismos de solidariedade, ainda que estejamos perante uma sociedade acente na diferenciação social e marcada pela especialização das funções. Isso não significa que não existam, no âmbito do processo de desenvolvimento da solidariedade social, algumas patologias na divisão do trabalho, como é o caso da divisão forçada e da divisão anômica do trabalho. Assim, se não existir uma adequada interação de funções e um eficaz sistema normativo capaz de regular essa interação, estaremos perante uma anomia na divisão do trabalho.
A teoria da anomia aparece também desenvolvida em O Suicídio13 que se revela, além do mais, como a primeira etapa da teoria do controlo social. O estudo do suicídio, que é um fenómeno especificamente individual, apesar de só em aparência, permitirá a Durkheim demonstrar as fortes relações entre o indivíduo e a coletividade. A estrutura da obra assenta no pressuposto da existência de três tipos de suicídios: o suicídio egoísta, «que resulta de uma individualização excessiva»14 e cujo grau de integração do indivíduo na sociedade não se apresenta suficientemente forte; o suicídio altruísta, que ao contrário resulta de uma «individualização insuficiente»15; e o suicídio anômico, que se relaciona com uma situação de desregramento, típica dos períodos de crise, que impede o indivíduo de encontrar uma solução bem definida para os seus problemas, situação que favorece um sucessivo acumular de fracassos e decepções propícias ao suicídio16. Pela observação de estatísticas oficiais, este autor observou que o suicídio era mais frequente nas comunidades protestantes que nas comunidades católicas, fenômeno que explicou através da noção de integração religiosa. No mesmo sentido, Durkheim verificou que o suicídio ocorria menos entre os indivíduos casados que entre os celibatários, viúvos e divorciados, situação que, segundo ele, se explicaria através da noção de integração familiar. Neste trabalho, notou ainda que a taxa de suicídios diminuía em períodos de grandes acontecimentos políticos, em que aumentava a coesão sócio‐política em torno da idéia de nacionalidade. A partir destas observações, o sociólogo francês pôde assim concluir que o suicídio variava na razão inversa do grau de integração da sociedade religiosa, familiar e política.
O suicídio altruísta apresenta‐se como a situação oposta ao suicídio egoísta. Um exemplo deste tipo de suicídio é o existente entre os esquimós, em que um velho que se torne um fardo para a coletividade se deixa morrer ao frio; um outro, que ocorre na índia, é o suicídio da mulher ou dos servidores de um defunto, os quais se deixam imolar no dia do seu funeral. Em qualquer dos casos, o indivíduo determina a sua morte por força de «um imperativo social interiorizado, obedecendo ao que o grupo ordena ao ponto de asfixiar dentro de si próprio o instinto de conservação»17.
O terceiro tipo de suicídio, o suicídio anômico, é estudado através do relacionamento do suicídio com os movimentos econômicos. A análise das estatísticas revelou que os suicídios aumentavam tanto em períodos de recessão como de crescimento econômico. O que se observa desses resultados é que «se a influência reguladora da sociedade deixa de se exercer, o indivíduo deixa de ser capaz de encontrar em si próprio razões para se auto‐impor limites»18. Numa época de rápidas transformações econômicas a ação reguladora da sociedade não pode ser exercida de modo eficaz e por forma a garantir ao indivíduo um
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
20
conjunto normativo conciliável com as suas aspirações. Ora, esta situação de desregramento, que lança o indivíduo num universo sem referências, caracteriza uma situação de anomia que corresponde, no fundo, a uma situação de dissociação da individualidade face à consciência coletiva.
As conclusões extraídas do estudo do suicídio permitem, como se referiu, enquadrar a construção durkheimiana nas teorias do controle social. Com efeito, um dos postulados definidos ao longo da sua obra foi o da necessária integração
social do indivíduo que revela uma maior tendência para a prática de certas «patologias» sociais, como o suicídio e o crime, quando desinserido do grupo social a que pertence. O fato de se verificar que as instituições tradicionais de coesão social (a família, a religião, etc.) não constituírem um fator de agregação eficaz das sociedades modernas, leva Durkheim a defender que o único grupo social capaz de favorecer a integração social é a profissão ou a empresa. Ora, se uma integração social do indivíduo poderá diminuir a sua tendência para se conformar com os imperativos sociais, isso significará de certa maneira que a sociedade terá de encarar uma grande parte das condutas suicidas e criminógenas como perfeitamente normais numa sociedade caracteristicamente dinâmica.
A Tese da Normalidade
A definição dos fatos sociais normais19 permitiu a Durkheim importantes considerações acerca da natureza normal ou patológica do crime, como resulta do seu estudo em As Regras do Método Sociológico.
O crime, definido como um «ato que ofende certos sentimentos coletivos»20, apesar da sua natureza aparentemente patológica, não deixa de ser considerado como um fenômeno normal, no entanto, com algumas precauções. O que é normal é que «exista uma criminalidade, contanto que atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, um certo nível»21. A sociedade constrói‐se, na verdade, em torno de sentimentos mais ou menos fortes, sentimentos cuja dignidade parece tanto mais inquestionável quanto mais forem respeitados. No entanto isso não quer dizer que todos os membros da coletividade partilhem dos mesmos sentimentos com a mesma intensidade. De fato, alguns indivíduos tenderão a interiorizar mais esses sentimentos que outros, o que explica que possam existir condutas que, pelo seu grau de desvio, venham a apresentar‐se como criminosas.
Isso explicará naturalmente a natureza do crime como um facto de sociologia normal. Essa constatação não impede contudo que se considerem algumas condutas como particularmente anormais, o que será perfeitamente admissível, segundo Durkheim, tendo em consideração alguns factores de ordem biológica e psicológica na constituição da pessoa do delinquente22.
Para além disso, o crime deverá ser reconhecido não como um «mal» mas pela sua função utilitária enquanto um indicador da sanidade do sistema de valores que constitui a consciência coletiva. Nesse sentido, o crime será mesmo um elemento promotor da mudança e da evolução da sociedade. É a este propósito que Durkheim refere peculiarmente que, face aos sentimentos atenienses, a condenação de Sócrates «nada tinha de injusto»23. Efetivamente, será esta dimensão do crime que explica que a mesma conduta poderá ser censurada por uma determinada sociedade num determinado momento da sua evolução cultural como poderá nada ter de censurável na mesma sociedade num outro e diferente momento da sua evolução cultural. Isso permitir‐nos‐à compreender que um ato criminoso
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
21
transpõe, de modo negativo, uma construção valorativa, de tal modo que poderá dizer‐se que «não há ato algum que seja, em si mesmo, um crime.
Por mais graves que sejam os danos que ele possa causar, o seu autor só será considerado criminoso se a opinião comum da respectiva sociedade o considerar como tal»24.
A ESCOLA DE CHICAGO
Estuda a influência da cidade (especialmente a Chicago, uma das maiores cidades do mundo no início do Século), no comportamento social. Destaca‐se, nesse ponto, o predomínio de sobre os sociólogos daquela universidade.
O crescimento acelerado de algumas cidades americanas, nos finais do Século XIX e início do Século XX, contribuiu para dificultar a vida da população (particularmente os migrantes e imigrantes), em especial no que tange à moradia. É aqui que surge uma espécie de cortiço, chamado tenement house, com condições absolutamente insalubres ‐ o qual virá a originar os guetos. Face à vigorosa discriminação por parte dos americanos natos, em função da acirrada competição por empregos e moradia, os guetos acabaram por se tornar os locais predominantes de residência dos imigrantes, locais de proteção e dignidade dessas famílias vindas de fora.
A gangue é outro fenômeno explicado pela cidade grande, especialmente entre os jovens das áreas e classes menos favorecidas. Ela se configurou em ponto de estudo dos sociólogos de Chicago, destacando‐se, dentre eles, Frederic Trasher, e Simmel.
Segundo Freitas, é nesse contexto de emergência de novos fenômenos sociais que surge uma modificação nas formas tradicionais de controle social. A igreja, a escola e a família desvanecem, cedendo espaço para um controle público, no qual é imprescindível o papel exercido pela lei. Emergem, então, outras instituições de controle, como a escola pública (instrumento de reprodução da ordem social) e a polícia (instrumento de repressão dos que desafiarem essa ordem).
Em seu segundo momento, a obra de Freitas, passa a tratar, especificamente, da cidade de Chicago ‐ a qual, segundo o autor, foi uma das três cidades americanas (as outras são Nova Iorque e Filadélfia) que mais sofreram o processo de urbanização acelerada. Chicago foi a que recebeu o maior número de imigrantes, tanto externos como internos (cujo maior grupo era formado por negros vindos do Sul). Em 1890, Chicago passou a ser a segunda mais populosa cidade dos Estados Unidos, avultando‐se a sua importância econômica graças ao seu vasto centro industrial e comercial. Paralelo a essa expansão ocorreu o crescimento da criminalidade, que foi atacada por uma política de repressão policial, cujo resultado apontou altos índices de encarceramento.
A terceira parte da obra enfoca a emergência da Escola de Chicago, dentro da Universidade de mesmo nome, demonstrando como ocorreu o seu surgimento e quais são as suas principais teorias. Segundo o autor, a Universidade de Chicago foi criada em meio ao contexto de crescimento urbano, com o intuito de fazer frente às universidades do leste americano. É a primeira universidade dos EUA que detém um Departamento de Sociologia (1892), nascedouro da Escola de Chicago, cuja história
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
22
abarca duas fases: a primeira (1915 a 1940), objeto deste estudo, e a segunda, posterior à Segunda Guerra Mundial (1945 a 1960).
Freitas afirma que a Escola de Chicago recebeu influência de duas correntes teóricas importantes: o formalismo e o pragmatismo. A fusão dessas duas é a responsável pela realização de estudos focados em cenas sociais observáveis. Segundo ele, a idéia da intervenção social e da reforma permeou a ação dos filósofos e sociólogos de Chicago.
Relembra as três vertentes principais das obras daqueles sociólogos:
1) o trabalho de campo e o estudo empírico; 2) o estudo da cidade, a envolver problemas relativos a imigração, delinquência, crime e problemas sociais; e 3) uma forma característica de psicologia social, oriunda, principalmente, do trabalho de George Herbert Mead e que veio a ser denominada interacionismo simbólico (Freitas, 2002, p. 52).
A Escola de Chicago tornou‐se respeitada entre os anos 1920 e 1930, especialmente em função dos trabalhos que estabeleceram relação entre a organização do espaço e a criminalidade. A partir daí, o crime passou a ser entendido como produto da urbanização, configurando‐se em um novo enfoque teórico de análise. O nome da Escola de Chicago também se alastrou por preconizar o método da observação participante e o conceito de Ecologia Humana.
Seus sociólogos desenvolveram um projeto, intitulado "Projeto Área de Chicago", com o intuito de criar vínculos entre os jovens e a promoção do bem‐estar, como forma de reduzir a criminalidade, por considerarem que esta se originava na desorganização social das áreas pobres. A preocupação de compreender a cidade (inclusive para atuar sobre seus problemas sociais) foi o que levou a Escola de Chicago a gerar a idéia da cidade como laboratório social.
Robert Park, um dos criadores da Teoria da Ecologia Humana e do método de observação participante, foi um dos principais teóricos da Primeira Escola de Chicago. No seu artigo The city: suggestions for the investigation for the human environment, Park sustentava que os mesmos métodos adotados pelos antropólogos poderiam ser empregados na investigação do homem civilizado, e entende o crime como algo não determinado pelas pessoas, mas sim, pelo grupo a que pertencem. Park propõe uma analogia entre a organização da vida vegetal e a da vida humana em sociedade. Assim, parece‐lhe que o comportamento humano seria modelado e limitado pelas condições sociais presentes nos meios físico e social. Em sua ótica, a teoria de Park propõe que as pessoas sejam vistas como conformistas, uma vez que agem de acordo com os valores e normas do grupo.
A teoria da Ecologia Humana fundamenta‐se em dois conceitos de ciência natural: 1) simbiose, e 2) invasão, dominação e sucessão, baseando‐se na perspectiva de vida coletiva como um processo adaptativo consistente da interação entre meio‐ambiente, população e organização. Ao estudar a criminalidade, essa teoria privilegia os aspectos sociológicos em relação aos individuais. O crime é, assim, considerado um fenômeno ambiental, compreendendo aspectos físicos, sociais e culturais. Contudo, não obstante a idéia da diversidade dos grupos sociais, os ecologistas seguiam a perspectiva
USJT ‐ UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU APOSTILA CRIMINOLOGIA – SOCIOLOGIA JURÍDICA ‐ PROF. IRINEU BAGNARIOLLI JUNIOR
23
funcionalista da sociedade consensual, na qual o Estado estaria encarregado de oferecer a proteção para o bem comum.
Somente no final da Segunda Escola de Chicago, a noção de conflito vai ter o seu espaço ampliado, juntamente com uma crítica às instituições dominantes, as quais darão origem a uma criminologia marxista, denominada "criminologia radical".
Uma importante contribuição da Primeira Escola de Chicago é a Teoria das Zonas Concêntricas, de Ernest Burgess, que explora os três últimos conceitos da ciência natural adaptados por Park. Essa teoria, divulgada no artigo The Growth of the City(1925), baseia‐se na divisão de Chicago em cinco zonas concêntricas, que se expandem a partir do centro, todas detendo características próprias e constante mobilidade, avançando no território das outras por meio de processos de invasão, dominação e sucessão.
Por ser a área que apresentava os maiores índices de criminalidade, Park e Burgess tomaram a Zona II como foco principal de análise. Freitas, nesse ponto, destaca que esses autores explicaram tal fenômeno por meio do processo de desorganização social, afirmando que, dele, decorria a concentração de crime e delinqüência na Zona de Transição. Em 1929, Clifford Shaw (um dos sociólogos de Chicago) empreendeu um teste da hipótese de Park e Burgess. Sua conclusão apontava que quanto mais próxima fosse a localização da zona em relação ao centro da cidade, maior a sua taxa de criminalidade. Além disso, constatou que as taxas mais altas indicavam os locais nos quais havia maior deterioração do espaço físico e população em declínio; e, por último, que, mesmo com as modificações da Zona II, as taxas de crimes permaneciam elevadas.
Como reconheciam a existência de um determinismo ambiental, os ecologistas viam nas infrações penais, uma imposição do meio físico e social. Dessa forma, somente a intervenção ‐ via políticas públicas preventivas ‐ poderia diminuir a criminalidade, mediante o aumento do controle social nas áreas pobres. É nesse contexto que Park criou a idéia do playground: ... áreas de lazer, mas que estariam voltadas para a formação de associações permanentes entre as crianças e seriam administradas ou monitoradas por agências que formam o caráter, como a escola, a igreja ou outras instituições locais, o que seria uma maneira de se criar vínculos positivos entre as pessoas a partir da infância, numa tentativa de preencher o espaço formador que antes era ocupado pela família, já que as condições da vida urbana fizeram com que muitos lares fossem transformados em pouco mais do que meros dormitórios(Park, apud Freitas, 2002, p. 86‐87).
Conceitos extraídos do livro: FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. “Espaço urbano e criminalidade: lições da Escola de Chicago”. São Paulo: IBCCRIM, 2002. 150 p. (Monografias, 22).