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O grafismo dos grupos indígenas sempre chamou a atenção de cronistas e viajantes, desde a
chegada dos primeiros europeus ao Brasil. Além da beleza dos desenhos, o que surpreendia os não
índios era a insistência da presença desses grafismos. Os índios sempre pintavam o próprio corpo e
também decoravam suas peças utilitárias.
No entanto, durante muito tempo essas pinturas foram pouco estudadas pelos europeus. Era
considerada apenas uma atividade lúdica, sem maiores significados dentro da cultura indígena a não
ser o mero prazer da decoração. Há algumas décadas, estudiosos perceberam que o grafismo dos
povos indígenas ultrapassa o desejo da beleza, trata-se sim, de um código de comunicação
complexo, que exprime a concepção que um grupo indígena tem sobre um indivíduo e suas relações
com os outros índios, com os espíritos, com o meio onde vive...
"Por que você pinta seu corpo?" - perguntou um missionário europeu a um índio.
"E você? Por que não se pinta? Quer se parecer com os bichos?" - respondeu o índio.
Esse é um diálogo real, acontecido no século XVIII e registrado pela história. O indígena deu um dos significados, talvez o mais básico, de suas Pinturas: diferenciar-se de outros seres da Natureza. O índio pode se pintar. Quando quiser. Nenhum outro animal consegue modificar sua aparência, usando meios que não o próprio corpo, apenas pelo desejo de se embelezar, ou se destacar dos demais.
Os índios, e também todos os homens de qualquer etnia, conseguem opor sua opção cultural à realidade da Natureza. Nas discussões em que os filósofos questionam o que diferencia o homem dos outros animais, a resposta alcança sempre a arte. Somente os homens criam obras artísticas; sejam pinturas, músicas, histórias, etc...
Em resumo: quando o índio pinta seu próprio corpo, ele demarca seu lugar dentro de seu mundo. E o faz com rara beleza. O antropólogo Darcy Ribeiro escreveu que o corpo humano é "a tela onde os índios mais pintam e aquela que pintam com mais primor".
Para certas etnias, os grafismos possuem outra função: indicar se o indivíduo pertence a um determinado grupo dentro da sociedade indígena.
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A seguir vão peças feitas por índios do Xingu. Apesar dos desenhos serem diferentes, é possível verificar um padrão gráfico semelhante neles:
Objetos de índios do Xingu, em sentido horário: espátula de madeira
usada para preparar alimentos, cerâmica para assar beiju, panela
em forma de tartaruga e máscara representando espírito
A seguir, quatro cumbucas de cerâmica, cada qual feita por uma etnia diferente, com seus grafismos tradicionais:
em sentido horário a partir do alto à direita: cerâmica dos índios Asurini, do Pará;
dos índios Mehinaku, do Parque do Xingu/Mato Grosso;
dos índios Kadiwéu, de Mato Grosso do Sul e
dos índios Wai Wai, do Pará
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A pintura corporal dos indígenas é aplicada ao corpo, portanto possui uma importância estética, mas a função social mágico-religiosa é essencial à sua aplicação, sendo tarefa exclusiva das mulheres que as praticam como verdadeiro hábito. As mulheres sempre apresentam com uma mão (paleta) suja de tinta e a outra branca a que segura. Os motivos são sempre geométricos, obedecendo a linhas retas e quebradas, formando triângulos ou quadrados. Os motivos decorativos das faces e do corpo possuem denominações que se referem ao meio ambiente, como flora e fauna, ou mesmo objetos do cotidiano. Segundo alguns estudiosos, para a sua definição exata seria necessário a identificação dos autores. A pintura corporal nas crianças significa carinho e interesse pela socialização das crianças, elas passam horas pintando seus filhos, é através do corpo se seu filho que elas aprimoram e têm mais liberdade na sua aplicação. Nos adultos a pintura obedece a um padrão mais rígido de acordo com categoria a que pertencem.
Por sua vez as mulheres se pintam mutuamente, evento este que acontece a cada oito dias, formando uma sociedade de mulheres divididas em grupos por idades, que podem ser casadas, idosas, solteiras, jovens. Cada grupo de mulheres tem sua chefa, o que diferencia os grupos e a pintura facial enquanto a corporal é a mesma.
▲ Aplicação dos motivos decorativos na face. ▲ As mãos da pintora: A mão paleta (escura
com tinta) e a mão que segura o suporte (corpo) a ser pintado.
► Instrumentos da pintura
indígena, feixe e estiletes feitos
com nervura da folha de babaçu,
recipiente de ouriço de coco
contendo jenipapo misturado com
água e carvão, pentes riscadores
e carimbo.
▲ Aplicação da pintura corporal e o uso dos
instrumentos de pintura indígena.
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▲ Aplicação da pintura corporal.
◄ Desenho base para a face e seus
significados.
► Sequência mostrando a maneira
correta de aplicação do desenho base
na face. Percebe-se também a riqueza
de detalhes encontrados na elaboração
do grafismo e o uso do material da
pintura.
► Ao lado: Pinturas femininas cotidianas
para ocasiões específicas:
1: Tep-mibe, sem e com pala (peixe).
2: à-ká-pruk, sem e com pala (enviazado).
3: Nhanderu, sem e com pala (Deus).
4: pék-hnô-ualk, sem e com pala (guerra).
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► Ao lado: Pinturas masculinas cotidianas
para ocasiões específicas (frente e verso):
1: a-mi-kra, dedo de jacaré, fim do ritual
para iniciação masculina.
2: djoi-mrõ-ko, fim de resgardo.
3: Katob-ôk, pintura cerimonial de caça.
4: me-ã-tonk, pintura cerimonial para
casamentos.
5: m’’embu-bitchiangri, fim de resgardo.
▲ Aplicação de grafismos em objetos.