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Espaço e tempo: entrelaçamentos no processo de leitura e escrita do bloco alfabetizador
Resumo Este texto é fruto de investigações realizadas com professoras da rede pública que trabalham no bloco alfabetizador e pesquisadoras que compõe o grupo de pesquisa do subprojeto Alfabetização com Letramento: desafios da articulação entre teoria e prática, vinculado ao projeto do Observatório da Educação. O objetivo foi analisar as implicações do espaço e do tempo no processo de leitura e escrita do bloco alfabetizador. A metodologia teve uma abordagem qualitativa, e os instrumentos de coleta de dados utilizados foram questionários e registros fotográficos. A pesquisa procurou dar visibilidade ao modo como as professoras alfabetizadoras organizam o tempo e o espaço relacionados à leitura e escrita. As análises permitiram compreender que, na sistematização da leitura e da escrita, tempo e espaço não são concebidos como relevantes para o processo de aprendizagem dos alunos. Palavras‐chave: Espaço. Tempo. Leitura. Escrita.
Mara Luciane da Silva Furghestti
UNISUL [email protected]
Marileia Mendes Goulart UNISUL
Rosinete Costa Fernandes Cardoso UNISUL
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Introdução
O projeto do Observatório da Educação financiado pela CAPES/INEP1, intitulado: A
criança durante o processo de alfabetização e a dificuldade no acompanhamento da
turma na leitura e na escrita, propõe‐se a compreender os aspectos sociais, econômicos e
pedagógicos que determinam o perfil das crianças que não acompanham o processo de
alfabetização em relação à aprendizagem da leitura e da escrita. A partir desse objetivo,
pesquisadores e professoras do Bloco Alfabetizador2 se articulam em torno do
subprojeto “Alfabetização com Letramento: desafios da articulação entre teoria e
prática”, que tem como foco o estudo, a pesquisa e a reflexão de questões pedagógicas
que interferem na aprendizagem das crianças das classes de alfabetização.
Este artigo, que representa um recorte do subprojeto acima referido, propõe
analisar as implicações do espaço e do tempo no processo de leitura e escrita do bloco
alfabetizador, partindo do pressuposto que a organização destes norteia a prática
pedagógica, mobilizando atividades de leitura e escrita, nem sempre resultando no uso
social destas habilidades.
O percurso metodológico procurou dar visibilidade ao modo como as professoras
alfabetizadoras organizam o tempo e o espaço relacionados à leitura e à escrita,
utilizando, como instrumentos de coleta de dados, o questionário e os registros
fotográficos3. Os autores que sustentaram as discussões sobre o tempo e o espaço
foram: Antonio Viñao Frago; Agustín Escolano, e Gimeno Sacristán. Para leitura, escrita,
alfabetização e letramento, utilizamos Magda Soares, Luiz Carlos Cagliari, Sílvia Colello,
José Barbosa, entre outros.
A relevância do estudo justifica‐se pela constatação de que, muito embora, o
processo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita figura como alvo de muitos
1 O projeto aprovado em 2012 reúne uma doutoranda, três mestrandas, cinco graduandas, duas professoras
do Mestrado em Educação e três do curso de Pedagogia, e seis professoras das seis escolas públicas que constituem a amostra do projeto.
2 Adota‐se o termo Bloco Alfabetizador para referir‐se aos três primeiros anos do Ensino Fundamental. 3 Trinta e três (33) professoras do Bloco Alfabetizador responderam ao questionário composto de dez
questões, sendo estas abertas e fechadas, sobre a organização do tempo e espaço. Neste trabalho, são consideradas para as análises as questões voltadas, especificamente, para a leitura e a escrita. Os registros fotográficos foram realizados pelas pesquisadoras nas seis escolas componentes da amostra.
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estudos e pesquisas, permanece como um campo que suscita muitos questionamentos,
tendo em vista que, estando no bloco alfabetizador ou mesmo tendo concluído o Ensino
Fundamental, muitos alunos não conseguem ler e escrever, apresentando dificuldades
ou impedimentos na apropriação de outros conhecimentos.
Alguns anos após a implantação do ensino fundamental de nove anos, ainda há
questões que nos desafiam: qual é a lógica que hoje compõe o tempo e o espaço no
bloco alfabetizador? O que se tem privilegiado no cotidiano escolar no que tange à
alfabetização e ao letramento? Como os professores têm estruturado atividades de
leitura e escrita em relação ao tempo e ao espaço nos anos iniciais do ensino
fundamental?
Essas indagações mobilizaram o grupo de pesquisa tendo em vista os índices de
desempenho dos alunos, especialmente, na primeira etapa da Educação Básica.
O percurso do bloco alfabetizador
Em dezembro de 2006, há uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases Nacionais4,
que muda o tempo do Ensino Fundamental de oito para nove anos, embora, naquele
momento, as escolas não tivessem conhecimento real sobre as implicações e
desdobramento que essa mudança traria para o cotidiano das escolas e as conseqüências
dessa reforma nas questões curriculares.
Com a aprovação e publicação dessa lei, foram criadas normatizações que
orientam a organização do currículo, dentre elas o Parecer CNE/CEB nº 4, aprovado em
20/02/2008, que discorre sobre os três anos iniciais do ensino fundamental de nove anos,
com ingresso aos seis anos de idade. Esse parecer apresenta sustentação para as
questões pedagógicas, dentre elas destacamos o “ciclo da infância” com três anos de
duração, sendo o 1º ano parte integrante do mesmo, ratificando que este é um período
4 A Lei nº 11.274, aprovada em 06/02/ 2006, materializa a alteração dos artigos 32 e 87 da LDB nº 9.394/96,
instituindo sobre a ampliação do ensino fundamental de nove anos de duração, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade.
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dedicado à alfabetização e ao letramento, ao desenvolvimento das diversas expressões e
ao aprendizado das áreas de conhecimento.
Destaca‐se também a Resolução CNE/CBE nº 7, aprovada em 14/12/2010, onde são
definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental de nove anos,
sendo que, a partir delas, a organização curricular passa a ser de 5 (cinco) anos para os
anos inicias, com ênfase ao ciclo alfabetizador. Esta Resolução (BRASIL, 2010, p. 08)
define em seu artigo 30, inciso I: “Os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem
assegurar: I – a alfabetização e o letramento”.
Os documentos legais, sinalizam obrigatoriedade do ensino fundamental de 9
anos, enfatizam no bloco alfabetizador (1º , 2º e 3º ano) a aprendizagem da leitura e da
escrita, oferecendo um tempo maior para apropriação dos fundamentos da leitura e da
escrita, tanto para a vida escolar da criança, quanto para sua participação social.
A escola, lugar onde o aluno‐criança expressa suas relações sociais,
precisa ser repensada, em relação a organização do tempo e do espaço, partindo da
lógica da criança e não da lógica do adulto.
Para que a alfabetização seja trabalhada na perspectiva do letramento, conforme
as orientações, é preciso romper com paradigmas que concebem o ensino atrelado a
tempos rígidos e ,exclusivamente, entre quatro paredes. É preciso fazer da sala de aula
um ambiente propício para se desenvolver a leitura e a escrita, de modo significativo.
Espaços e tempos escolares
Os espaços e as estruturas das salas de aula e das escolas são extremamente
significativos. Por meio deles podemos compreender os propósitos, os ideais e os valores
de uma determinada época.
Na Idade Média, a educação se tornou compromisso da escola e a atividade de
ensinar passou a se desenvolver em espaços específicos, sem qualquer relação com a vida
prática dos alunos. Na primeira metade do século XVI, os colégios incorporaram a
organização espacial dos modelos de escolas realizados nos seminários, pois estavam em
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consonância com a RatioStudiorun e com os propósitos educacionais idealizados para a
época. O modelo da RatioStudiorun, introduzido pelos jesuítas no Brasil, oficialmente, até
1759, incorporou o modelo de Seminário e serviu de base para as escolas, em relação à
organização do tempo e do espaço, que demonstram a adesão à concepção do tempo
linear, da ordem, da hierarquia, caracteres importantes do modelo de educação.
Na idade moderna, conseqüência do processo de industrialização, a escola e o
relógio surgem como novos símbolos e desenham outra concepção espaço‐temporal,
estabelecendo‐se o tempo linear: do trabalho, da disciplina, do início e do fim, da
hierarquia e da ordem. E, nessa lógica, é que as escolas se organizam.
Segundo, Mariano Enguita (1989) e André Petitat (1994), as mudanças que foram
ocorrendo na vida dos sujeitos, impostas pela passagem do tempo natural ao tempo
racional do relógio e o uso do tempo como um instrumento de exploração do trabalho,
desvendam aspectos importantes da organização espaço‐temporal da escola moderna,
que mesmo originada a mais de duzentos anos, ainda mantém a mesma estrutura.
Assim, o tempo e o espaço à medida que passaram a disciplinar, organizar,
regularizar, homogeneizar, enfim, criar hábitos relacionados ao trabalho industrial, foram
introjetando nas crianças, adolescentes e jovens, sobretudo das classes trabalhadoras, os
sentimentos de docilidade e obediência para que, mais tarde, pudessem se adequar aos
modelos de vida de trabalho nas indústrias.
Na atualidade, esse modelo parece ainda estar muito presente nas escolas. Por
isso, pensamos em discutir com as professoras sobre a organização do tempo e do
espaço nos processos de alfabetização. Pensando no quanto a estrutura física e a lógica
na distribuição das atividades pode contribuir para uma alfabetização que mobilize
conhecimentos sociais.
É importante, mergulhar nas experiências das professoras para conhecer como
utilizam espaço e tempo e qual a lógica que está sendo pensada, uma vez que
acreditamos que esses revelam aquilo que, muitas vezes, não é dito, mas vai formando e
estruturando concepções e metodologias, subjacentes ao próprio projeto pedagógico
das escolas.
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Nesse sentido, questionamos quais os espaços que a escola possui, além da sala
de aula e como se organizam para utilizá‐los caso os tenham. Nas respostas trazidas,
aparecem dados significativos que nos levam a crer que ainda há uma lógica de
disciplinarização, pois, as turmas se organizam, segundos as professoras, quase sempre
em filas:
Professor 6 Escola C5 ‐ [...] As carteiras são enfileiradas (4 filas). O espaço não é bom é apertado, para fazermos um círculo fica difícil estar passando entre eles. Professor 2 Escola F ‐ As vezes uma carteira atrás da outra, outras vezes, em forma de U, outras vezes em duplas. Professor 3 escola D ‐ A minha sala de aula é organizada da seguinte forma: formação de cinco filas de carteiras, tendo 6 carteiras e cadeiras de cada fila.
E assim, cada professora vai descrevendo seu modo de se organizar. Por meio de
seus textos é possível perceber, também, as dificuldades, em relação ao tamanho das
salas e as condições existentes. Algumas professoras relatam que essa ordem, em fileiras,
se dá pelo fato de a sala ser muito pequena. Como podemos ver na resposta de uma das
professoras, que há tentativas por movimentos que privilegiem a aprendizagem:
Professor 6 da escola D. As mesas e cadeiras são distribuídas em filas organizadas e todos os alunos têm seu lugar pré‐determinado, porém a escolha prioriza os alunos com dificuldade de aprendizado, visão ou outro motivo que mereça mais atenção da minha parte. Essas filas não são estáticas e podem ser mudadas de acordo com o planejamento e com as dinâmicas que irão ser desenvolvidas assim como os alunos podem mudar de lugar sempre que necessário. Como o espaço é apertado inviabiliza, por exemplo, por os alunos num circulo. Professor 3 da escola E. Minha sala tem o cantinho da leitura, as carteiras são organizadas em fila. Gosto de mudar, pôr em círculos ou em grupos mas, às vezes, isso se torna empecilho, pois as meninas da limpeza não gostam muito, por isso quando tenho planejado uma atividade que necessite dessa disposição diferentes das carteiras, recorro a sala de jogos.
5 Os professores são identificados por um número e as escolas pesquisadas são identificadas por uma
letra.
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Segundo os pareceres das professoras, vemos uma escola que se ocupa de muitas
funções, sem priorizar as questões pedagógicas.
Foto registrada por uma das pesquisadoras do grupo Sala de aula de uma das escolas – 2013
As carteiras estão voltadas para frente da sala, onde se localiza uma mesa
retangular destinada à professora; atrás dessa mesa, está o quadro de giz. A disposição
dos móveis evidencia a posição social que ocupam professores e alunos e, deixa implícita
uma concepção pedagógica que disciplina gestos, falas e movimentos. Sacristan (2005,
p.17) faz um interessante comentário a respeito das salas de aula, ao dizer que estas não
são somente os móveis, mas um conjunto entre esses e as pessoas que a habitam, “seres
reais em processo de mudança, que estão enraizados em contextos concretos, que têm
suas próprias aspirações”.
Outro fato que chama atenção é que somente a sala de aula é vista como o espaço
da alfabetização. Assim, as professoras foram questionadas sobre a utilização de outros
espaços, além da sala de aula. Percebe‐se que das 33 professoras, 10 (30,3%) não
mencionaram nada, 11 (33,3%) disseram não utilizar outros espaços e apenas 14 (42,4%)
disseram utilizar.
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Tais dados fazem refletir que ainda se tem a sala de aula como um dos únicos
espaços para o aprendizado, embora as professoras tenham mencionado que a escola
possua laboratório de informática e biblioteca.
Ao serem questionadas sobre laboratório de informática, 30 (90,9%) delas
disseram que a escola possui, apenas 03 (9,9%) disseram não ter. Em relação à utilização
do mesmo, 15 (45,4%) disseram utilizar, geralmente, para jogos educativos e pesquisas e
18 (54,5%) não os utilizam.
Também em relação à biblioteca, 30 (90,9%) das professoras disseram que a escola
a possui e 03 (9,9%) disseram não possuir. O curioso é que 28 (84,8%) professoras
disseram que não utilizam esse espaço e apenas 05 (15,1%) utilizam. Em geral a utilização
ocorre através das trocas dos livros literários na biblioteca.
Foto registrada por uma das pesquisadoras do grupo Biblioteca de uma das escolas – 2013
As fotografias das bibliotecas mostram que em geral elas são pequenas, a maioria
dos livros são livros didáticos e o ambiente não é acolhedor, talvez estes sejam motivos
para o não uso desse espaço. Mas fica o questionamento: esse lugar é pensado como
espaço para a alfabetização? A escola olha para o espaço como um lugar também de
ampliação e qualificação do conhecimento?
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As professoras citam ainda que possui auditório, quadra coberta, pátios, salas de
vídeo e somente uma delas menciona o parque. No entanto, quando questionadas sobre
como planejam o uso desses espaços, elas dizem não utilizá‐los. Algumas utilizam‐nos,
esporadicamente, e uma usa quinzenalmente.
Professor 10 Escola C ‐ . [...] Além da sala de aula, o pátio e o auditório. São usados esporadicamente para atividades com jogos que envolvem a Matemática e a Língua Portuguesa e no auditório quando há eventos que envolvem toda a escola e filmes relacionados a conteúdos. Professor 1 Escola B ‐ Refeitório, auditório, quadra coberta, pátio, sala de informática, biblioteca, costumo usar o áudios fundos, auditório e a biblioteca, o auditório para teatros e vídeos, a biblioteca para contação de histórias, costumamos freqüentar quinzenalmente.
Talvez haja a necessidade de discutir espaço como lugar de produção do
conhecimento. Para Agustín Escolano (apud Viñao, 1995), nem o espaço, nem o tempo
escolares são dimensões neutras do ensino, simples esquemas formais ou estruturas
vazias da educação. Como pedagogias, tanto o espaço quanto o tempo escolar ensinam,
permitindo a interiorização de comportamentos e de representações sociais. Nessa
perspectiva, atuam como elementos destacados na construção social e histórica da
realidade.
Espaços e tempos para a escrita
A vida das pessoas em nossa sociedade se organiza em torno da escrita. As
práticas de leitura e escrita estão inseridas nos mais diversos momentos e espaços,
determinando várias funções. Segundo Colello (2010, p. 77) a escola é o lugar onde:
[...] o ensino da escrita abarca uma infinidade de saberes, habilidades, procedimentos e atitudes que se constroem em longo prazo pela possibilidade de, entre tantas coisas, conhecer letras e expressar sentimentos, decodificar sinais e interpretar o mundo, selecionar informações e articular ideias, escrever palavras e se relacionar com o outro, conhecer as arbitrariedades do sistema e aprimorar esquemas de organização do pensamento, desenhar traçados convencionais e recriar as dimensões humanas de tempo e espaço, respeitar normas e constituir‐se como sujeito autor, adestrar os olhos e viajar por meio da leitura, dominar a mão e usufruir o direito à palavra.
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Considerando essa ideia sobre o ensino da escrita, percebe‐se que é na escola
onde as crianças têm mais oportunidades de escrever, pois deveria ser uma atividade
planejada com o intuito de oportunizar as crianças a conviver com práticas reais de
escrita, por isso é preciso saber “o que se escreve, para quê, para quem e como”.
(Colello, 2012, p.136).
Ao serem questionadas sobre o tempo no horário escolar, destinados à escrita
como atividade de produção textual, obtivemos os seguintes resultados: 04 professoras
(12,1%) trabalham as atividades de escrita diariamente; 24 professoras (72,7%),
semanalmente; 02 professoras (6,6%), quinzenalmente; 02 professoras (6,6%),
mensalmente e 01 professora (3,3%) eventualmente.
Os dados acima revelam que a maior parte das professoras pesquisadas considera
relevante organizar o tempo escolar, semanalmente, pensando na importância da escrita
com atividades de produção textual para efetivar o processo de alfabetização, onde as
crianças produzem textos individuais, coletivos, frases e palavras de acordo com o
planejamento proposto.
Entretanto, o tempo destinado às produções escritas ainda não é o ideal, se
considerarmos que esta atividade deveria estar consolidada na rotina do planejamento, e
apenas 12,1% das professoras a organizam diariamente.
Por outro lado, somando‐se as produções diárias e semanais percebemos que
84,8% das professoras pesquisadas trabalham na tentativa de estabelecer uma rotina que
privilegia a escrita no bloco alfabetizador, o que representa um avanço nas práticas
efetivadas, no decorrer dos tempos.
Sobre a organização da escrita através da atividade de produção textual, seguem
alguns relatos das professoras pesquisadas:
Professora 1 da escola D: A produção textual ocorre todos os dias ou através de textos coletivos, ou frases, ou então, até mesmo, através da interpretação de histórias ou frases por meio de desenhos ou palavras. Há também a construção de novas palavras para a ampliação do vocabulário. Professor 3 da escola E: A Produção textual está implantada em meu planejamento. Acho importantíssimo o estímulo à produção textual. A
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introdução de trabalho com gêneros textuais abriu um leque de possibilidades de exploração para o incentivo à produção textual, formando consequentemente alunos letrados. [...] Tudo isso exige prática contínua da produção de textos em sala de aula e o contato com a diversidade de estilos textuais, os gêneros textuais. Professor 3 da escola C: Produção textual ocorre semanalmente com ajuda e mediação da professora. Professora 4 da escola D: Toda semana é criada uma oportunidade para criança usar sua imaginação, expor seus pensamentos e questionar‐se sobre a escrita das palavras que tem dúvidas.
As falas das professoras do bloco alfabetizador demonstram a necessidade de
organizar de modo, relativamente constante, o tempo escolar para que as crianças
produzam textos escritos, sejam coletivos com ajuda do professor, textos individuais,
frases ou outras formas de escrita espontânea. A produção escrita ainda precisa ser
melhor e mais valorizada pelos professores, uma vez que os conhecimentos podem ser
interpretados nos mais variados contextos, reais ou fictícios, por isso a necessidade de
ocorrer com mais frequência. De acordo com Cagliari (2009, p. 211):
Na alfabetização, a prática da produção de textos tem como objetivo ensinar os alunos a passar seus conhecimentos sobre a linguagem oral para a forma escrita. Numa segunda etapa, se cuidará para que o aluno aprenda a produzir textos de todos os tipos, conforme as exigências culturais e escolares.
Para desenvolver um trabalho comprometido com a alfabetização das crianças, os
professores podem oportunizar, constantemente, que as crianças produzam textos
espontâneos, feitos com liberdade, usando sua imaginação, seja com histórias
verdadeiras ou não, mas que sejam momentos de escrever sobre o que sabem ou o que
tiverem vontade.
De acordo com Colello (2010, p.117) “cabe ao educador criar condições para utilizar
o tempo e o espaço escolar em prol da intensificação das experiências de leitura e escrita,
um exercício constante e sistemático para promover a progressiva aprendizagem e o uso
das habilidades”.
Este contexto possibilita entender melhor a respeito da alfabetização e
letramento. Ao discutir sobre esta questão Soares (2010, p.47) afirma que “alfabetizar e
letrar são duas ações distintas, mas inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar
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letrando, ou seja, ensinar a ler e escrever no contexto de práticas sociais da leitura e da
escrita”.
Entretanto, diante dos dados apresentados, inicialmente, sobre o tempo da
escrita, ainda há uma realidade em que professores não consideram relevante o ensino e
a aprendizagem da escrita pelas crianças a partir de suas tentativas constantes, na qual
elas arrisquem a produzir palavras, frases ou pequenos textos espontâneos. Isto se revela
quando se verifica que 15,5% dos professores pesquisados não planejam com frequência
atividades em que as crianças possam produzir suas escritas. Esta realidade é reafirmada
nas respostas das professoras:
Professora 5 da escola B: A produção textual ocorre mensalmente de acordo com os temas estudados. Professora 2 da escola D: Eventualmente de maneira diversificada e simplificada, de modo que o educando passa entender o que está fazendo.
Para Colello (2012), a segregação entre aprender e usar a escrita em práticas
alfabetizadoras quase sempre está relacionado à desvinculação de contextos sociais do
uso da língua. Isso nos faz refletir sobre a necessidade de ampliar as oportunidades de
produção textual no espaço escolar, uma vez que essa atividade permite reproduzir ou
recriar a realidade por meio de inúmeras possibilidades de interpretação.
Ainda ao serem questionadas sobre o tempo no espaço escolar, destinado à
escrita como atividade de cópia, obtivemos os seguintes resultados: 24 professoras
(72,7%) dizem realizá‐la diariamente; 03 professoras (9,9%), semanalmente; 01 professora
(3,3%), quinzenalmente; 01 professora (3,3%), mensalmente; 02 professoras (6,6%),
eventualmente e 02 professoras (6,6%), não responderam.
Os dados acima evidenciam que a maioria das professoras pesquisadas considera
relevante organizar o tempo escolar, pensando na importância da escrita com atividades
que envolvam a cópia, diariamente, para efetivar o processo de alfabetização. Estes
também revelam que tais atividades ocorrem, exclusivamente, no espaço da sala de aula.
Tradicionalmente, a prática da alfabetização no Brasil era o trabalho feito com
leitura e cópia de forma mecanizada na transmissão do conhecimento. Mesmo com
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todas as tentativas de incorporar novas metodologias e práticas na alfabetização das
crianças e superar aquelas, exclusivamente tradicionais, ainda é comum, nas escolas,
professores que planejam atividades de escrita para as crianças, por meio da cópia,
seguindo a lógica mecânica, fragmentada e descontextualizada, existente nas cartilhas.
Na sequência, algumas declarações sobre a organização da escrita através das
atividades que envolvem o tempo destinado às cópias no espaço escolar:
Professora 3 da escola D: A cópia ela acontece diariamente, e para mim é de fundamental importância. Porque a escrita é parte necessária para o processo de alfabetização e letramento. Pois o aluno tem que saber escrever corretamente. Professora 2 da escola F: A escrita faz parte do dia‐a‐dia da alfabetização: para ensinarmos a ortografia que é um dos assuntos que devemos trabalhar pois está no plano de curso. Professora 2 da escola E: Os alunos copiam do quadro, quando o professor trabalha algo diferente. Como por ex: Folclore, 07 de setembro, etc.
Nos relatos expostos, observa‐se que algumas professoras consideram a cópia
como uma estratégia de ensino a qual possibilita ao aluno refletir sobre a escrita
enquanto lê e copia. O que, muitas vezes, pode ser um grande engano. A criança copia o
que vê no quadro, no livro, nos cartazes da parede da sala de aula, mas pode não
compreende o significado do que escreve e porque escreve.
O professor ao propor a cópia para a criança precisa dialogar e explicar qual o
objetivo eles terão na tarefa de copiar, seja descobrir uma letra, copiar uma receita para
ser trabalhada, para saber a letra que vem antes ou depois, diferenciar a letra maiúscula
da minúscula, entre outras. Para Cagliari (2009) essa proposta terá que despertar a
curiosidade do aluno e levá‐lo a refletir sobre esta escrita‐cópia. Caso contrário, a cópia se
traduz em ato mecânico que pouco – ou nada ‐ contribui para a alfabetização. O relato da
professora, a seguir, corrobora o que diz este autor.
Professora 3 da escola E: Em relação às cópias, posso dizer que não sou a favor. Não trabalho dessa forma. Se meus alunos copiam do quadro ou livro, o que é raro, temos um intuito. É uma atividade ou texto já trabalhando com eles, lido, explicado, discutido e daí então repassamos para os cadernos para futuros estudos e resoluções de atividades com o mesmo.
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Uma das atividades de cópia ainda comum na escola é das letras do alfabeto. As
crianças não conseguem visualizar na cópia das letras do alfabeto, algo além do que ela é,
a aprendizagem do traço oficial das letras. Mesmo que seja necessário saber esse
traçado, esta cópia, muitas vezes, torna‐se, aos olhos das crianças, perda de tempo
perante as suas iniciativas de aprender a escrever e ler.
Foto registrada por uma das pesquisadoras do grupo Sala de aula de uma das escolas – 2013
Atualmente, saber escrever e ler apenas usando a codificação e decodificação dos
sinais gráficos não é mais condição suficiente para a inserção plena da pessoa no
contexto social e cultural. Por isso, Soares (2010) defende a ideia de que não basta ser um
sujeito alfabetizado, em seu sentido específico na aquisição do código, mas que saiba
fazer uso da leitura e da escrita em práticas sociais, ou seja, ser também letrado.
Nesta direção, a organização do tempo destinado à escrita no espaço escolar deve
ser planejado e distribuído de forma a articular atividades que atribuam sentido à escrita,
que tem início quando a criança começa a conviver com as diversas manifestações da
escrita na sociedade e que se estende por toda vida com a possibilidade de usá‐la nas
práticas sociais. Contudo, é fundamental respeitar o desenvolvimento das crianças e suas
manifestações por meio do trabalho, envolvendo as diversas linguagens, pois se há uma
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lógica de tempo e espaço na escola, há também uma lógica, nas manifestações das
crianças, esta se dá por meio das múltiplas linguagens e, uma delas, é a leitura.
Espaços e tempos para a leitura
De acordo com Cagliari (2009), ler é mais importante e mais fácil que escrever e, a
prática da leitura deve iniciar logo no primeiro ano, oferecendo à criança, a escuta de
histórias, a decifração do som das letras em diversos contextos, pequenos textos dos
quais conheça o teor, como músicas, provérbios, adivinhações, entre outros,
promovendo um contato com a leitura que supere a montagem e desmontagem de
sílabas e palavras. Segundo o autor (2009, p.149):
Para ler não é preciso que a criança conheça todas as palavras do texto. Deixá‐la ler, levando‐a a refletir sobre as estratégias de leitura e o conteúdo do texto, é fundamental. Se se resolvem todos os problemas de antemão, não se está ensinando a criança, mas exigindo dela apenas o que já sabe.
Cagliari (2009, p.306) também nos diz que “Ler é decifrar e buscar informações”,
sendo a busca de informações uma ação que se dá depois da que a criança já decifra a
escrita. Quando a criança lê ou aprecia a leitura compartilhada, feita pelo professor,
materializa‐se aí uma ação fundamental na direção do desvelamento da linguagem escrita
e o conhecimento sobre o uso dos diversos tipos de texto.
A atuação do adulto na prática da leitura é exaltada por Barbosa, pois a
experiência deste o coloca como mediador entre a leitura e as crianças. O autor (1994, p.
136) afirma:
O adulto mediador da leitura é interprete de um mundo repleto de aventuras que permitem à criança alargar as fronteiras do seu próprio mundo. Com o apoio do adulto, ela descobre que a leitura lhe permite viver experiências pouco comuns no seu cotidiano; a trama do texto permite‐lhe experimentar sentimentos de alegria, tristeza, medo, angústia, encantamento. Com essas leituras, a criança já começa a conceber o livro como uma possibilidade de trocas interpessoais.
Quando questionadas sobre o tempo destinado à leitura, como atividade de
contação de história, os resultados foram: 08 professoras (24,2%) afirmam realizá‐las
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diariamente; 21 professoras (64,6%), semanalmente; 01 professora (3,3%),
quinzenalmente; e 03 professoras (9,9%), eventualmente. Percebe‐se que o percentual
mais significativo da prática de contação de história, 64,6%, se dá, semanalmente.
É sabido que ambientes promotores de férteis experiências com a leitura e a
escrita, além de estimular às crianças a ler e a escrever, cedo leva‐as a perceber os
diferentes textos que circulam em seu meio, sendo possível que identifiquem suas
características, emprego e propósitos. De tal constatação surge outra: é necessário que a
experiência com práticas reais de leitura, assim como aquelas voltadas à produção
textual, estejam presentes todos os dias na escola, possibilitando dirimir as diferenças
sociais que marcam a trajetória de muitas crianças.
Nos relatos abaixo apresentamos a descrição das professoras sobre a prática da
contação de histórias:
Professora 5 da escola C: Sim, sempre coloco nos planejamentos que de acordo com os conteúdos abordados utilizarei a leitura de alguma história para complementar. Também faço leitura para deleite no início ou final das aulas. Professora 3 da escola A: Na contação da professora procuro um livro que traga mensagem a respeito de nossa necessidade no momento: sextas‐feiras geralmente após a observação dos assuntos e questionamentos das crianças, as vezes notícias de jornais, assuntos da atualidade.
Para Barbosa (1994, p. 136) “antes de ser uma aprendizagem escolar, a leitura
revela uma dimensão social em que a criança vivencia antes de entrar na escola, por isso
as leituras na escola devem começar com textos e livros que tenham circulação social”,
possibilitando‐se condições para que compreendam o valor da leitura no meio social.
Ainda que a presença da contação de histórias na sala de aula não seja a
recomendada para atender as necessidades do processo de alfabetização, tendo em vista
que o índice mais expressivo foi para a prática semanal, considera‐se que esta atividade
tem sido mais explorada por parte dos professores, que passam a incluí‐la em seus
planejamentos. Sobre a leitura feita pelo professor Carvalho e Mendonça (2006, p. 36)
afirmam:
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A leitura compartilhada tem sido uma das estratégias mais eficientes para favorecer esse processo, para aproximar os alunos do mundo letrado, mesmo quando ainda não sabem ler. A leitura contribui para ampliar a visão de mundo, estimular o desejo de outras leituras, exercitar a fantasia e a imaginação, compreender o funcionamento comunicativo da escrita, compreender a relação fala/escrita, desenvolver estratégias de leitura, ampliar a familiaridade com textos [...] conhecer as especificidades dos diferentes tipos de textos, favorecer a aprendizagem das convenções da escrita, isso são algumas possibilidades. Para experimentá‐las, não é preciso ler por si mesmo. É possível ler ‘através’ do professor.
Ao comentar sobre a sala de aula enquanto espaço para as atividades de leitura 09
professoras (27,2%) mencionam existência do “cantinho da leitura”, como pode ser
observado na declaração abaixo:
Professor 2 da escola E: Sim! Na sala de aula existe o “cantinho da Leitura”, com os livros para os alunos ler. Cada aluno, durante o período em que é proposto para a leitura, pega seu livrinho e leva para a sua carteira, se houver dúvidas, o professor está disposto a socializar.
Araújo (2008) nos alerta para o fato de que, muitas vezes, as professoras
equivocam‐se na apropriação do “cantinho da leitura” quando, trazem para a sala de aula
textos variados, mas não sabem ao certo como explorá‐los. Neste sentido, Araújo (2008,
p.144) relata que “[...] é preciso que a ação docente se dê no sentido de provocar
múltiplas interações das crianças com os materiais que estão em exposição e, mais que
tudo, propondo situações de uso da linguagem escrita.” Na foto a seguir, um desses
espaços que, como pode ser observado, está sujeito, também, às condições físicas das
escolas, carecendo de melhorias que o tornem mais atrativo e acolhedor.
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Foto registrada por uma das pesquisadoras do grupo “Cantinho da leitura” de uma das escolas – 2013
Na questão que tratava do tempo para a leitura pelas crianças, 26 professoras
(79,7%) declaram que isto ocorre, diariamente; 06 professoras (18,1%), semanalmente; e 01
professora (3,3%), mensalmente. Supõe‐se que o índice de 79,7% (leitura diária pelas
crianças) tenha relação com o fato de que 04 professoras (15,1%) consideram que a leitura
de enunciados de atividades é atividade de leitura, como se pode observar nas respostas
abaixo:
Professora 8 da escola C: Leitura na biblioteca, os alunos leem tudo do quadro, e em folhas também que é preciso para resolver suas atividades. Professora 10 da escola C: As crianças leem tudo que é escrito no quadro (quando solicitado) atividades que recebem em folha e também os textos que trabalhamos. Leitura individual e coletiva.
Depreende‐se que as professoras se utilizam da leitura dos enunciados e textos de
forma a contribuir para que as crianças exercitem a decifração que, sem dúvida, é uma
ação importante no processo do aprendizado da leitura. Entretanto, ressalta‐se que a
urgência de se elevar os índices de letramento exigem novas práticas que possam
difundir a leitura, nelas incluídas gêneros e suportes com quais as crianças se sintam mais
familiarizadas, sendo possível à escola constituir‐se como elo mediador entre o mundo da
criança e o ato de ler.
Segundo Carvalho e Mendonça (2006, p. 21):
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A leitura é uma atividade que se realiza individualmente, mas que se insere num contexto social, envolvendo disposições atitudinais e capacidades que vão desde a decodificação do sistema de escrita até a compreensão e a produção de sentido para o texto lido. Abrange, pois, desde capacidades desenvolvidas no processo de alfabetização “stricto sensu” até capacidades que habilitam o aluno à participação ativa nas práticas sociais letradas que contribuem para o seu letramento.
As reflexões sobre as práticas referentes à leitura nas seis escolas pesquisadas
indicam a possibilidade de que este conhecimento e, portanto, as estratégias para sua
apreensão, sejam concebidas por algumas professoras de tal forma que, podem levar a
um acesso limitado desta habilidade, especialmente, pelas crianças que tenham uma
experiência mais restrita com a leitura. Pois, ao organizar o tempo e os recursos
empregados, apontam o desconhecimento de que se deve considerar que as crianças
constroem hipóteses sobre a leitura e a escrita a partir das experiências de seu meio
social, bem como, que o contato frequente com os materiais de leitura é fundamental
para ensinar a ler. Para ler é preciso ter contato com a leitura.
Considerações finais
A organização do tempo e do espaço escolar é edificação humana que vai sendo
construída no transcorrer da história assim, mudanças na estrutura espaço‐tempo das
escolas, podem favorecer o processo de ensino e aprendizagem, respeitando as crianças
enquanto sujeitos de direitos. Tais mudanças não se referem apenas a peças materiais ou
móveis dispostos num ambiente, mas representam formas de organizar e qualificar as
relações estabelecidas quer seja, entre o sujeito e o espaço ou deste com as outras
pessoas.
Foram constatadas limitações na organização do espaço e do tempo referentes à
prática da leitura e da escrita nas escolas pesquisadas, traduzidas na insuficiência quanto
à frequência com que as crianças leem e produzem textos, nos espaços pensados na
lógica do adulto e na exclusividade no uso a sala da aula como espaço de aprendizagem,
em detrimento de outros espaços existentes na escola. Contudo, há que se estacar a
presença da contação de histórias e o estabelecimento de uma temporalidade, mesmo
que semanal, nas tentativas de inovar a prática com a leitura e a escrita, apontando
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mudanças em curso, cabendo aos interessados fortalecer esses movimentos.
Nas salas de aula, as crianças encontram‐se em processos de mudança, imbricadas
em contextos reais, com necessidades e sonhos próprios que não mais se adaptam às
ideias que os adultos fizeram delas. Por isso, a organização do espaço e do tempo para as
práticas de escrita e leitura, deve superar os espaços geometricamente estruturados:
carteiras ordenadas e com atividades linearmente distribuídas, em horários e tempos
fixos. Esta organização deve viabilizar atividades pedagógicas de leitura e escrita que
propiciem a aprendizagem para todos, caso contrário, nossas crianças e jovens
continuarão passando durante anos no espaço escolar e não serão plenamente
alfabetizados.
Referências
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