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Daniel Cerqueira
Fabio de Sá e Silva
Renato Sérgio de Lima
Julita Lemgruber e Leonarda Musumeci
Alberto Kopittke
Isabel Figueiredo
José Vicente Tavares dos Santos
Samira Bueno
Arthur Trindade M. Costa
Almir de Oliveira Junior
Helder Ferreira
Política Nacional de Segurança Pública Orientada para a Efetividade e o Papel da Secretaria Nacional de Segurança Pública
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Política Nacional de Segurança Pública Orientada para a Efetividade e o Papel da Secretaria Nacional de Segurança Pública
Daniel Cerqueira
Fabio de Sá e Silva
Renato Sérgio de Lima
Julita Lemgruber e Leonarda Musumeci
Alberto Kopittke
Isabel Figueiredo
José Vicente Tavares dos Santos
Samira Bueno
Arthur Trindade M. Costa
Almir de Oliveira Junior
Helder Ferreira
Brasília, julho de 2017
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Sumário
1. POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA ORIENTADA PARA A EFETIVIDADE E O PAPEL DA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA Daniel Cerqueira ............................................................................................................................ 4
2. “BARCOS CONTRA A CORRENTE”: A POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA DE DILMA ROUSSEFF A MICHEL TEMER Fabio de Sá e Silva ....................................................................................................................... 16
3. EFETIVIDADE NAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA: O QUE FUNCIONA SEGUNDO AS BOAS PRÁTICAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS Renato Sérgio de Lima ................................................................................................................. 33
4. CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA E O PAPEL DO GOVERNO FEDERAL Julita Lemgruber e Leonarda Musumeci ..................................................................................... 40
5. A (IN)CAPACIDADE INSTITUCIONAL DO GOVERNO FEDERAL NA SEGURANÇA PÚBLICA Alberto Kopittke .......................................................................................................................... 48
6. A GESTÃO DE INFORMAÇÕES E O PAPEL DA SENASP Isabel Figueiredo ......................................................................................................................... 59
7. INOVAÇÃO NO ENSINO POLICIAL: HISTÓRIA E LIÇÕES José Vicente Tavares dos Santos ................................................................................................. 67
8. O PAPEL DA UNIÃO NO FINANCIAMENTO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA Samira Bueno .............................................................................................................................. 79
9. A SENASP E AS POLÍTICAS ESTADUAIS DE SEGURANÇA Arthur Trindade M. Costa............................................................................................................ 89
10. A SENASP E O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA SEGURANÇA PÚBLICA: O CASO DAS GUARDAS CIVIS MUNICIPAIS Almir de Oliveira Junior ............................................................................................................... 94
11. CENÁRIOS PROSPECTIVOS E DESAFIOS NA SEGURANÇA PÚBLICA Helder Ferreira .......................................................................................................................... 102
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1. POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA ORIENTADA PARA A EFETIVIDADE E O PAPEL DA SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Daniel Cerqueira
INTRODUÇÃO
Este Boletim de Análise Político-Institucional (Bapi) especial
objetiva discutir os elementos essenciais para a construção de uma
Política Nacional de Segurança Pública orientada para a efetividade,
tendo o papel do Governo Federal e, em particular, da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (Senasp), como fio condutor das
análises.
Naturalmente, não desconhecemos que as reformas estruturais e
constitucionais são elementos cruciais para garantir maiores níveis de
eficiência e efetividade a todo o sistema de segurança pública1. No
entanto, o objetivo do debate aqui proposto segue no sentido de pensar
o que se pode avançar, mesmo com tais restrições. Ou seja, admitimos
que – ainda considerando a rigidez e lacunas conceituais do que seja a
segurança pública, explicitadas na carta maior – é possível
estabelecermos uma política de segurança pública efetiva que aponte
para a reversão do quadro dramático de criminalidade violenta no país.
Centramos nossas reflexões na premissa de que as políticas
orientadas para a efetividade pressupõem não apenas boas ideias sobre
o que fazer, mas ainda mecanismos de governança que permitam que
as ações sejam desenvolvidas a contento e tenham êxito. Neste ponto,
discutiremos aqui menos as ideias sobre os programas que funcionam e
mais os elementos para a capacitação e a arquitetura institucional que
1Estamos nos referindo, sobretudo, às restrições ditadas pelo artigo 144 da CF: i) que prevê a divisão do ciclo policial estadual entre duas organizações policiais, militar e civil; ii) que não reconhece o papel dos municípios e das guardas municipais na segurança pública; e iii) que atrela as policias militares e os corpos de bombeiros militares como forças auxiliares e reserva do Exército Brasileiro. A ênfase sobre mudanças incrementais na gestão e na capacitação institucional explicitadas no presente boletim, não deve significar, contudo, nenhum desestímulo ou perda de ênfase às necessárias reformas constitucionais, cujas questões centrais foram discutidas na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 51/2013.
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possibilite que as ações possam ser postas em práticas, monitoradas,
avaliadas e reordenadas.
Em um contexto internacional em que, desde a década de 1960, a
descentralização do poder de polícia2 e o papel dos atores políticos
locais tem sido a tônica para explicar as práticas mais efetivas na
segurança pública3, a importância dos governos centrais tem sido
fortemente direcionada para a ação indutora, capacitadora e promotora
do desenvolvimento institucional e informacional.
A menos que questões pontuais4, não acreditamos que a
operacionalização direta pelo Governo Federal nas ações de segurança
pública possa render resultados efetivos e duradouros. Confiamos que o
papel central do Governo Federal, no campo da segurança pública, de
modo a gerar maior efetividade e sustentabilidade, deva ser baseado no
tripé indução, capacitação e financiamento de entes federativos.
Neste ponto, o papel da Senasp é central não apenas no sentido
de promover, por meio de indução aos entes federativos, as políticas que
funcionam, mas ainda por garantir um intercâmbio de tecnologia,
conhecimento e capacitação tanto no que concerne ao treinamento das
forças policiais, como em termos de conhecimento sobre mecanismos de
gestão da segurança pública. Neste contexto, o “financiamento” amarra
a estrutura, criando os incentivos para a indução e capacitação
federativa.
2 Ver Bayley (2001) e Tonry e Morris (2003). 3Curiosamente, contra todas as evidências internacionais sobre o processo de descentralização da segurança pública e ainda tendo em vista o papel pífio que o Governo Federal brasileiro veio desempenhando na segurança pública, está em trâmite no Congresso Nacional uma PEC Nº 6/2017, que objetiva federalizar a segurança pública, incorporar as polícias civis à Polícia Federal, unificar as polícias militares em uma Polícia Militar da União e unificar os corpos de bombeiros militares em um Corpo de Bombeiros Militares da União.
4 Para além de questões legislativas, o emprego das Polícias Federal, Rodoviária federal além, eventualmente, do Exército é fundamental para coibir determinadas dinâmicas criminais, com consequências sobre a criminalidade urbana, como o controle de fronteiras e de crimes transnacionais, bem como pelo apoio no trabalho de inteligência e contrainteligência e na identificação de grupos de extermínio, entre outras.
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No entanto, essa visão do papel do Governo Federal na Política
Nacional de Segurança Pública (PNSP) não é consensual no aparelho de
Estado e veio sofrendo avanços e retrocessos desde a criação da
Senasp, em 1997. Sobre esse ponto, no segundo artigo deste boletim,
Fabio de Sá e Silva pontuou os esforços do Ministério da Justiça (MJ) e,
em particular, da Senasp, em 2011, para formular um Plano Nacional
de Prevenção e Redução de Homicídios, o qual apresentava avanços em
relação aos pressupostos defendidos nos artigos desta publicação. Tais
iniciativas foram, contudo, frustrados por relutância da própria
presidenta Dilma Rousseff, para quem a segurança pública era matéria
essencialmente estadual, devendo a União entrar apenas de maneira
subsidiária e em casos como "crime organizado", "uso de drogas" e
"grandes eventos". Para acomodar essa visão, o MJ e, em particular, a
Senasp formularam o Plano "Brasil Mais Seguro" e a Operação "Brasil
Integrado", que nem de longe foram capazes de gerar a inovação
necessária à conformação de uma PNSP mais robusta.
Já em 2015, houve nova reversão na direção da política pública,
quando o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, determinou a
formulação do que seria um "Pacto Nacional de Prevenção e Redução de
Homicídios"5, em que ações mais abrangentes e de cunho preventivo
deveriam estar no centro das atenções. Conforme lembrou Sá e Silva,
por diversas razões - em especial a resistência da Senasp-, as
aspirações foram frustradas. Ao final de 2016, havia uma impressão
generalizada, por parte de especialistas, que o "pacto" repetiria diversos
equívocos de processos passados, como a multiplicidade e a
desarticulação de ações. Pouco depois, o país mergulharia de vez na
crise política e o debate sobre o pacto seria descontinuado. Mais que
isso, iniciado o governo Temer, a PNSP passaria por uma brusca
reorientação, cuja direção sepultou de vez as aspirações pela adoção de
respostas consistentes ao complexo problema da violência letal no país
pelo Governo Federal. 5 Os princípios que norteariam o Pacto foram debatidos com vários especialistas, sob a mediação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto ao MJ.
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Assinalado os avanços e retrocessos na história recente das
políticas nacionais de segurança pública, cabe voltarmos ao tripé para a
qual as energias do Governo Federal deveriam se voltar na construção
de alternativas eficazes a favor da paz social que deve envolver a
indução, capacitação e financiamento de entes federados.
INDUÇÃO E CAPACIDADES ESTATAIS DO GOVERNO FEDERAL
Para falarmos sobre “indução” e conseguirmos aprofundar a
agenda institucional do Governo Federal na segurança pública urge, em
primeiro lugar, destacar os elementos presentes nas boas práticas
internacionais e nacionais que lograram êxito e que, portanto, deveriam
servir de parâmetro para definir a direção das políticas a serem
induzidas.
No terceiro artigo deste boletim, Renato Sérgio de Lima
apresentou os três pilares presentes nas experiências bem sucedidas
que conseguiram diminuir de forma substancial e duradoura a
criminalidade violenta, sendo eles: i) articulação e pactuação política
entre o governo e os vários atores sociais em torno da paz social, com
base em ações preventivas focalizadas, sobretudo nas crianças e jovens;
ii) o estabelecimento de um sistema de repressão qualificada, baseada
no uso intensivo da informação e na inteligência policial; iii) e,
mecanismos de gestão que possibilitem a integração das agências
estatais em torno de objetivos comuns e metas a serem perseguidas.
Demarcada a direção das políticas, cabe a reflexão sobre a
arquitetura institucional que capacitaria o Governo Federal a induzir
estados e municípios a perseguirem os objetivos supramencionados. No
quinto artigo Alberto Kopitkke descreveu o desenvolvimento dos
arranjos institucionais na gestão da segurança pública nos Estados
Unidos da América (EUA) e no Reino Unido, e comparou com o
arcabouço totalmente deficiente e insuficiente do Governo Federal no
Brasil e, em particular, da Senasp. Naqueles países, houve o forte
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investimento para gerar capacidades estatais6 que possibilitassem a boa
gestão das políticas de Estado. Nesse sentido, foram criados vários
órgãos e instituições não apenas para impulsionar a pesquisa científica
no setor, mas para aperfeiçoar os sistemas estatísticos, para induzir
novas políticas e estratégias de prevenção e para garantir o controle
institucional e a efetividade das polícias, entre outros objetivos. De fato,
a comparação com o Brasil chega a ser chocante ao notar que a Senasp
conta com pouquíssimos servidores próprios, além de pertencer a um
ministério altamente complexo que trata desde a questão indígena,
passando pelo processo de nomeação de ministros do STJ e chegando a
questões de justiça, exilados políticos e direito do consumidor.
Em particular, destacaremos dois pontos centrais que se referem
aos sistemas informacionais necessários para amparar a tomada de
decisão dos gestores federais e aos mecanismos de controle externo da
atividade policial.
Não obstante as limitações apontadas anteriormente, devemos
reconhecer que há no MJ, desde o ano7 2000, uma percepção acerca da
importância de se produzir indicadores e estatísticas nacionais de
criminalidade. Isabel Figueiredo, no sexto artigo deste boletim, analisou
os percalços nessa trajetória pela constituição de um sistema
informacional no âmbito da Senasp, desde o Infoseg ao Sistema
Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre
Drogas (Sinesp). Quase duas décadas depois e mais de R$ 100 milhões
investidos apenas no Sinesp, lamentavelmente, não dispomos de um
sistema minimamente qualificado que pudesse orientar as políticas
indutoras, capacitadoras e que possibilitassem o monitoramento e a
avaliação das ações.
Segundo Figueiredo, além do difícil conflito federativo que envolve
o compartilhamento de informações por organizações fundadas na
cultura do sigilo, existem três percalços que obstaculizaram a 6 Melhor do que investimentos em programas de um ou outro governo. 7 Quando a Senasp organizou a primeira oficina de trabalho nacional sobre indicadores de criminalidade.
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construção de um sistema federal de informações criminais efetivo. O
primeiro deles refere-se à ausência de prioridade política, com exceção
do período compreendido pelo primeiro governo da Dilma Rousseff8. O
segundo diz respeito à falta de objetivos claros para o qual o sistema
deveria servir: se para fornecer informações para a tomada de decisão e
execução da política pública de segurança ou se para atender a outros
objetivos e demandas operacionais e de inteligência. Por fim, houve uma
falta de foco sobre quais seriam as informações relevantes e os
protocolos de alimentação de informações em que se pensou até em
coletar informações online dos sistemas estaduais.
Ou seja, a experiência dos últimos anos partiu de uma ênfase em
investir em tecnologia sem saber muito bem quais são os dados
relevantes, para que eles serviriam e quais os critérios de alimentação e
validação dos dados necessários.
Outro tema de extrema importância, que tange à capacidade do
Estado brasileiro para fazer funcionar adequadamente as instituições
policiais na garantia dos direitos de cidadania, diz respeito aos
mecanismos de controle externo das polícias, que foi o objeto das
análises de Julita Lemgruber e Leonarda Musumeci, no quarto artigo
deste Bapi.
Conforme apontado pelas autoras, existe uma grande lacuna
institucional sobre a questão, uma vez que o Ministério Público não
cumpre essa missão, ditada no artigo 129 da CF, o que é reconhecido,
inclusive, por significativa parte dos promotores. Por outro lado, as
ouvidorias de polícia, que desde meados da década de 1990 tentaram
ocupar o vácuo deixado pelos MPs, não lograram atingir os objetivos
desejados por conta de inúmeras restrições políticas e materiais.
Portanto, há uma clara necessidade de articulação e tensionamento
político para que ou o MP cumpra a sua missão constitucional ou para
que se crie outra instância de controle como o Conselho Nacional de 8 Além do investimento financeiro apontado acima, foi sancionada a Lei Nº 12.681, de 4/07/2012, que instituía o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas – SINESP.
10
Polícias ou a Ouvidoria Nacional de Polícia, para tomar emprestado o
exemplo britânico. Neste quesito, cabe destacar a importância que teria
a participação do GF e a da Senasp nesse debate e articulação.
Com base nas boas experiências internacionais, Lemgruber e
Musumeci avaliaram que algumas condições seriam desejáveis no
arranjo institucional proposto à agência controladora: i) independência
política e em relação às agências reguladas; ii) existência de um
mandato abrangente, com a provisão de recursos adequados e apoio da
sociedade civil; iii) trabalho proativo não apenas no desvio individual de
conduta, mas nos padrões institucionais de trabalho; e iv) atuação
cooperativa com as organizações policiais, no sentido de compartilhar
responsabilidades e solução de problemas.
CAPACITAÇÃO
A capacitação para desenvolvimento de ações e políticas públicas
efetivas no âmbito federativo se dá em dois planos: no plano
operacional, que envolve a capacitação de policiais e guardas
municipais e no plano de elaboração e gestão das políticas públicas
estaduais e municipais, que compreende o apoio e a capacitação de
gestores e de mecanismos de governança local.
No que concerne ao primeiro plano, a ênfase do trabalho deveria
ser voltada para mudar a concepção militarista da segurança pública,
que privilegia o confronto e o uso da força, para uma abordagem que
entende o ofício do policial como um agente voltado, precipuamente,
para a segurança e garantias de direito do cidadão, onde o processo de
capacitação deveria aliar teoria e prática, para auxiliar o dia-a-dia do
profissional.
Baseado nessa premissa, José Vicente Tavares dos Santos
analisou, no sétimo artigo, os avanços e retrocessos, nas últimas
décadas, das ações e programas voltados para a educação policial,
11
desde o trabalho pioneiro do professor Paixão, em Minas Gerais nos
anos 1980, passando por inúmeras experiências locais e chegando à
implementação da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança
Pública (Renaesp), em 2005. Contudo, ainda que esse “movimento”
tenha aproximado a comunidade acadêmica do universo dos agentes de
segurança pública, Santos concluiu que, a despeito de avanços
individuais, os programas e políticas não lograram transformações nas
culturas institucionais das polícias e em uma mudança da rotina do
policial em sua atividade diária. O autor lembra ainda de uma proposta
apresentada em 2016 pela Senasp, mas nunca implementada, da
criação de uma Escola Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública
(Enaesp), que contemplaria, inclusive, um centro de excelência em
ensino e valorização dos profissionais de segurança pública no Brasil.
No que se refere à indução e capacitação de mecanismos de
governança local, Arthur Trindade Costa e Almir de Oliveira Junior
analisaram o papel da Senasp nas políticas de segurança pública
estaduais e municipais nos artigos nono e décimo, respectivamente.
Ambos os autores concordaram sobre a importância da Senasp nesse
contexto, ainda que reconheçam que a sua atuação é bastante limitada
e longe de um patamar que se considerasse minimamente desejável.
Costa lembrou que, para a maioria das unidades federativas, o
investimento em segurança pública é financiado, substancialmente,
pelo GF, uma vez que os orçamentos estaduais se encontram quase
integralmente comprometidos com os gastos para custeio e pagamento
de pessoal. Por outro lado, o mesmo autor apontou uma grande lacuna
nessa atuação uma vez que o MJ se restringe a financiar, basicamente,
o reequipamento das polícias estaduais, num processo burocrático e
não estratégico, bem diferente do que ocorre em outros países, em que o
GF se ocupa de oferecer assessoria técnica para planejar, implementar e
avaliar projetos inovadores. O autor descreve, inclusive, vários
exemplos de como a falta de uma atuação proativa, estratégica e
capacitadora em termos de mecanismos de governança por parte do GF
12
pode ter influenciado decisivamente no fracasso de vários projetos
estaduais.
Oliveira Junior, por outro lado, apontou a forte influência
exercida pela Senasp para a centralidade e maior participação dos
municípios na segurança pública, bem como para o crescimento na
criação de Guardas Municipais, a partir dos anos 2000 e, sobretudo,
após o Pronasci. Por outro lado, não obstante a sanção do “Estatuto
Geral das Guardas Municipais”9, o autor entende que haveria ainda um
papel mais proativo no sentido do GF buscar trabalhar um modelo de
atuação preventiva das Guardas Municipais que transcendesse a visão
mais simplória de se reproduzir meramente um modelo policial
coercitivo nos municípios à imagem da atuação das Polícias Militares.
Nesse ponto, caberia à Senasp investir fortemente não apenas na
orientação, mas em assessoria técnica para facultar um maior nível de
governança nas políticas municipais de segurança pública.
FINANCIAMENTO DA PAZ
O tema sobre o financiamento da segurança pública é crucial não
apenas no que se refere à uma perspectiva estratégica de
sustentabilidade financeira de programas preventivos em um horizonte
temporal maior, mas também por servir de mecanismo indutor de
políticas efetivas de segurança pública por estados e municípios. Ou
seja, o financiamento pelo GF seria pensado como um instrumento não
de atendimento às demandas no varejo por recursos pelos entes
federativos para compra de viaturas e equipamentos, mas para induzir
as mudanças para a paz, a partir do investimento direcionado para o
fortalecimento dos três pilares das políticas efetivas de segurança
pública, descritas por Renato Sérgio de Lima e apontadas no início
deste artigo.
9 Lei 13.022/2014.
13
Samira Bueno, no oitavo artigo, problematizou a questão do
financiamento da segurança pública no Brasil. Um primeiro ponto
destacado pela autora diz respeito à “falta de coordenação de um
projeto nacional com foco na redução dos crimes violentos, em especial
os crimes contra a vida, (...) que resultou na baixa capacidade de
indução e coordenação do Governo Federal”. A autora contrasta esta
falta de foco claro de atuação e de mecanismos de coordenação da
segurança pública com os arranjos institucionais e de financiamento
em outras áreas de políticas públicas, como na saúde, assistência social
e educação, que conta com ministérios estruturados e mecanismos de
repasse fundo a fundo para estados e municípios.
Uma segunda questão levantada por Bueno diz respeito à
flutuação nos montantes de recursos transferidos a estados e
municípios, junto ao forte comprometimento orçamentário do MJ junto
a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e, mais recentemente, Força
Nacional. Assim, a baixa dotação orçamentária para repasses, aliada à
flutuação temporal dos recursos e à grande burocracia necessária para
o fechamento e prestação de contas dos convênios constituem grandes
óbices que precisam ser superados.
CENÁRIOS PROSPECTIVOS E DESAFIOS FUTUROS
Em um projeto conduzido pelo Ipea, junto com dezenas de
especialistas de inúmeras organizações, foram produzidos cenários
prospectivos em segurança pública no Brasil. Helder Ferreira, no
décimo primeiro artigo, elencou seis desafios futuros da nação
embutidos nesses cenários, que deveriam estar no centro de
preocupação de qualquer política nacional para a manutenção da paz.
14
O primeiro desafio se relaciona ao principal tópico debatido neste
artigo acerca da governança deficitária nas instituições de segurança10.
O segundo se relaciona à questão do financiamento, com a
possibilidade de crises na segurança pública (como se observou mais
recentemente no Espírito Santo e no Rio de Janeiro), oriundas da
precarização das instituições de segurança e escassez de recursos
financeiros. Em terceiro e quarto lugares surgem dois fatores
dinamizadores da violência letal, que vêm sendo observados há vários
anos e diz respeito ao aumento da criminalidade, expansão do mercado
de drogas ilícitas e fortalecimento das organizações criminosas
(sobretudo dentro das prisões), e o fácil acesso e descontrole sobre a
circulação de armas de fogo. Como consequência desses elementos,
existe o desafio de mudar a percepção negativa da política de segurança
pública e baixa confiança na polícia. E por último, há o desafio de
alterar o elo de propagação da violência pela consolidação do Estado
policial, com a criminalização de jovens negros e pobres nas periferias
urbanas.
CONCLUSÕES
Uma política efetiva de segurança pública, no sentido de reverter
o grave quadro de crise que vivemos, pode e deve ser liderada pelo
Governo Federal. Para tanto há que se mudar totalmente a direção do
que vem sendo observado nos últimos anos, em que a ênfase baseada
na abordagem de “comando e controle”, de repressão ostensiva e de
superencarceramento11 não apenas se mostrou ineficaz, mas tem
contribuído para dinamizar os ciclos de violência na sociedade, com alto
número de vítimas civis e policiais.
10 Ou seja, ausência de avaliação dos programas, descontinuidade política e financeira de programas e ações, baixa capacidade de execução de recursos federais por estados e municípios, falta de comprometimento dos atores políticos das diversas esferas de governo etc. 11 Sobretudo contra negros jovens e com baixa escolaridade, residentes nas periferias das regiões metropolitanas.
15
Nesse contexto, o papel da Senasp é crucial e passa pela
estratégia de indução, capacitação e financiamento de ações
inovadoras, visando três eixos: a refundação do atual modelo de
atuação das polícias, para uma abordagem em que a repressão
qualificada seja orientada pela inteligência e informação; o incentivo à
construção de modelos de governança nos estados e municípios, em que
os métodos gerenciais venham a substituir a improvisação e o
voluntarismo; e a mobilização e articulação dos atores sociais,
sobretudo para a prevenção, com ações voltadas para o
desenvolvimento infanto-juvenil.
Contudo, não bastam boas cartas náuticas, temos que construir
navios capazes de nos levar ao destino pretendido. E isso passa por um
processo de reordenamento da arquitetura institucional do Governo
Federal na área de segurança pública e por um processo de
investimento nas capacidades estatais da Secretaria Nacional de
Segurança Pública, hoje totalmente obsoleta.
REFERÊNCIAS
BAYLEY, David (2001). Padrões de Policiamento: Uma Análise
Internacional Comparativa. São Paulo. Editora USP.
TONRY, Michael; MORRIS, Norval (2003). Policiamento Moderno.
São Paulo. Editora USP.
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2. “BARCOS CONTRA A CORRENTE”: A POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA DE DILMA ROUSSEFF A MICHEL TEMER
Fabio de Sá e Silva
INTRODUÇÃO
A partir de 2015 e, em especial, de 2016 – ano marcado pelo
impedimento da presidenta Dilma Rousseff e a chegada de Michel
Temer à Presidência da República –, as políticas federais entraram em
ciclo de profundas mudanças. A agenda foi radicalmente alterada,
refletindo a ascensão de uma nova coalizão política ao poder, da qual a
agenda de reformas (fiscal, trabalhista e previdenciária) é apenas a face
mais evidente. As estruturas de governança foram igualmente alteradas,
com a fusão e a eliminação de Ministérios (Ferreira et al 2016) e
mudanças na relação entre Estado e Sociedade12. Por fim, em diversos
órgãos, emergiram novas práticas de gestão, as quais incidem
diretamente sobre as expectativas dos cidadãos para o acesso a serviços
e a efetivação de direitos13.
A Política Nacional de Segurança Pública (PNSP) guarda relação
ambígua com tal cenário. Por um lado, o setor já era palco de
duradouro impasse, para o qual os governos do PT tiveram capacidade
limitada de dar respostas14. Por outro lado, com a nomeação de
12 Para a estrutura federal em geral, ver Avelino, Alencar e Costa (no prelo). Exemplo tópico na área deste texto foi a renúncia coletiva de sete membros do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) em função de discordâncias sobre a forma pela qual o Ministério da Justiça passou a se relacionar com esse órgão, instituído pela Lei de Execução Penal como interface entre Estado e Sociedade. Ver registro em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-01/integrantes-do-conselho-de-politica-penitenciaria-pedem-renuncia-coletiva, acesso em 10 Jul. 2017. 13 Exemplo tópico em área relevante para este texto foi o que ocorreu no Ministério da Justiça e Cidadania – unidade criada logo após a posse de Temer reunindo os antigos Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria de Políticas para as Mulheres e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – onde, por meio da Portaria n. 611 de 10/06/2016, o então Ministro Alexandre de Moraes centralizou a execução de todas as despesas de convênios, diárias, e passagens em seu gabinete. Essa medida impôs descontinuidades e instabilidades em várias áreas de políticas públicas, conforme registro em http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/portaria-do-ministerio-da-justica-afeta-politica-de-direitos-humanos.html, acesso em 10 Jul. 2017. 14 Esse impasse resulta: 1. Do aumento da violência e da criminalidade, 2. Da ineficácia dos sucessivos planos nacionais de segurança pública adotados desde o governo FHC, e 3. Da incapacidade de nossas elites políticas e burocráticas para formularem e implementarem soluções de política pública mais aptas ao enfrentamento desses problemas – soluções essas que, na experiência brasileira pós-CF/1988,
17
Alexandre de Moraes para a Justiça logo da posse de Michel Temer, o
setor entrou prontamente na rota das mudanças que marcaram o
advento do novo governo. Este texto busca consolidar uma
compreensão da ação dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer em
relação a esse setor.
Para tanto, além de trabalhos anteriores (Sa e Silva 2012, 2013 e
2014), o texto se apoia em dados reunidos pessoalmente por meio de
acompanhamento, análise e mesmo assessoramento (algumas vezes
informal) do Executivo Federal entre 2009 e 2016. Trata-se, assim, de
narrativa até certo ponto autoral, mas que se pretende objetiva e, em
todo caso, é carregada de informações originais sobre um período até
então pouco explorado da PNSP.
O texto está organizado em quatro seções, além desta Introdução.
As seções dois, três e quatro sistematizam as iniciativas levadas a efeito
nos Governos Rousseff I e II, bem como as esboçadas no Governo
Temer, respectivamente. A seção cinco tece considerações finais.
REFORMULAÇÕES, RESISTÊNCIAS E REPOSICIONAMENTOS: A
PNSP NO GOVERNO DILMA 1
Para o acompanhamento e a análise de políticas federais,
cerimônias de posse são sempre fonte privilegiada de informação. Por
um lado, elas são os espaços nos quais, por excelência, as autoridades
enunciam sua visão sobre um setor: que problemas enxergam, como
pretendem atacá-los, que iniciativas imediatas pretendem adotar e sob
que limites, eventualmente, parecem operar. Por outro lado, elas trazem
sinais de importantes reconfigurações da burocracia pública. Enquanto
alguns ascendem (o que às vezes se expressa até fisicamente, no lugar
que ocupam nos recintos, nos anúncios de cerimonial, nos aplausos da
plateia), outros perdem espaço ou mesmo se retiram de cena. Rápidas encontraram seu melhor formato nos sistemas de política pública, como ocorreu na saúde, na educação e na assistência social.
18
avaliações das trajetórias e redes dos indivíduos e grupos representados
em cada uma dessas posições nas cerimônias de posse permitem
antecipar, com alguma segurança, as rupturas e continuidades
vindouras em uma política pública.
A posse de José Eduardo Cardozo como Ministro da Justiça do
primeiro governo Dilma Rousseff não escapou a essa condição. Mais
que isso, entre a agenda que enunciou e as reconfigurações
burocráticas que promoveu, esse evento revelou os novos estágios do
histórico impasse vivenciado na Segurança Pública.
Em seu discurso, Cardozo incorporou os dois principais
elementos do que, nos bastidores de Brasília, era dito ser a abordagem
da presidenta Dilma Rousseff para o setor. Primeiro, um entendimento
mais rígido das competências federativas, que prevenir e combater a
violência era tarefa, por excelência, dos estados. Segundo, uma
concessão em favor da maior atuação da União (e dos Municípios), mas
apenas nas hipóteses bastante específicas do “crime organizado”, do
combate ao “consumo de drogas” e da promoção da segurança de
grandes eventos15. Ao mesmo tempo, Cardozo alocou na Secretaria
Nacional de Segurança Pública, a SENASP, a advogada Regina Miki que,
por sua vez, convidou para atuar como um de seus principais Diretores
o também advogado Alberto Koptikke. Juntos, Miki e Koptikke traziam
acúmulo em sentido bastante diverso do que parecia ser o “comando”
da Presidenta e do Ministro.
Miki havia sido Secretária Municipal de Segurança Pública em
Diadema, posição na qual se destacara por desenvolver, com sucesso,
iniciativas locais para a prevenção de crimes violentos, tais como
homicídios e violência doméstica. Depois disso, atuou como Secretária
Executiva do Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP) e do 15 Disse Cardozo (2011): “É sabido que no âmbito da repartição das nossas competências federativas, a segurança pública, em sentido estrito, é uma tarefa acometida aos Estados. Todavia... é chegada a hora de articularmos e executarmos um verdadeiro Pacto Nacional de combate ao crime organizado, à violência e ao consumo de drogas... O Brasil terá diante de si, em breve, a realização de eventos internacionais de grande envergadura, onde estaremos sob os holofotes de todo o mundo...”.
19
Comitê Organizador Nacional da I Conferência Nacional de Segurança
Pública (CONSEG), ocasiões nas quais demonstrou bastante destreza
na promoção do diálogo entre Estado e Sociedade Civil e entre as várias
corporações da Segurança Pública. Já Koptikke, jovem ávido vindo ao
Ministério da Justiça como assessor de Tarso Genro, havia atuado com
Miki na reformulação do CONASP e coordenado a CONSEG. Em 2010,
assumiu a Secretaria Municipal de Segurança Pública de Canoas, no
Rio Grande do Sul, onde esteve à frente da implementação local de
diversos projetos que compunham o portfólio do PRONASCI16. Cada
qual ao seu modo e em seu lugar, portanto, ambos vinham sendo
agentes de transformação da PNSP17 – orientação que, aparentemente,
não era a mesma que guiara suas nomeações para a SENASP.
Em meados de 2011, Miki e Koptikke ofereceram a Cardozo um
Plano Nacional de Prevenção e Redução de Homicídios (Ministério da
Justiça 2011). O Plano tinha quatro componentes: 1) Informação; 2)
Investigação; 3) Polícia e Comunidade; e 4) Prevenção. Com o primeiro
componente, objetivava-se estruturar o Sistema Nacional de
Informações Estratégicas de Segurança Pública (SINESP), uma
ferramenta de gestão para o Plano, gerando insumos para o diagnóstico
da situação, o planejamento das ações, e o monitoramento e a avaliação
destas. Com o segundo componente, objetivava-se estruturar 473
“Unidades de Preservação da Vida”, formadas por 1.117 equipes
multidisciplinares, intersetoriais e interagenciais, que atuariam na
resolução de casos de homicídio de acordo com padrões internacionais.
16 O PRONASCI ou Programa Nacional de Segurança com Cidadania foi a forma adotada pela PNSP no Governo Lula 2. 17 Esse juízo leva em conta certas características problemáticas e históricas da PNSP, as quais configuram os maiores entraves para avanços neste setor. São elas: 1. A repartição rígida das competências federativas, com a prevalência do Estado como unidade federada responsável pela segurança, o que impede a um só tempo a elaboração de soluções nacionais e a incidência sobre dinâmicas locais de reprodução da violência e da criminalidade; 2. A centralidade da atuação repressiva e ostensiva (“Rota na Rua”), em detrimento da preventiva; 3. A prevalência de agentes e organizações de segurança (policiais) na formulação de políticas para o setor, em detrimento de outros profissionais (multidisciplinaridade) e de organizações da sociedade civil (participação social); e 4. A manutenção intocada das formas organizacionais (polícias) herdadas do período pré-1988, em especial a dualidade entre polícia civil e militar.
20
Com o terceiro componente, objetivava-se estruturar “Grupos
Especializados de Policiamento e Ações Comunitárias”, em que agentes
da polícia, do Executivo e da comunidade conceberiam conjuntamente
estratégias para prevenir e reprimir a violência. Com o último
componente, pretendia-se estruturar 1.300 núcleos de prevenção da
violência, que incidiriam sobre fatores de risco, em articulação com
sistemas e equipamentos de política social (CRAS, CREAS, postos de
saúde e escolas) e também com os “Grupos Especializados...”. Tais
ações seriam implementadas em um subconjunto de 400 municípios
brasileiros, priorizados por concentrarem número significativo de
mortes violentas (“79,17% dos homicídios haviam ocorrido em 7,18%
dos municípios” brasileiros, destacava a apresentação do Plano).
O Plano também dispunha de uma estrutura de governança
complexa, mas adequada aos seus propósitos. Esta envolvia Comitês de
Governança, Comitês Gestores e Câmaras Técnicas na União, nos
Estados e nos Municípios, aos quais também se ligavam estruturas de
consulta e participação. O orçamento total para o período de 2011 a
2014 era de R$ 3,35 bilhões.
O Plano oferecia, assim, contribuições razoáveis para a superação
de alguns dos limites que marcavam a trajetória da PNSP desde a
redemocratização. Se é verdade que não propunha maiores alterações
no arcabouço institucional do setor – apostando, pois, na estratégia
incremental que marcara o período Lula –, suas proposições soavam
bem mais sólidas e maduras que as do Plano implementado no governo
Lula 118 ou as do PRONASCI19.
18 O Plano Nacional de Segurança Pública do Governo Lula 1 tinha contornos bastante ambiciosos, chegando a propor profundas reformas nas polícias e a reconfiguração do setor na forma de um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Entre seus resultados positivos, destaca-se a celebração de convênios com municípios e organizações da sociedade civil em projetos preventivos e a incidência nas práticas de formação de policiais e outros agentes da segurança, com a criação da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (RENAESP). No entanto, o Plano não foi capaz de alterar os padrões de investimento federal – nos quais a maior parte dos recursos era destinada a compras de equipamentos para as polícias – nem de promover as alterações institucionais que prometeu para o setor (reformar as polícias e construir o SUSP).
21
O descompasso entre essas proposições e as expectativas de
Dilma Rousseff foi, porém, logo e definitivamente explicitado – e
decidido, obviamente, em favor desta última. Por algum tempo, os
detalhes desse processo foram apenas objeto de conversas de corredor
em Brasília. Coube a Luiz Eduardo Soares, Secretário Nacional de
Segurança Pública no primeiro governo Lula, enunciar publicamente os
termos nos quais ele teria se dado. Em artigo para o jornal Folha de São
Paulo, Soares (2011) registrou que:
“Uma equipe qualificada do ministério trabalhou todo o primeiro
semestre na elaboração de um plano de articulação nacional para a
redução dos homicídios dolosos, valorizando a prevenção, mas com
ênfase no aprimoramento das investigações.
Um plano consistente e promissor, que não transferia
responsabilidades à União, mas a levava a compartilhar
responsabilidades práticas. Em meados de julho, chegou a data tão
esperada: o encontro com a presidente. O ministro passou-lhe o
documento, enquanto o técnico preparava-se para expô-lo.
Rápida e eficaz, tranquila e infalível como Bruce Lee, a presidente
antecipou-se: homicídios? Isso é com os Estados. Pôs de lado o
documento e ordenou que se passasse ao próximo ponto da pauta”.
Sendo ou não exata essa descrição, fato é que os eventos ao qual
Soares se referiu deixaram marcas profundas na PNSP do governo
Dilma 1. Koptikke deixou o Ministério e retornou ao Rio Grande do
19 O PRONASCI é a marca da PNSP no Governo Lula 2, tendo como mote a prevenção e como público-alvo jovens residentes em áreas vulneráveis. Tais ações contribuíram para a mudança do paradigma repressivo-ostensivo da PNSP, mas foram ofertadas na forma de soluções preconcebidas (ex.: Protejo e Mulheres da Paz) às quais Estados e Municípios simplesmente “aderiam”. Ademais, o PRONASCI contava com nada menos que 94 ações, o que tornava difícil compreender, monitorar e avaliar o sentido do que estava sendo “transferido” aos Estados e Municípios. O Plano proposto por Miki e Koptikke criava melhores condições de pactuação, monitoramento e avaliação de soluções no âmbito local, até porque tudo isso seria feito de maneira mais bem alinhada com outras políticas, equipamentos públicos e iniciativas de polícia de proximidade.
22
Sul20. Miki continuou à frente da Secretaria, em que permaneceria até a
deposição da presidenta Dilma. Sua gestão, porém – e a de Cardozo,
como um todo –, seria incapaz de articular saltos qualitativos como os
que haviam sido propostos no Plano rejeitado por Dilma.
O período 2011–2014 é, com efeito, marcado por relativa inércia
em relação às soluções de política pública adotadas desde o primeiro
governo Lula, com a manutenção e renovação de inúmeros convênios
para projetos de prevenção, reaparelhamento das polícias, capacitação
das forças de segurança e pesquisas. Há ainda algum grau de inovação,
em especial com a aprovação de lei que instituiu o SINESP e determinou
que a alimentação do sistema seria um requisito essencial para a
liberação de verbas de fundos federais a Estados – medida, porém,
relativamente inócua pelo insuficiente poder de indução programática
que sempre acometeu a União. Todavia, e talvez o mais importante, há
considerável reposicionamento da PNSP em conformidade com os
“comandos” emitidos por Dilma21.
As iniciativas programáticas que se seguem bem ilustram esse
fato. Em meados de 2012, sem cerimônia de lançamento, o MJ passou
a divulgar um novo Plano Nacional de Segurança Pública, que tinha
como componentes: 1. Um Plano Estratégico de Fronteiras; 2. O
Programa “Crack, é Possível Vencer”; 3. Ações de Combate às
Organizações Criminosas; 4. Um Programa Nacional de Apoio ao Sistema
Prisional; 5. Um Plano Nacional de Segurança para Grandes Eventos; 6.
O mencionado SINESP; e 7. Um Programa de Enfrentamento à Violência
(Ministério da Justiça 2011). Este último adquiriria certa autonomia,
receberia o rótulo de Brasil Mais Seguro e ensejaria um projeto piloto no
Estado de Alagoas, cujo Plano de Ação também foi objeto de divulgações
esparsas pelas autoridades do MJ (Ministério da Justiça 2011, 2013 e
s.d.). 20 Em 2012, Koptikke seria eleito vereador em Porto Alegre e, em 2016, tornaria a responder pela pasta da Segurança em Canoas. 21 A expressão “comando” é nativa da burocracia federal para se referir às orientações do (a) presidente (a).
23
No conjunto, esse novo Plano sugeriria três grandes novidades. A
primeira dizia respeito à agenda federal, agora mais preocupada com
crime organizado, uso de drogas, sistema prisional e segurança de
grandes eventos (itens de 1 a 5 do Plano supra) do que com prevenção e
redução das manifestações mais cotidianas da violência urbana, como
roubos e homicídios (itens 7 do Plano supra, na forma de projeto piloto
no Estado de Alagoas).
A segunda dizia respeito à relação entre entes federados, na qual
ganhavam destaque as competências executivas da União e dos
Estados. Componentes como Combate ao Crime Organizado, Segurança
nas Fronteiras e Segurança de Grandes Eventos tinham como lócus de
gestão organizações federais como Exército, Polícias Federais e
Ministério Público Federal, enquanto o Brasil Mais Seguro tinha como
elemento crucial o fortalecimento da polícia civil e da perícia,
organizações de caráter tipicamente estadual. Já as guardas municipais
e programas de prevenção ou projetos sociais, cujos lócus de gestão
são, em geral, municipais, ocupavam posição bem mais discreta do que
tinham vindo a ocupar no passado recente, notadamente no PRONASCI.
Todavia, o Plano era baseado na concepção de que o governo
federal devia desempenhar apenas função de apoio aos governos
(estaduais) na produção e gestão das ações. Em relação ao Programa
Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, o então diretor-geral do
Departamento Penitenciário Nacional afirmou, em entrevista de TV, que
“o programa [era] de apoio. Os Estados são responsáveis por esse
assunto”22. No Plano de Ação do Brasil Mais Seguro para o Estado de
Alagoas, a mesma orientação estava consubstanciada, por exemplo, na
mobilização de peritos da Força Nacional de Segurança Pública para dar
apoio ao trabalho da Polícia Civil em matéria de investigação de
homicídios (Ministério da Justiça 2011, 2013 e s.d.).
22 Cenas do Brasil (TV NBR), Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional. Disponível eletronicamente em https://youtu.be/EHYhXq1c1rk, acesso em 7 Jul. 2017.
24
Aos poucos, em suma, a Segurança Pública voltava a ganhar
conotação de matéria precipuamente estadual e policial. A entrada da
União assumia a condição de subsidiária, dando-se, ademais, em
hipóteses arbitrariamente selecionadas e a mediante ações pontuais e
fragmentadas.
A consolidação conceitual dessa virada, aliás, veio registrada em
artigo da própria Miki (2014, sem destaques no original), publicado no
jornal Folha de São Paulo às vésperas das eleições de 2014. Após
enumerar, no texto, as ações do governo federal na segurança dos Jogos
Pan Americanos, em 2007, e na Copa do Mundo, disputada aquele ano,
a Secretária anunciou o:
“(...) Programa Brasil Integrado, que visa executar uma estratégia
integrada de atuação com metas que serão monitoradas por meio do
Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e
sobre Drogas.
O Brasil Integrado inicia-se pelo diálogo, avança com o uso
agregador dos espaços físicos dos Centros Integrados de Comando e
Controle23 e culmina em normativas comuns, acordos de cooperação,
oficinas, alinhamento de estratégias e ações definidas, com foco no
enfrentamento às organizações criminosas (...).
A bem-sucedida experiência de segurança na Copa do Mundo nas
sedes do Nordeste credenciou a região receber a primeira ação do Brasil
Integrado.
O governo federal deseja ampliar essas ações de modo
permanente para todas as regiões do país, inclusive interligando essa
ação ao Plano Estratégico de Fronteiras, fortalecendo o controle das
divisas que funcionem como rotas de fuga e transporte de ilícitos, por
meio do monitoramento terrestre, aéreo e marítimo para ampliar a
presença de agentes do Estado nestas regiões”. 23 Tais centros foram criados nas cidades-sede da Copa do Mundo e na capital federal e visavam integrar forças policiais no planejamento e execução de ações de segurança.
25
A esta altura, todavia, o reposicionamento da PNSP já havia sido
bem percebido – e criticado – entre os especialistas em segurança
pública e as próprias forças que competiam no mercado político. Nos
debates eleitorais de 2014, as candidaturas rivais à da presidenta Dilma
Rousseff reintroduziram muitos dos diagnósticos e propostas por esta
rejeitados ao longo de seu primeiro mandato. A assessoria de Aécio, por
exemplo, sinalizou que o candidato investiria em articulação com
Estados e municípios e no planejamento territorializado para a
prevenção e a redução dos homicídios. A de Marina sinalizou que a
candidata retomaria o debate sobre a reforma das organizações
policiais.
Apurados os votos, Dilma Rousseff foi reeleita. Seus desafios para
o segundo mandato eram imensos, mas não faltavam expectativas de
novo reposicionamento na Segurança Pública. Como em outras áreas de
política pública, seria crucial para o governo que se iniciaria
demonstrar capacidade de aprendizado (“governo novo, ideias novas”).
UM GIRO EM FALSO: O ENSAIO DE ELABORAÇÃO DE UM PACTO
NACIONAL PELA REDUÇÃO DE HOMICÍDIOS E OS DEFINITIVOS
LIMITES DA PNSP NO CURTO GOVERNO DILMA 2
Ao final de 2014, a Secretaria Executiva e o Gabinete do Ministro
Cardozo deram indicações de que estariam à altura de tais expectativas.
De maneira informal, mas proativa, essas unidades fizeram contatos
com alguns especialistas, demonstrando interesse em iniciar novo ciclo
de formulação na PNSP que recuperasse a preocupação com a violência
urbana e promovesse o uso da intersetorialidade no enfrentamento
desse problema.
Se para fora do Ministério essas movimentações eram vistas com
bons olhos, para dentro eram motivo de conflitos organizacionais. O fato
de que o contato com os especialistas se deu por iniciativa do Gabinete
do Ministro e da Secretaria Executiva gerou reação da SENASP. Depois
26
de entendimentos internos, esta unidade tomou a frente das conversas
e canalizou-as para uma série de reuniões de trabalho. Na primeira, em
29 de dezembro de 2014, os especialistas24 deduziram análises gerais
sobre a PNSP no Governo Dilma 1 e indicaram a importância de
determinadas inflexões. Na segunda, em 28 de janeiro de 2015, foram
mais propositivos e precisos. Afirmaram, assim, que a possibilidade de
Dilma realizar um segundo governo bem-sucedido na [área de]
segurança passava (Godinho e Lima 2015):
“Por um lado, por mobilizar o aprendizado obtido a partir dos
últimos 12 anos em favor de ações de maior densidade técnica e de
maior impacto, tanto em termos sociais – melhorando, efetivamente, a
qualidade de vida dos cidadãos – quanto em termos políticos, afirmando
o valor da vida e produzindo mudança no funcionamento das
instituições. Por outro lado, por reorganizar o quadro político-
institucional da segurança pública, reforçando os vínculos entre os
entes federados e as organizações policiais para o planejamento e o
desencadeamento de novas ações”.
Para então apresentar (Godinho e Lima 2015):
“(....) Não apenas um conjunto de sugestões, mas sobretudo uma
estratégia para que essa rota comece a ser percorrida. Em torno do que
denominamos um Pacto Nacional pela Redução de Homicídios,
articulamos algumas propostas de ação coordenada entre Ministérios,
entes federados e entre Estado e Sociedade Civil, dando conta das
várias dimensões teoricamente associadas à crescente onda de violência
letal no Brasil – uma das formas de violência que mais preocupam os
cidadãos em seu cotidiano”.
O Pacto proposto continha apenas três eixos: 1. Novos
mecanismos de fomento e financiamento de políticas programas e
24 Participaram dessas reuniões iniciais: Cesar Barreira, Daniel Cerqueira, Eduardo Batitucci, Fabio de Sá e Silva, José Vicente Tavares dos Santos, Julita Lemgruber, Letícia Godinho, Renato Sérgio de Lima, Robson Sávio Reis de Souza, Silvia Ramos, Rodrigo Ghiringelli de Azevedo, Luís Flavio Sapori, Michel Misse e José Luiz Ratton.
27
ações; 2. Conhecimento, informação e prestação de contas; e 3.
Fortalecimento de capacidades institucionais. Sua maior novidade era o
modus operandi, que envolvia forte priorização política e liderança
federal induzindo ações mais efetivas para a redução da violência letal
(em função de novos instrumentos político-administrativos – como as
transferências fundo a fundo – de melhores diagnósticos e processos de
pactuação e monitoramento e dos crivos da transparência e da
participação social).
Cardozo manifestou compreensão e concordância em relação a
essa proposta e pediu especial aconselhamento sobre como estruturar
mecanismos de diagnóstico e monitoramento das ações que viriam a
compor o Pacto. Decidiu-se que o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (FBSP) e o Ipea apoiariam o MJ nessas tarefas.
Entre fevereiro de 2015 e o início de 2016, Cardozo, Secretários e
especialistas participaram de mais três reuniões e uma oficina. Nesse
mesmo período, Cardozo chegou a anunciar ao público que o MJ
lançaria o Pacto. Concretamente, porém, era possível distinguir
movimentos distintos e não-convergentes. De um lado, a SENASP
conduziu um primeiro diagnóstico nacional, a partir do qual propôs
circunscrever a área de incidência do Plano a apenas 81 municípios
que, juntos, somavam quase 50% dos homicídios no país. De outro, a
especificação dos eixos do Pacto foi caminhando em direção errática,
repetindo a antiga fórmula de uma cartela de projetos (como sempre,
muito numerosos e não necessariamente articulados uns aos outros) a
serem apresentados aos Estados e Municípios. E o que era pior: com o
tempo, ganharam espaço nessa cartela projetos de tipo mais tradicional
e com baixo potencial de efetividade.
Em outras palavras, fato é que a SENASP – e o MJ como um todo
– não foram capazes de sair de sua “zona de conforto” e se abrir para
processos decisórios mais compartilhados e estrategicamente
orientados. O resultado, conforme registrou um documento que
28
analisou a formação do Pacto (Macêdo, Silva e Dutra 2016, p. 4), foi
que:
“.... No portfólio de ações do Ministério da Justiça para o PNRH,
as estratégias apresentadas [visavam], em sua maior parte, ao
reaparelhamento ou à criação de estruturas policiais e de valorização de
um caráter ostensivo da segurança pública. Ações consideradas pelos
gestores da SENASP como inovadoras, por outro lado, normalmente não
[consideravam] como foco mais específico o público vulnerável aos
homicídios. Além disso, no processo de elaboração da proposta do
PNDH, ainda não foram rotinizadas formas de interlocução e
participação efetivas de representantes estaduais no processo de
planejamento e implementação do Pacto...”.
Em 12 de maio de 2016, a presidenta Dilma Rousseff seria
afastada, assumindo o vice-presidente Michel Temer (temporariamente
e, definitivamente, em 31 de agosto daquele ano). Temer nomearia o
advogado e ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre
de Moraes, como Ministro da Justiça e a PNSP entraria, afinal, em uma
nova fase.
DESCONTINUIDADES, RUPTURAS E UM IMENSO PASSADO À
FRENTE: O PROVÁVEL LEGADO DO GOVERNO TEMER PARA A
PNSP
Como bem observa Ferreira (no prelo), Moraes já teria
dificuldades para liderar a formação de qualquer acordo político, eis que
boa parte da sociedade brasileira contestava a legitimidade do governo
então instalado. Algumas posições e posturas do Ministro agravaram
ainda mais essa condição. Em 9 de agosto, em meio a questionamentos
do TCU acerca das medidas adotadas pelo governo para a
implementação de um “Programa Nacional de Redução de Homicídios”,
Moraes afirmou que essa era uma “proposta do governo anterior e não
dizia respeito às ações do governo atual”. No dia 17 de agosto, Moraes
29
afirmou que o Brasil precisava de “menos pesquisa e mais armamento”,
em agressão direta a interlocutores do órgão no recente processo de
formulação do Pacto, cuja formulação, não obstante as cobranças do
órgão de contas, foi efetivamente descontinuada.
Em 05 de janeiro de 2017, em meio a grave crise no sistema
prisional nos Estados do Norte e do Nordeste, Temer e Moraes lançaram
um novo Plano Nacional de Segurança Pública. No seu conjunto, o
Plano repete erros (e, muito provavelmente, está fadado à mesma sina)
da maior parte de seus antecessores. Entre ações 1. Gerais; 2. Visando
redução de homicídios dolosos, feminicídios e violência contra a mulher;
3. Visando a racionalização e modernização do sistema penitenciário; e
4. Visando o combate integrado à criminalidade organizada
transnacional, suas frentes de ação são inúmeras e desarticuladas.
Há, porém, dois aspectos do Plano que chamam atenção. Em
primeiro lugar, está o fato de que ele amplia as capacidades executivas
do governo federal, o que encontra exemplos: 1) na proposta de
construção de mais cinco presídios federais; e 2) na proposta de
ampliação da Força Nacional de Segurança Pública para um total de
7.000 homens, inclusive a partir da contratação de militares
aposentados. Em segundo lugar, está a ênfase na abordagem
repressiva-ostensiva, inclusive com tentativas de transferência de
recursos do Fundo Penitenciário Nacional (verbas que poderiam ir para
o atendimento da população prisional) para financiar o aparato de
segurança pública dos Estados.
Em resumo, ainda é cedo para analisar a execução e os
resultados de mais esse Plano, seja por mudanças gerenciais e
organizacionais25, seja porque alguns de seus componentes já começam
a revelar fragilidades: reportagem de abril deste ano indicava a
25 Em 7 de fevereiro de 2017, Moraes se licenciou do Ministério após ter sido indicado para uma vaga no STF. Em seu lugar, assumiu Osmar Serraglio (PMDB/PR), depois substituído por Torquato Jardim. O próprio Ministério mudou duas vezes de nome depois da posse de Temer: inicialmente para Ministério da Justiça e da Cidadania, depois para Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
30
dificuldade de encontrar até mesmo terrenos para a construção dos
presídios federais anunciados26. Mas as poucas mudanças que ele
imprime na PNSP apontam para a direção oposta à que vinha sendo
trilhada pelo setor – ao menos até o final do segundo governo Lula –, na
qual a União buscava assumir maior capacidade de coordenação e
indução e a gramática da atuação estatal buscava equilibrar dimensões
ostensivas-repressivas e preventivas. Retrocessos, pois, ainda que no
plano conceitual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto buscou resgatar e analisar eventos recentes da
construção da PNSP, visando compreender a atuação dos governos
Dilma e Temer neste setor. Suas conclusões não são as mais otimistas.
No Governo Dilma 1 um impulso inicial de criação do Plano Nacional de
Prevenção e Redução de Homicídios foi interditado. No curto Governo
Dilma 2, foram elaboradas soluções que buscaram imprimir à PNSP a
uma orientação pouco ousada. Contudo, o processo de formulação de
um Pacto Nacional pela Redução de Homicídios acabou girando em falso.
No Governo Temer, o processo de formulação desse Pacto acabou
descontinuado e, naquilo que o novo Plano Nacional de Segurança
Pública traz de novo, há sinais não desprezíveis de retrocesso.
Mas a análise desse período também revela duas faces importante
da PNSP no Brasil. De um lado, ela registra a existência de uma
comunidade epistêmica mobilizada e capaz de oferecer alternativas e
apoio em processos de formulação de políticas públicas – inclusive em
diálogo com organizações da sociedade civil e setores das corporações
policiais, com quem muitos de seus integrantes colaboram. Mas de
outro lado, ela indica que tais contribuições têm sido pouco
aproveitadas pelas nossas elites políticas e burocráticas, seja por
26 https://oglobo.globo.com/brasil/estados-rejeitam-construcao-de-novos-presidios-federais-21183600, acesso em 7 Jul. 2017.
31
decisionismo e insulamento, seja por demogogia e autoritarismo. “E
assim”, como disse Fitzgerald (2011, p. 132), “prosseguimos, barcos
contra a corrente, arrastados incessantemente para o passado”.
REFERÊNCIAS
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Políticas Públicas em Época de Incertezas Democráticas: Equipes de
Apoio e Estratégias de Sobrevivência. Brasília: Ipea (no prelo).
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Brasília, 02/01/2011. Disponível eletronicamente em:
https://mj.jusbrasil.com.br/noticias/2524181/discurso-de-posse-do-
dr-jose-eduardo-cardozo-integra, acesso em 7 Jul. 2017.
Ferreira HRS. 2016. Reformas Ministeriais Recentes e Impactos
na Agenda das Políticas Públicas Brasileiras: Breve Relato a Partir dos
Debates no Observatório de Direitos e Políticas Públicas. In Boletim de
Análise Político-Institucional nº 10, julho - dezembro 2016. Brasília:
Ipea.
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Redução de Homicídios: Análise Inicial e Recomendações (Sumário
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32
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/09/1513544-regina-miki-
uniao-pela-seguranca-do-pais.shtml
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Redução de Homicídios (Apresentação de Power Point).
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(Apresentação de Power Point).
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Sa e Silva F. 2013. Entre o Plano e o Sistema: o impasse da
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Paulo, Tendências/Debates, 25/10/2011. Disponível eletronicamente
em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2510201107.htm,
acesso em 5 Jul. 2017.
33
3. EFETIVIDADE NAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA: O QUE FUNCIONA SEGUNDO AS BOAS PRÁTICAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS27
Renato Sérgio de Lima
Em um momento de crise política e institucional, pode parecer
difícil pensarmos em alguma iniciativa exitosa de sucesso na redução
da violência e no controle do crime no Brasil, ainda mais com o Atlas da
Violência 2017, publicado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, ter apontado que tivemos cerca de 60 mil
assassinatos em 2015. Porém, se olharmos em perspectiva, várias são
as Unidades da Federação que optaram, sobretudo a partir da segunda
metade dos anos 2000, por adotar programas que visavam melhorar a
efetividade das políticas de segurança pública. São Paulo, Rio de
Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Distrito
Federal, Ceará e outros foram desenhando projetos e ações que, em
maior ou menor grau, focaram na redução dos homicídios e outros
crimes violentos como meta prioritária e conseguiram, em um primeiro
momento, reverter taxas de criminalidade.
Contudo, no médio prazo, a violência e o crime voltaram a ser um
problema cuja solução mostra-se distante na medida em que o Brasil
vive uma profunda crise republicana e federativa de implementação e
coordenação de ações na segurança pública, já que há uma série de
ruídos muito mal encaminhados entre Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, bem como entre Polícias Civil e Militar e Ministério Público.
De igual modo, também há confusão de papéis entre União, Distrito
Federal, Estados e Municípios na área. E é a partir desta constatação
que, mais do que nunca, avalia-se como fundamental olhar para o que
pode servir de exemplo para a modernização do setor. Se não nos
mobilizarmos em torno de pontos de fortaleza, o cenário do crime e da
violência tende a se agravar ainda mais. 27 Texto que aproveita, de forma adaptada, insumos produzidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública para a estruturação do Plano de Ações Estratégicas do Pacto Por um Ceará Pacífico, em execução desde o início de 2015.
34
Assim, ao analisarmos os exemplos citados no primeiro parágrafo,
percebemos que os projetos de prevenção e redução da violência,
especialmente os com ênfase em homicídios colocados em prática no
Brasil e no mundo nos últimos 15 anos, permitem a reafirmação de
alguns pontos que já são quase que senso comum entre os operadores
da segurança pública brasileira e que dizem respeito à necessidade de
concentrar esforços na focalização territorial e na institucionalização de
ações e programas que visem articular e coordenar iniciativas de
prevenção e repressão da violência. Porém, entre os aprendizados já
acumulados pelas políticas de segurança no Brasil nos últimos 30 anos,
as ações que mais tiveram êxito em reduzir homicídios têm sido aquelas
concentradas sobre o tripé: “i) articulação e pactuação política entre o
governo e os vários atores sociais em torno da paz social, com base em
ações preventivas focalizadas (sobretudo nas crianças e jovens); ii) o
estabelecimento de um sistema de repressão qualificada, baseada no
uso intensivo da informação e na inteligência policial; iii) e mecanismos
de gestão que possibilitem a integração das agências estatais em torno
de objetivos comuns e metas a serem perseguidas”.
No processo de institucionalização do pacto, conforme foi
aprendido no programa desenvolvido em Pernambuco, há a necessidade
de uma definição muito clara e sintética dos objetivos pretendidos28.
De igual modo, a comparação entre as experiências indicou que a baixa
institucionalização, entendida como falta ou insuficiência de regulação
e padronização, seja do programa seja de seus processos e
procedimentos, é um problema a ser evitado tendo em vista garantir
continuidade da política. Sem regulação, não se esclarecem as diretrizes
e não se oferecem processos e procedimentos claros e padronizados
para os gestores e operadores envolvidos, dificultando o planejamento e
a articulação de ações assim como ensejando comportamentos
arbitrários. Daí a importância da formalização por meio de leis, normas, 28 Por exemplo, nos dois primeiros anos do Pacto pela Vida de Pernambuco, avaliou-se que houve falta de direcionamento no plano de ações, resultando em 138 projetos com escopos abrangentes. Daí a necessidade de eleger focos prioritários e defini-los claramente no plano de ações, evitando o risco de adotar um plano abrangente demais e pouco eficaz na mobilização social.
35
portarias assim como da clara comunicação sobre a proposta, visando
sua disseminação e apropriação entre os agentes e a população.
Contudo, mais do que isso, políticas públicas não se fazem apenas por
meio de leis, decretos e portarias, mas também com a criação das
condições políticas para que a burocracia envolvida absorva estas
regras em seu cotidiano, de modo que qualquer governo fique
constrangido a descontinuá-las.
Em relação aos eixos do tripé mencionado, o fortalecimento de
sistemas de gestão da segurança pública, com a criação de mecanismos
rigorosos de metas e indicadores de avaliação de desempenho,
representa uma tendência crescente no Brasil, que deve ser fortalecida
e constitui-se em um dos mecanismos do eixo de modernização da
gestão mais usados nas experiências nacionais. Esse processo provou-
se fundamental em lugares como Estados Unidos e Colômbia não
apenas para a redução dos indicadores de criminalidade, como também
para a transformação da cultura e melhoria das práticas policiais.
Entretanto, vários são os percalços que devem ser evitados, sobretudo
no que diz respeito ao “gaming” e à descaracterização do sistema em
direção apenas na sua lógica de reforço financeiro. Cabe destacar ainda
a atenção necessária quando da definição da meta anual de redução
dos homicídios, de forma que seu cálculo esteja fundamentado em uma
análise bastante específica da situação do Estado. Desse modo,
procura-se evitar a definição de uma meta muito além das
possibilidades de execução, como ocorreu no caso de Pernambuco com
a meta inicial de redução de 12% ao ano, que foi avaliada
posteriormente como resultado de uma estimativa descolada de análise
da conjuntura do Estado.
Para viabilizar o cumprimento de metas, os programas analisados
também partem de propostas de articulação entre as agências
envolvidas. Entre os principais desafios identificados, é preciso romper
as dificuldades de articulação entre ações desenvolvidas por diferentes
secretarias e organizações, visto que estas tendem a seguir a rotina de
36
seus projetos e processos. Outra questão observada é a tendência de
priorização das ações de repressão qualificada em relação à mobilização
para ações de prevenção, assim como a centralidade da instituição
policial como protagonista da política. Se, por um lado, é preciso
reconhecer o impacto positivo da melhora na gestão policial com a
implementação dos programas – resultando em operações pautadas em
inteligência e focalizadas em áreas críticas e, portanto, provocando um
efeito mais imediato de redução do homicídio –, por outro lado é preciso
avançar para a efetiva articulação com as áreas e atores da
prevenção.29 O grande desafio é implementar mecanismos para
garantir a integração entre os diferentes atores.
Outro eixo do tripé de iniciativas comuns a todos os Estados que
tiveram quedas significativas na redução da criminalidade é o
investimento na gestão da informação. Estes Estados seguiram, de
alguma forma, modelos parecidos ao CompStat de Nova York,
implantando sistemas de informação vinculados a técnicas de gestão
por resultados. Nesse sentido, é necessário construir e consolidar
sistemas de coleta de dados consistentes, de modo a garantir um fluxo
constante de informações confiáveis, assim como instituir uma rotina
de análise e avaliação dessas informações voltada ao planejamento
estratégico e operacional. No entanto, uma ressalva muito importante:
em termos de atuação político-institucional, mais do que a estruturação
de uma matriz de indicadores em si, faz-se necessário reforçar a
legitimidade da ideia de transparência, monitoramento e avaliação das
políticas de segurança pública no Brasil. Este é um aspecto
fundamental, porém ainda muito frágil quando se considera o
panorama nacional. É preciso estabelecer uma rotina de prestação de
contas para a sociedade sobre os resultados do programa. Nesse
sentido, deve-se garantir a disponibilidade de informações sobre a
29 Um dos efeitos dos programas é a centralidade das ações policiais em relação às demais, mas deve-se evitar que apenas elas ditem os rumos do projeto. Esse foi o caso das UPP, que agora perderam força, e do Pacto pela Vida de Pernambuco.
37
execução dos projetos e ações, incluindo suas dotações orçamentárias,
caso contrário se torna inviável a avaliação dos impactos da política.
Por fim, o eixo participação social foi, nos programas analisados,
abordado a partir da estratégia de fortalecimento do policiamento de
proximidade, na ideia de criar espaços de escuta e mobilização da
população. Contudo, o policiamento de proximidade/comunitário ainda
não é visto no país como um padrão operacional e está circunscrito a
determinadas situações e aplicações. Embora isoladamente não seja
suficiente para dar conta do cenário de violência letal, é um dos
dispositivos relevantes na busca pela prevenção e na promoção da
aproximação entre polícia e população em contextos difíceis, elementos
estes constituintes de uma política de redução da violência letal. Assim,
há que se superar a resistência corporativa que não raramente
manifesta-se quando da proposição do policiamento comunitário, por
meio do investimento na formação e treinamento policial e, antes, da
clara definição de seu status: trata-se de um grupamento específico da
corporação que atuará em situações e públicos determinados? Quais?
Ou de uma filosofia ou diretriz que deve abranger todo o efetivo? Se sim,
em que nível é formalizado e como é disseminado junto às corporações e
à sociedade? Basta olharmos a experiência cearense do Ronda no
Quarteirão, com suas tensões e virtudes, que fica claro os dilemas
postos à participação social na segurança pública.
Em suma, é na relação entre focalização/institucionalização de
ações com as estratégias de implementação baseadas no tripé citado
que vários dos ruídos e/ou ineficiências de tais iniciativas afloraram e
chamaram a atenção para a importância da liderança política como
elemento catalisador dos programas bem-sucedidos. Por tudo isso, é
que a liderança política é um elemento essencial. A coordenação das
reuniões do comitê gestor por uma figura com autoridade e liderança,
seja o governador, vice-governador ou o secretário de estado com
autoridade política, além de sinalizar comprometimento com a pauta e
38
com a gestão estratégica, é um meio de quebrar resistências
organizacionais e corporativas à execução do programa.
Porém, se em um primeiro momento esse é um fator de sucesso,
torna-se necessário o desenho de estratégias de redução da
dependência dos programas em relação aos dirigentes políticos, na
medida em que, nos exemplos de Pernambuco, do Espírito Santo ou de
Minas Gerais, a troca da gestão parece significar a perda de prioridade e
a descontinuidade de ações que a literatura confirma como de médio e
longo prazos para a obtenção de resultados duradouros. E, pelas lições
aprendidas, essas estratégias passam pela criação e normatização
formal de protocolos de ação conjunta e por matrizes e mecanismos de
auditoria e corresponsabilização (positiva e corretiva) de todas as
instituições e instâncias envolvidas. Programas “top-down” são menos
eficientes do que projetos do tipo “bottom-up”, que são construídos
coletivamente com todos os parceiros.
Disso deriva que ações de mobilização e comunicação precisam
ser pensadas desde o início do desenho do programa
Em conclusão, identifica-se que alguns requisitos são
fundamentais à implementação de um projeto bem-sucedido de
prevenção e redução da violência. Em primeiro lugar, recomenda-se a
observância da relação entre focalização/institucionalização de ações e
ações sumarizadas pelo tripé aproximação com a população; uso
intensivo de informações e aperfeiçoamento da inteligência e da
investigação; e ações de articulação e integração das agências de
segurança pública e justiça. Já em segundo lugar, um fator que foi
inicialmente negligenciado nos vários planos nacionais e que tem
impacto secundário direto no movimento da criminalidade deve ser
levado em consideração. Trata-se, no eixo da gestão, da inclusão da
realidade do sistema prisional no planejamento estratégico e tático de
operações e de metas. Faz-se necessário sensibilizar polícias, Ministério
Público e Judiciário para uma pactuação/abordagem diferente em
termos de política criminal e que priorize homicidas. Em terceiro lugar,
39
recomenda-se que a comunicação sobre a implementação de um
programa efetivo de segurança pública não condicione sua arquitetura e
modelo de governança logo de início, pois um dos principais fatores
para planos bem-sucedidos é a consolidação de um formato de gestão
que seja visto como resultante de um processo participativo de
construção; seja dos vários órgãos e instituições públicas, seja da
sociedade civil e da universidade. E, por fim, transparência e controle
precisam ser valorizados como instrumentos-chave transversais de
transformação.
40
4. CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA E O PAPEL DO GOVERNO FEDERAL
Julita Lemgruber e Leonarda Musumeci
Segundo dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, as polícias brasileiras mataram 17.688 pessoas entre 2009 e
2015, uma média de sete por dia.30 Herdeiras de longos períodos de
ditadura, essas instituições deveriam ter sido completamente
refundadas para tornarem-se aptas a prover segurança numa sociedade
democrática. Mas a Constituição de 1988 não só não alterou o formato
e as atribuições dos órgãos de segurança como atribuiu ao Ministério
Público a responsabilidade exclusiva pelo controle externo das
atividades policiais, o que impede até hoje que outras instituições
desfrutem da autoridade e da independência necessárias para fazê-lo.
Pesquisa nacional recente do Centro de Estudos de Segurança e
Cidadania (CESeC) mostrou que os próprios membros do MP avaliam
como pífia sua atuação na área de controle externo da polícia: 88% dos
promotores e procuradores não a veem como prioritária para a entidade
e 70% não se envolvem nem exclusiva nem parcialmente com essa área.
Ademais, 42% dos membros reconhecem que o desempenho do órgão
no controle externo da polícia é ruim ou péssimo e outros 35%
consideram-no apenas regular. Dos 27 websites mantidos pelos MPs
estaduais, 15 sequer mencionam essa atividade entre suas linhas de
trabalho. A pesquisa ressalta, em suma, que a enorme amplitude de
poderes outorgada ao Ministério Publico pela Constituição de 1988 não
se traduziu em atuação efetiva para mudar o quadro crônico de
violência, arbitrariedade e ilegalidade em que estavam e continuam
mergulhadas as nossas polícias.31
30 FBPS, Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016. [Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/storage/10_anuario_site_18-11-2016-retificado.pdf] 31 LEMGRUBER, Julita; RIBEIRO, Ludmila; MUSUMECI, Leonarda; DUARTE, Thais. Ministério Público: Guardião da democracia brasileira? Rio de Janeiro: CESeC: 2016b. [Disponível em: http://www.ucamcesec.com.br/livro/ministerio-publico-guardiao-da-democracia-brasileira/]
41
No vácuo deixado pela inoperância do MP, surgiram, a partir de
meados dos anos 1990, as ouvidorias de polícia estaduais, instituições
com poderes muito mais restritos, cuja atribuição básica é receber
denúncias sobre a conduta de policiais, encaminhá-las para
investigação pelas corregedorias das polícias civis e militares, e
acompanhar os procedimentos de apuração até o desfecho. Trata-se,
mais propriamente, de uma supervisão do controle interno da polícia,
pois, não tendo autonomia para investigar, as ouvidorias dependem
visceralmente do trabalho dos órgãos de investigação das próprias
polícias. Ainda assim, o modelo aposta no controle externo exercido pela
sociedade civil, que, ao denunciar abusos, participaria da defesa da
cidadania e ajudaria a reduzir a impunidade para os desvios policiais.
Outros países desenvolveram nas últimas décadas variados
mecanismos governamentais e não governamentais de controle externo
das polícias.32 Se não é possível apontar nenhum desses modelos como
o ideal, pois cada um responde a realidades políticas e socioculturais
particulares, algumas condições para a eficácia do controle podem ser
inferidas da comparação dos resultados alcançados em diferentes
nações. A primeira delas é de que os órgãos responsáveis pelo controle
não estejam sujeitos a manipulação política e tenham efetiva
independência em relação às instituições que monitoram. A segunda, de
que disponham de mandato abrangente, de recursos adequados e de
apoio da sociedade civil. A terceira, de que trabalhem o mais
proativamente possível, com foco na prevenção de desvios, não apenas
na punição, buscando influir nos padrões geradores de condutas
irregulares, não apenas nas condutas isoladas. E a quarta, de que
atuem o mais possível em cooperação com as instituições policiais,
32 Para uma análise detalhada dos modelos de controle externo existentes em outros países, ver LEMGRUBER, Julita; MUSUMECI, Leonarda e CANO, Ignacio. Quem vigia os vigias? Um estudo sobre controle externo da polícia no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2003; SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Guia de referência para ouvidorias de polícia. Brasília: SEDH/União Europeia, 2008. [Disponível em http://www.ucamcesec.com.br/wp-content//uploads/2011/06/guia_sedh_referencia_ouvidorias.pdf]
42
compartilhando com elas a responsabilidade pela resolução dos
problemas.
Passados mais de vinte anos do surgimento das ouvidorias de
polícia no Brasil – algumas das quais denominam-se hoje ouvidorias de
segurança pública e/ou de defesa social – não se pode dizer que tenham
preenchido essas condições; ao contrário, são órgãos engessados por
uma legislação que restringe excessivamente a independência e a
autonomia dos ouvidores, por recursos materiais, técnicos e humanos
insuficientes ou inadequados, e por falta de apoio político. Salvo poucas
exceções, não vêm cumprindo minimamente o papel para o qual foram
criadas.
Desde o início dos anos 2000, diversas avaliações do
funcionamento das ouvidorias vêm apontando sérios problemas e
indicando caminhos para superá-los.33 Tanto os diagnósticos quanto as
recomendações foram consolidados em 2008 no Guia de Referência para
Ouvidorias de Polícia (2008), fruto de um convênio entre a Secretaria
Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República e a
União Europeia, que deveria orientar o apoio do Governo Federal à
melhoria da atuação das ouvidorias estaduais. Entretanto, uma
avaliação realizada pelo CESeC em 2013, em parceria com o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e a Senasp,34 constatou que não só o
Guia não foi adotado pela maior parte das entidades, como não se
avançou na garantia das condições legais e funcionais para que a
melhoria pudesse de fato ocorrer. Nove Unidades da Federação sequer
dispunham ainda de ouvidorias de polícia e, nas que as tinham,
33 Ver, por exemplo, LEMGRUBER, MUSUMECI, e CANO. Quem vigia os vigias?, op. cit.; FECCHIO, Fermino. Controle externo e participação social. In: Arquitetura institucional do Susp,. Rio de Janeiro/Brasília: Senasp/SNJ, Pnud e Firjan, 2004; COMPARATO, Bruno Konder. As ouvidorias de polícia no Brasil: controle e participação. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: FFLCH/USP, 2005. [http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-25052007-143115/pt-br.php; NEV/USP. Ouvidorias de Polícia e redução da letalidade em ações policiais no Brasil. Brasília: NEV, SEDH e União Europeia, 2008. 34 LEMGRUBER, Julita (coord.); MUSUMECI, Leonarda; RIBEIRO, Ludmila. Panorama das ouvidorias estaduais de Segurança Pública e Defesa Social. Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo, v. 8, n. 2, p. 138-163, Ago/Set 2014 [http://www.ucamcesec.com.br/textodownload/panorama-das-ouvidorias-estaduais-de-seguranca-publica-e-defesa-social/]
43
continuavam a existir graves problemas, inviabilizadores de uma ação
efetiva de controle das atividades policiais, mesmo depois das iniciativas
empreendidas pela SEDH em 2006-2008.35 Como não há evidência de
que esse quadro tenha se alterado substancialmente de 2013 para cá, é
importante destacar alguns dos problemas levantados pela pesquisa:
Das 18 ouvidorias existentes em 2013, 16 estavam vinculadas à
mesma estrutura a que pertenciam os funcionários que lhes cabia
controlar, ou seja, às secretarias estaduais de segurança pública ou
defesa social, implicando subordinação dos ouvidores aos secretários de
segurança e falta de autonomia financeira e administrativa.
11 das 18 ouvidorias tinham titulares indicados pelo(a)
governador(a), seja por escolha direta ou por sugestão do(a) secretário(a)
de segurança; somente um estado realizava processo seletivo para o
acesso ao cargo e em apenas cinco estava prevista a indicação por
entidades civis de direitos humanos em listas tríplices encaminhadas ao
poder executivo, havendo ainda um estado em que a indicação era feita
pelo Conselho Estadual de Defesa Social.
Tampouco estavam legalmente padronizados em todas as
Unidades da Federação os requisitos básicos para ocupar o cargo.
Quatro ouvidores provinham de órgãos de segurança pública, em
frontal agressão ao próprio conceito de controle externo.
Só duas das 18 ouvidorias tinham orçamento próprio e várias
delas funcionavam com recursos financeiros, físicos e humanos muito
precários, isso chegando a comprometer, em alguns casos, a
privacidade das denúncias e a segurança dos denunciantes.
Em 16 dos 18 estados, as polícias e as secretarias de segurança
não tinham obrigação de enviar às ouvidorias informações sobre mortes
de civis por policiais e, embora 11 deles divulgassem indicadores de
35 Vale ressaltar que essas iniciativas não se propunham a induzir alterações no arcabouço institucional ou no modelo de funcionamento das ouvidorias, mas sim a fornecer apoio para o seu fortalecimento e para a racionalização das suas formas de operação.
44
letalidade policial, somente em quatro era possível identificar padrões
dos crimes e perfis dos perpetradores, elementos fundamentais para
prevenir novas ocorrências. Em 10 das 18 ouvidorias, a principal fonte
de informação sobre mortes e crimes graves praticados por policiais era
o noticiário da mídia, no qual obviamente não se encontram dados
suficientes para conhecer padrões e dinâmicas dessas ocorrências.
Quase todas as ouvidorias produziam relatórios periódicos de
atuação, mas apenas três haviam adotado o modelo de banco de dados,
o fluxo de processamento e as especificações do relatório recomendados
pelo Guia de Referência da SEDH.
Segundo 16 dos 18 ouvidores, a maior parte da população
continuava desconhecendo a existência da ouvidoria e, segundo 15
deles, não distinguiam ouvidoria de corregedoria, controle externo de
controle interno.
A comunicação e a colaboração entre ouvidorias e corregedorias
também era muito incipiente na maior parte dos casos. Como já dito, o
modelo brasileiro de controle da polícia, para funcionar com um mínimo
de eficácia, depende da colaboração das corregedorias. No entanto,
apenas sete dos 18 ouvidores entrevistados em 2013 disseram manter
contatos regulares com os corregedores das instituições fiscalizadas e,
ainda assim, com frequência baixa ou indeterminada.
O exemplo de algumas poucas ouvidorias que conquistaram uma
atuação mais independente e efetiva mostra que é possível melhor
desempenho dentro do restrito modelo de controle externo da polícia em
vigor no Brasil. Nesse sentido, uma das linhas de atuação voltadas a
fortalecer tal controle seria a de prover apoio financeiro, técnico e
político para a superação ou minimização dos problemas hoje
enfrentados pelas ouvidorias e também pelas corregedorias, de cuja
eficiência depende, em última análise, a redução da impunidade para
abusos perpetrados por policiais. Em outras palavras, tratar-se-ia de
melhorar as condições de atuação de ambos os controles, interno e
45
externo, a fim de que o conjunto das ouvidorias pudesse exercer com
mais efetividade o que já está previsto atualmente nas suas atribuições.
Essa é a linha que prevaleceu nos planos e programas do governo
federal dos anos 2000, mas que, como se viu acima, praticamente não
chegou a ser posta em prática.
O já mencionado Guia de Referência para Ouvidorias de Polícia,
elaborado por uma equipe de ex-ouvidores e especialistas, condensa
grande parte das propostas nessa direção, tendo sido ele próprio
concebido como instrumento didático para cursos de capacitação e
como material de apoio para o desenvolvimento de métodos, rotinas e
procedimentos para tornar mais eficaz o trabalho cotidiano das
ouvidorias. A retomada das diretrizes nele apresentadas, sua
disseminação, a oferta de condições para implantá-las e o
monitoramento dos resultados está entre as atribuições que a
Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) deveria assumir, no
âmbito de uma política nacional de segurança voltada para a efetividade
e o respeito aos direitos básicos do cidadão, por meio do controle
externo da atividade policial.
Mas o papel da Senasp e de outras instâncias federais não se
encerra aí. Como têm apontado diversas avaliações feitas desde o início
dos anos 2000, há que se questionar e debater amplamente o próprio
modelo institucional de controle externo da polícia adotado no Brasil: de
um lado a outorga de poder exclusivo ao Ministério Público, que jamais
chegou a exercer efetivamente tal tarefa, como reconhecem seus
próprios membros, e, de outro, um mecanismo essencialmente passivo
e reativo, materializado nas ouvidorias e centrado na recepção e no
encaminhamento de denúncias individuais. Este último mecanismo
pode funcionar bem em ambientes de baixa ocorrência de desvios,
quando a punição das poucas “maçãs podres” adquire um caráter
exemplar, mas se mostra claramente insuficiente quando os abusos
policiais são rotina, como ocorre em muitos estados brasileiros. Tal
dispositivo ajusta-se bem, ademais, a contextos em que a atuação das
46
ouvidorias ou de órgãos similares apenas complementa o trabalho de
outras poderosas instâncias de controle interno e externo das atividades
policiais, como as corregedorias, os comandos das polícias, os governos,
o Ministério Público, o Judiciário, o Legislativo, a sociedade civil e a
mídia. Todavia, resulta visivelmente deficiente quando o trabalho de tais
instituições é fraco, omisso, inoperante ou pouco isento; quando as
próprias polícias têm baixa capacidade de investigar e solucionar
delitos; quando as autoridades da área de segurança e justiça não
demonstram grande empenho em reduzir a corrupção e a violência
policiais; quando a sociedade civil e os meios de comunicação
mobilizam-se pouco para a tarefa de controlar as polícias, quando não
apoiam abertamente sua atuação truculenta e ilegal.
No Brasil, embora com diferenças entre os estados, a situação das
instituições de segurança pública é calamitosa e em quase toda parte os
mecanismos de controle da atividade policial, seja das ouvidorias, seja
do MP ou de outras instituições, são extremamente precários ou
inexistentes. Num tal quadro, parece claro que ouvidorias que
funcionem apenas como “balcões de denúncias” não bastam para
enfrentar os nossos graves problemas de violência e corrupção policiais.
É fundamental aprofundar a discussão sobre a necessidade de
instrumentos mais fortes e autônomos, capazes de reduzir a
impunidade para os crimes e desvios, mas também de trabalhar na
prevenção, ou seja, intervir nos contextos institucionais e culturais que
vêm eternizando nossa convivência com polícias violentas, corruptas e
ineficazes. Trata-se de uma tarefa árdua e complexa, que envolve, entre
outras coisas, propostas legislativas e que enfrenta fortes resistências
corporativas, conservadoras e autoritárias. Por isso mesmo, demanda
liderança nacional e engajamento de órgãos como a Senasp. Se cabe ao
Governo Federal formular políticas efetivas de redução da criminalidade
no país, contribuindo para a modernização e racionalização das
instituições de segurança pública e para a promoção dos direitos de
47
cidadania, o controle externo das atividades policiais tem de constar
entre seus objetivos prioritários.
48
5. A (IN)CAPACIDADE INSTITUCIONAL DO GOVERNO FEDERAL NA SEGURANÇA PÚBLICA
Alberto Kopittke
A busca por uma capacidade estatal adequada, uma combinação
de gestão qualificada, instituições públicas, normas legais, recursos
humanos e financeiros que permitam ao Estado formular e implementar
política públicas eficientes para resolver os problemas sociais, em
conjunto com a sociedade, é o grande desafio dos regimes democráticos.
Um Estado com baixa capacidade estatal36 não consegue interferir nos
problemas sociais de forma eficiente e perde legitimidade,
enfraquecendo a democracia. Um Estado forte demais provoca uma
intervenção excessiva e autoritária, também enfraquecendo a
democracia37.
Ao longo dos últimos 30 anos, o Brasil vivenciou uma escalada de
violência sem precedentes, que tem sido respondida com iniciativas
fragmentadas e efêmeras as quais, em sua imensa maioria, não
conseguiram produzir redução nos índices de violência. No debate sobre
os problemas e as soluções, pouca atenção tem sido dada para a falta
de capacidade estatal do Governo Federal na área da Segurança
Pública, na contramão inclusive do que ocorre em países desenvolvidos
como os EUA e a Inglaterra, onde os índices de violência são muito
menores. Às portas de uma nova eleição, é fundamental que essa
perspectiva seja compreendida pela sociedade brasileira, para que,
antes da promessa de ações ou de um novo Pano Nacional, sejam
criados os meios institucionais necessários para formular, induzir e
implementar uma Política de Estado coerente com os meios e os fins de
um regime democrático. 36 Capacidade estatal: “A medida em que intervenções de agentes estatais em recursos não estatais existentes, atividades e conexões interpessoais alteram as distribuições existentes de recursos, atividades e conexões interpessoais, bem como as relações entre essas distribuições” TILLY, Charles. Democracy. New York: Cambridge University Press, 2007, p. 16. 37 Sobre o conceito de capacidade estatal, ver o trabalho precursor de Almond, Gabriel, POWELL, G. Bingham. Comparative Politics: a Developmental Approach, Little, Brown, 1966.
49
A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
Ao longo das últimas décadas, os governos nacionais das
principais democracias avançadas do mundo aumentaram fortemente a
sua capacidade institucional na Segurança Pública. Não se tratou de
nacionalização do tema, mas sim do fortalecimento da capacidade dos
governos federais na produção de conhecimento baseado em evidências,
no estabelecimento de parâmetros de funcionamento dos órgãos
policiais e orientação de políticas de segurança para estados e
municípios, com o objetivo de desenvolver uma doutrina de caráter civil
(não militar), democrática e eficiente para a redução da violência.
Os EUA, por exemplo, criaram ao longo das últimas décadas
diversos órgãos federais sobre Segurança Pública, cada um deles com
pessoal próprio altamente especializado e recursos financeiros para o
desenvolvimento de suas ações, como o Instituto Nacional de Justiça
(1968)38, voltado para impulsionar a pesquisa científica sobre causas e
soluções para a violência; a Agência Nacional sobre Delinquência
Juvenil (1974)39; o Escritório de Estatísticas Judiciais (1979)40; o Órgão
Federal para Apoio a Vítimas de Crimes (1988)41; a Agência Federal
para induzir a inovação em estratégias de policiamento e gestão das
polícias (1994)42; uma Agência Nacional de Violência Contra a Mulher
(1995)43; uma Agência Federal voltada para Crimes Sexuais (2006);
além de ter criado o Departamento de Segurança Interna (2002), para
controle de fronteiras e imigração. Isso tudo sem contar o papel do FBI,
que desde 1935 forma centenas de líderes policiais na Academia
Nacional44 não apenas em técnicas e conteúdos operacionais, mas em
38 National Institute of Justice - https://www.nij.gov/ 39 Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention - https://www.ojjdp.gov 40 Bureau of Justice Statistics - www.bjs.gov 41 Office for Victims of Crime - https://www.ovc.gov/ 42 COPS Office - https://cops.usdoj.gov/ 43 Office on Violence Against Women (OVW) - https://www.justice.gov/ovw 44 National Academy - https://www.fbi.gov/services/training-academy/national-academy
50
gestão de Segurança Pública e desde 1930 padroniza e centraliza os
registros policiais de criminalidade45.
É importante frisar que não se trata de Programas eventuais, que
se desfazem a cada novo Governo, mas de instituições que têm tido um
papel central para induzir e qualificar as ações dos estados e
municípios e que perduram ao longo do tempo, mesmo com a troca de
governos e partidos à frente do Governo.
Em 1994, o Governo Federal dos EUA recebeu poderes inéditos
para realizar intervenções nas polícias com os mais elevados índices de
violência e letalidade policial, com o objetivo de remodelar a formação e
os padrões de atuação dessas polícias, através de um qualificado
aparato de recursos humanos e financeiros. Essa autorização já foi
exercida 16 vezes desde então, em polícias de grande porte como
àquelas de Los Angeles, New Orleans e Detroit.
No Reino Unido, a capacidade institucional civil do Governo
Federal começou a se constituir logo depois da criação da polícia pelo
Parlamento em 1829, com a criação da Inspetoria Nacional de Polícia
em 185646. A Inspetoria realiza até hoje inspeções anuais em cada
polícia do país, publicando relatórios detalhados sobre a efetividade, a
eficiência e a legitimidade de cada instituição, os quais embasam a
distribuição do orçamento que o governo federal destina para as
polícias.
Nas últimas duas décadas, começaram a surgir diversos outros
órgãos em nível federal como o Conselho Nacional de Polícias (1996)
voltado para estabelecer padrões de gestão e qualificar métodos de
policiamento47, a Ouvidoria Nacional das Polícias48 (2004), que
centraliza todas as denúncias de violência policial e possui
aproximadamente 900 servidores, sendo 50 investigadores 45 Uniform Crime Reporting - https://ucr.fbi.gov/ 46 Her Majesty’s Inspectorate of Constabulary (HMIC) - http://www.justiceinspectorates.gov.uk/hmic/ 47 Police Advisory Board for England and Wales - https://www.gov.uk/government/organisations/police-advisory-board-for-england-and-wales 48 Independent Police Complaints Comission - https://www.ipcc.gov.uk/
51
independentes. O Reino Unido, que já possuía a Academia Nacional de
Polícia desde 1948 – um centro de alto nível para o aperfeiçoamento de
gestores das polícias –, criou em 2012 um novo órgão chamado “College
of Policing” (2012)49, dirigido por 10 grandes especialistas da área, com
o objetivo de estabelecer padrões operacionais e de formação para as
polícias e gerenciar o novo Centro de Segurança baseada em
Evidências50, encarregado de realizar e difundir pesquisas científicas na
área. Em 2014 foi criado ainda um órgão nacional de Monitoramento da
Remuneração dos Policiais51 e em 2017 uma Agência Nacional de
Prisões e Condicionais52, voltada para qualificar os serviços de
ressocialização prisional.
A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
No Brasil, o Governo Federal possui um papel chave na indução
de praticamente todas as políticas públicas. Mesmo com o advento do
processo de municipalização, ocorrido a partir da Constituição Federal
de 1988, a relevância do Governo Federal nas mais diversas políticas,
como saúde, educação e assistência, permaneceu central, seja na
definição das tipologias dos serviços e equipamentos, no processo de
escolha das tecnologias e metodologias de atuação, na estruturação dos
sistemas de dados, na padronização dos atos profissionais, no fomento
de pesquisas e no modelo de financiamento.
Infelizmente, o mesmo não ocorre em relação à Segurança
Pública, uma temática que já consumiu nada menos do que 1.3 milhão
de vidas53 ao longo dos últimos 30 anos deste ciclo democrático, além
49 http://www.college.police.uk 50 What Works Centre - http://whatworks.college.police.uk/About/Pages/default.aspx 51 Police Remuneration Review Bodyhttps://www.gov.uk/government/organisations/police-remuneration-review-body 52 HM Prison and Probation Service 53 Dados entre 1988 e 2003: WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2016. Flaco Brasil, 2016. p. 21. Dados entre 2004 e 2014: IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota Tecnica n. 17. Atlas da Violência, 2016. Dado 2015: FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2016. E estimativa para 2016, considerando o mesmo valor de 2015.
52
de ter provocado a incapacitação ou ferimento grave de pelo menos o
dobro desse número de pessoas, isso sem falar nas consequências
psicológicas e econômicas.
Após 30 anos de vigência de Constituição democrática, a
Segurança Pública restou como o único dos direitos sociais previstos no
art. 6º da Constituição Federal a não ter um Ministério e órgãos
institucionais de gestão e um sistema federal de financiamento e de
regulação de responsabilidades.
Durante os regimes autoritários (Estado Novo e Ditadura Militar),
o Governo Federal criou estruturas de grande porte e mobilizou grandes
recursos humanos e institucionais para atuar diretamente na
Segurança Pública, a partir de uma concepção de Segurança Nacional,
induzindo concepções doutrinárias e operacionais. No entanto, nos
regimes democráticos o Governo Federal praticamente se retira do tema,
ocorrendo uma perda da capacidade estatal para modificar os modelos
criados durantes os regimes de exceção e criar uma doutrina civil e
democrática54 na área.
O primeiro órgão civil com responsabilidade sobre o tema da
Segurança Pública no Brasil surgiu apenas em 1995, no Governo
Fernando Henrique55, transformada em 1997 na Secretaria Nacional de
Segurança Pública - SENASP, dentro do Ministério da Justiça56, ao lado
de outros 15 órgãos responsáveis pelos mais diversos temas – todos de
grande complexidade, como direito do consumidor, questão indígena,
arquivo nacional, anistia, estrangeiros, entre outros.
54 Sobre a não construção de uma doutrina civil e democrática na área de Segurança Pública no Brasil, ver entre outros: MUNIZ, Jacqueline; PROENÇA JÚNIOR, Domício. Os Rumos da Construção da polícia democrática. Boletim IBCCRIM, ano 14, no. 164, Julho/2006: 4 e COSTA, Arthur Trindade Maranhão. As reformas nas polícias e seus obstáculos: Uma análise comparada das interações entre a sociedade civil, a sociedade política e as polícias. Civitas Porto Alegre v. 8 n. 3 p. 409-427 set.-dez. 2008. SINHORETO, Jacqueline; LIMA, Renato Sérgio de. Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime. Contemporânea. v. 5, n. 1 p. 119-141 Jan.–Jun. 2015. BATTIBUGLI, Thaís. Democracia e segurança Pública em São Paulo (1946-1964). Tese de Doutorado (Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. 55 Medida Provisória 813, de 1º de janeiro de 1995. 56 Decreto nº 2.315, de 4 de setembro de 1997.
53
Apenas a título de comparação, enquanto as Forças Armadas
possuem a estrutura referente a cinco Ministérios (considerando o
Ministério da Defesa, o Gabinete de Segurança Institucional e a
estrutura institucional das três armas), a Segurança Pública continua
sob a responsabilidade de uma Secretaria Nacional que em 2014 tinha
tão somente 56 servidores próprios entre cargos administrativos e
técnicos57, com a responsabilidade de gerirem centenas de contratos e o
Fundo Nacional de Segurança, a política nacional de segurança,
pesquisas, atividades de formação, gestão dos indicadores e muitas
outras atividades, sem ter nenhum órgão técnico especializado em sua
estrutura.
Do ponto de vista do financiamento, que embora não seja o único
indicador de capacidade estatal, possui uma grande relevância para
demonstrar a mobilização de esforços e a capacidade de indução por
parte do Governo Federal, houve poucos avanços. O Fundo Nacional de
Segurança só veio a surgir em 200158, sem nenhum tipo de vinculação
orçamentária, diferentemente dos demais Fundos Nacionais, fazendo
com que o seu valor, com exceção do período do Pronasci, em 2007 e
2008, tenha sido inclusive reduzido ao longo dos anos59, caindo de R$
187 milhões, em 2005, para R$ 143 milhões, em 201560.
Ao longo desse período, foram lançados quatro Planos Nacionais
de Segurança Pública61 (2001, 2003, 2007 e 2016), sendo que nenhum
criou estruturas institucionais permanentes para a execução dos seus
57 Secretaria Nacional de Segurança Pública. Relatório de Gestão do Exercício de 2014. Ministério da Justiça, 2015. p. 126 58 Lei 10.201 de 14 de fevereiro de 2001. 59 Sobre o orçamento federal destinado para a Segurança Pública ver SALVARREY, Gabriela. A política de segurança públicas em perspectiva orçamentária. 2015. Trabalho de conclusão (especialização em segurança pública com cidadania. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UFRGS. Porto Alegre, 2015. 60 SALVARREY, Gabriela. A política de segurança públicas em perspectiva orçamentária. 2015. Trabalho de conclusão (especialização em segurança pública com cidadania. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UFRGS. Porto Alegre, 2015. 61 Sobre os Planos Nacionais de Segurança ver MADEIRA, Ligia Mori e RODRIGUES, Alexandre Bem. Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev. Adm. Pública — Rio de Janeiro 49(1):3-21, jan./fev. 2015 e KOPITTKE, Alberto Liebling Winogron. Democracia e Segurança Pública: uma História de Desencontros. Dissertação de Mestrado. PUCRS: 2015.
54
objetivos e nenhum conseguiu produzir impactos duradouros na
redução de homicídios.
O primeiro Plano Nacional de Segurança62 foi lançado na fase
final do governo FHC, em 2001, composto de 15 Compromissos e 124
metas, coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República, o qual teve grandes dificuldades para
construir uma agenda interinstitucional e se efetivar, deixando como
legado a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública, que não
possui nenhum tipo de vinculação orçamentária.
No início do Governo Lula, em 2003, foi apresentado um segundo
Plano63, que efetivamente teve como prioridade o fortalecimento
institucional da Segurança Pública através da apresentação do Projeto
de Lei do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e do aumento da
capacidade de indução do Governo Federal junto aos estados. Ele
conquistou avanços importantes como a estruturação de critérios
técnicos para a distribuição dos recursos do Fundo Nacional; a criação
da Matriz Curricular Nacional; o Sistema Nacional de Estatísticas
(Sinesp-JC); a criação da Coordenação de Prevenção; e a criação dos
Gabinetes de Gestão Integrada dos Estados, como órgãos centrais de
governança. No entanto, o Plano enfrentou resistências políticas e um
ano depois foi abandonado. Apesar dos avanços programáticos, o Plano
não conseguiu efetivar a criação de nenhuma nova estrutura
institucional para consolidar suas propostas, tendo algumas delas se
mantido apenas em razão da permanência de determinadas pessoas
dentro da Senasp.
Durante a segunda gestão do presidente Lula, com o lançamento
do terceiro Plano, o Pronasci64, houve um salto no volume de recursos
destinado pelo Governo Federal para induzir as políticas de Segurança,
62 BRASIL. Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública. Plano Nacional de Segurança Pública. Brasília: Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2000. 63 INSTITUTO CIDADANIA / FUNDAÇÃO DJALMA GUIMARÃES. Projeto Segurança Pública para o Brasil. São Paulo, 2002. 64 Lei 11.530, de 24 de outubro de 2007.
55
com o aporte de R$ 1,2 bi ao ano, entre 2007-2011. O Programa tinha
como prioridade o papel dos municípios na Segurança através da
criação de Gabinetes de Gestão Integrada dos Municípios e de
Programas de Prevenção, além da formação e valorização policial, do
fortalecimento da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança
Pública (Renaesp), da valorização dos policiais através da Bolsa
Formação e da implementação de programas de diversos órgãos, como
os Ministérios da Saúde, Educação, Cultura e Esporte. No entanto,
novamente não se criou nenhuma estrutura permanente e os avanços
conceituais e orçamentários do programa foram imediatamente
desfeitos com o início do Governo Dilma, em 2011, que girou o conteúdo
da Segurança Pública novamente para concepções de Segurança
Nacional65.
Destaque-se ainda do período do Pronasci a remodelação do
Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp)66, através da
Conferência Nacional de Segurança Pública67, realizada em 2009, com a
participação presencial de mais de 250 mil pessoas. No entanto, apesar
da reforma, incluindo a participação de atores da sociedade civil,
trabalhadores da Segurança e gestores, o Conasp não recebeu poderes
deliberativos, nem vinculação à gestão do Fundo Nacional, mantendo-se
tão somente como um órgão consultivo, também sem nenhuma
estrutura institucional própria e, portanto, sem nenhum poder de fato.
Durante o Governo Dilma, priorizou-se uma estratégia sobre as
fronteiras e de delegação de poderes às Forças Armadas na área da
Segurança Pública, sendo importante destacar a criação do Sistema
Nacional de Estatísticas em Segurança Pública (Sinesp) e do Estatuto
65 Sobre uma análise das ações desenvolvidas pelo Governo Federal na Segurança Pública ao longo das duas últimas décadas ver KOPITTKE, Alberto. Segurança Pública e Democracia, uma história de desencontros. Dissertação de Mestrado. PUCRS, 2015. Capítulo 2. 66 Decreto nº 7.413, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2010. 67 Sobre a Conseg e o Conasp ver: SOUZA, Letícia Godinho. Segurança pública, participação social e a 1ª Conseg. Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 4. Edição 7. Ago/Set 2010. E Kopittke, Alberto, ANJOS, Fernanda. Oliveira, Mariana Siqueira de Carvalho. Reestruturação do Conselho Nacional de Segurança Pública: desafios e potencialidades. Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 4 Edição 6 Fev/Mar 2010.
56
das Guardas Municipais, ambos também sem nenhuma estrutura
institucional e que por essa razão também não produziram nenhuma
mudança estrutural.
UMA AGENDA MÍNIMA
Em meio a mais grave crise de confiança nas instituições do atual
ciclo democrático, o país se encaminha para uma nova eleição nacional,
com o tema da Segurança no topo das prioridades. Para evitar
retrocessos populistas, é fundamental que as forças democráticas
revisem o que foi feito e, principalmente, o que não foi feito e percebam
a relevância de criar em nível federal uma estrutura institucional
dotada de capacidade legal, recursos humanos e financeiros para
induzir as mudanças necessárias nas mais diversas áreas de gestão da
Segurança Pública.
Seguindo a experiência das democracias mais avançadas, esse
fortalecimento deve passar pela criação de, pelo menos, os seguintes
órgãos: 1) um Ministério que tenha como responsabilidade exclusiva o
tratamento do tema da Segurança Pública; 2) uma Escola Nacional de
Gestão em Segurança Pública, que possa formar novas gerações de
lideranças policiais com capacidade de induzir reformas organizacionais
nas suas instituições; 3) um Instituto para a gestão de dados, avaliação
das políticas, produção e difusão do conhecimento baseado em
evidências; 4) um órgão nacional de controle externo das polícias e
padronização de métodos operacionais; 5) um órgão voltado à indução
de políticas de prevenção baseadas em evidência; e 6) um órgão voltado
à valorização e qualidade de vida dos policiais.
Independente de concepções sobre o papel e o tamanho do Estado
na vida econômica, não parece haver dúvida dentre as forças
democráticas que o Estado deve cumprir um papel fundamental na
garantia da Segurança. É fundamental, portanto, que se passe das
intenções à prática, não lançando Planos ou Operações pontuais, mas
57
criando capacidade estatal de fato, por meio de estruturas
institucionais permanentes, com recursos humanos e financeiros, para
formular e induzir as mudanças que o país precisa.
REFERÊNCIAS
Almond, Gabriel, POWELL, G. Bingham. Comparative Politics: a
Developmental Approach, Little, Brown, 1966
BATTIBUGLI, Thaís. Democracia e segurança Pública em São
Paulo (1946-1964). Tese de Doutorado (Ciência Política) – Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2006.
BRASIL. Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança
Pública. Plano Nacional de Segurança Pública. Brasília: Secretaria
Nacional de Segurança Pública, 2000.
COSTA, Arthur Trindade Maranhão. As reformas nas polícias e
seus obstáculos: Uma análise comparada das interações entre a
sociedade civil, a sociedade política e as polícias. Civitas Porto Alegre v.
8 n. 3 p. 409-427 set.-dez. 2008.
INSTITUTO CIDADANIA / FUNDAÇÃO DJALMA GUIMARÃES.
Projeto Segurança Pública para o Brasil. São Paulo, 2002.
IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota Tecnica n.
17. Atlas da Violência, 2016
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, 2016
MADEIRA, Ligia Mori e RODRIGUES, Alexandre Bem. Novas
bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das
práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev. Adm. Pública —
Rio de Janeiro 49(1):3-21, jan./fev. 2015
58
MUNIZ, Jacqueline; PROENÇA JÚNIOR, Domício. Os Rumos da
Construção da polícia democrática. Boletim IBCCRIM, ano 14, no. 164,
Julho/2006: 4
KOPITTKE, Alberto Liebling Winogron. Democracia e Segurança
Pública: uma História de Desencontros. Dissertação de Mestrado.
PUCRS: 2015.
______________________________, ANJOS, Fernanda. Oliveira,
Mariana Siqueira de Carvalho. Reestruturação do Conselho Nacional de
Segurança Pública: desafios e potencialidades. Revista Brasileira de
Segurança Pública | Ano 4 Edição 6 Fev/Mar 2010
SALVARREY, Gabriela. A política de segurança públicas em
perspectiva orçamentária. 2015. Trabalho de conclusão (especialização
em segurança pública com cidadania. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, UFRGS. Porto Alegre, 2015.
Secretaria Nacional de Segurança Pública. Relatório de Gestão do
Exercício de 2014. Ministério da Justiça, 2015.
SINHORETO, Jacqueline; LIMA, Renato Sérgio de. Narrativa
autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle
do crime. Contemporânea. v. 5, n. 1 p. 119-141 Jan.–Jun. 2015.
SOUZA, Letícia Godinho. Segurança pública, participação social e
a 1ª Conseg. Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 4. Edição 7.
Ago/Set 2010.
TILLY, Charles. Democracy. New York: Cambridge University
Press, 2007.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2016. Flaco Brasil,
2016
59
6. A GESTÃO DE INFORMAÇÕES E O PAPEL DA SENASP
Isabel Figueiredo
A gestão da informação em segurança pública tem sido um dos
objetos de trabalho da Secretaria Nacional de Segurança Pública -
Senasp desde sua criação. Se, inicialmente, a atuação do governo
federal na pauta nasceu de forma tímida, com a previsão dentre as
atribuições da Secretaria de “ampliar o sistema nacional de informações
de justiça e segurança pública (Infoseg)”68, a partir da
institucionalização da lógica de se formular planos e programas para a
área da segurança, a questão passou a ser assunto de atenção mais ou
menos detalhada desde o governo FHC até Temer. Muito se falou, muito
se previu, algo se investiu, mas ainda assim o país carece de uma
política de gestão da informação em segurança pública mais
estruturada e que de fato sirva para orientar a formulação, a
implementação e avaliação das políticas, dos programas e dos projetos
para a área.
Apesar de alguns avanços, seguimos no mesmo cenário descrito
por Beato em 2000, no qual a ausência de indicadores de criminalidade
que mensurem a relação entre as percepções sociais (sensação de
segurança) e a criminalidade real “tem levado agências e formuladores
de política a manterem uma agenda de trabalho pautada mais pela
mídia, do que pela identificação de padrões e tendências verificadas
através da análise minuciosa de dados” (p.88).
A gestão da informação em segurança pública é um bom exemplo
do processo incremental de implementação de políticas públicas. O
plano FHC tratava de ações básicas, como cadastro de veículos,
integração nacional de informações, criação das primeiras bases de
dados e realização de pesquisa de vitimização. Estas ações foram sendo
desenvolvidas em sua própria gestão e nas seguintes, ainda que
algumas delas tenham formalmente saído dos programas de governo. O
68 Decreto 2315/1997,
60
que entrou de novo foram sistemas mais aprimorados, a produção de
conhecimento a partir de diagnósticos específicos e temáticos e, ao
final, a implantação do Sinesp69, grande aposta inconclusa do governo
Dilma, mas que segue na pauta do plano Temer. De todo o previsto nos
diversos planos de segurança elaborados pelo governo federal restam
implementados, ainda que com diversas fragilidades, o Infoseg e o
Sinesp, além de ter sido fomentada, de forma assistemática, a produção
de conhecimento qualitativo e analítico a partir de parcerias com
Universidades e outros órgãos de pesquisa.
As características dos processos incrementais são verificadas na
análise evolutiva desta pauta, em especial a ausência de força do
governo federal para lidar com as resistências dos Estados acerca da
articulação de um sistema nacional de informações. Às dificuldades
internas do governo soma-se sua restrita capacidade de construção de
consensos, o que faz com que a pauta siga avançando lentamente e de
forma dispersa. Além das dificuldades do governo, os tradicionais
problemas de coordenação federativa se apresentam com grande
intensidade na questão da gestão da informação em segurança,
fundamentalmente em decorrência do desenho constitucional da
repartição de competências, que dá aos Estados e ao Distrito Federal
protagonismo na área.
Em uma abordagem inicial, identificamos quatro entraves
principais relacionados à lógica interna do Governo Federal para se
construir um sistema de informações em segurança pública
minimamente efetivo.
Primeiramente há que se mencionar a histórica ausência de
prioridade política do tema. Conforme mencionado, a questão da
produção da informação, especialmente das informações quantitativas,
só assumiu lugar relevante na agenda da política de segurança pública
no primeiro mandato da Presidenta Dilma. Neste período foi aprovada a 69 Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas. Um embrião do Sinesp já durante o governo Lula, mas não havia sido informatizado.
61
lei que institucionalizou o Sinesp e foram investidos mais de 70
milhões70 de reais, considerando tanto repasses para os Estados quanto
um contrato com o Serpro para desenvolvimento do Sistema. Apesar
disso, o Sinesp não tem lastro orçamentário assegurado para o final de
seu (longo) desenvolvimento e está sujeito a cortes e
contingenciamentos;
Um segundo problema diz respeito falta de clareza sobre os
objetivos do sistema. As funções de um sistema de informações em
segurança pública podem ser completamente diferentes de acordo com
a perspectiva de cada cliente. No caso do governo federal, o principal
objetivo do sistema deveria ser fornecer informações para tomada de
decisão na elaboração e execução da política pública de segurança. O
Sinesp, porém, mistura esse objetivo essencial com demandas mais
caras a outros clientes71, resultando em um desenho jurídico e
tecnológico que terminou por transformá-lo em um mega sistema, que
visa contemplar informações não apenas necessárias à governança da
política, mas também informações de inteligência e até mesmo de
suporte ao planejamento e à atuação operacional72 das forças de
segurança.
70 Em 2016 o orçamento executado pelo Sinesp foi de cerca de 78 milhões, mesmo valor previsto para ser investido em 2017. 71 Além de clientes externos, outros clientes do próprio governo federal tinham demandas estranhas ao objetivo principal do sistema. Assim, a estruturação das ferramentas de coleta de estatísticas criminais se deu de forma simultânea ao desenvolvimento, por exemplo, de ferramentas de atendimento de ocorrências e despacho de viaturas, sistema para gerir comunidades terapêuticas, mecanismos possibilitar informações e controle do funcionamento dos Gabinetes de Gestão Integrada de Estados e Municípios. Parte do desenho do Sinesp está disponível nos Relatórios de Gestão da Senasp. A propósito, vale consultar especificamente o Relatório de 2014, que aponta o desenvolvimento de módulos estranhos a pauta estatísticas, como, por exemplo, o SINESP BCMV, que monitora o funcionamento das Bases Comunitárias Móveis com Videomonitoramento (ver p. 33, 60 e 95). 72 Além de prever a coleta de informações estatísticas, que possibilitem a elaboração de indicadores de criminalidade, a ideia que permeia a arquitetura do Sinesp é transformá-lo em um mega ambiente capaz de disponibilizar, por exemplo, os bancos anteriormente existentes no Infoseg (mandados de prisão em aberto, antecedentes criminais, dados da receita federal, cadastro de armas e de veículos, dentre outros), além de bancos periciais (DNA, impressões digitais, perfil balístico) e ferramentas de inteligência (Sisme, Cintepol etc). Ainda que vários desses bancos já existam e sua manutenção evolutiva seja responsabilidade de outros órgãos, como a Polícia Federal, a diversidade de funções e clientes do Sinesp prejudica seu desenvolvimento. Assim, concretamente, do ponto de vista de indicadores úteis para subsidiar a governança da política, o que se tem hoje são algumas (poucas) estatísticas criminais, apresentadas de forma bastante agregada e defasadas (o último dado disponível publicamente é de
62
Em terceiro lugar, cabe ressaltar a falta de clareza sobre quais
dados coletar. Se o governo Dilma teve como marco dar importante
input ao Sinesp, por outro lado foi marcado, também, por uma
confusão até então inédita na Senasp sobre quais os dados são
importantes para o tipo de governança política exercida pela União.
Assim, criou-se uma ilusão de que o Ministério da Justiça precisaria ter
acesso online aos dados e que seria relevante que a Senasp tivesse
acesso imediato aos registros criminais feitos pelos Estados. Isso
decorreu de certa confusão entre planejamento estratégico, que é de
responsabilidade do governo federal e dos governos estaduais e até
municipais, e planejamento tático, que certamente não é atribuição da
União, a quem não cabe a pronta-resposta operacional senão em casos
de competência da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Essa
demanda por dados online e por detalhes minuciosos das ocorrências
fez com que a arquitetura do Sinesp esteja desenhada, no que diz
respeito às estatísticas criminais, a partir do acesso aos bancos de
registro de ocorrências dos Estados e do Distrito Federal. Assim,
passou-se ao desenvolvimento de módulos de registro de boletins de
ocorrência e módulos de inquérito policial eletrônico que serão
disponibilizados para os Estados que ainda não contam com essa
ferramenta e que serão o canal de coleta de dados sobre estatísticas
criminais.
Por fim, os obstáculos na cooperação e coordenação federativa
também foram relevantes para a timidez do avanço na implementação
de um sistema de informações em segurança pública efetivo nestes 17
anos. Independente de questões próprias dos Estados, com seus
sistemas policiais que nem sempre se aperceberam da necessidade de
produção de informações estatísticas e que raramente contam com
profissionais habilitados para trabalhar com esse tema, não há
exatamente um grande interesse relacionado ao compartilhamento de
2014 e a última alimentação do sistema se deu em agosto de 2016). Sua principal entrega até agora, o aplicativo “Sinesp Cidadão”, é uma ferramenta importante do ponto de vista operacional, mas, do ponto de vista gerencial, não tem muita utilidade.
63
dados com a União. Transparência ainda é conceito relativamente
estranho às forças de segurança que são fortemente marcadas por uma
cultura organizacional fundada no sigilo. Se compartilhar informações,
quaisquer que sejam, ainda é um problema para a maioria das forças
de segurança, no caso específico dos dados estatísticos há um receio de
exposição de insucessos traduzidos em índices crescentes e rankings
comparativos que geram cobrança não apenas da população em geral,
como da imprensa, das organizações da sociedade civil e,
eventualmente, do próprio governo federal.
As dificuldades atinentes ao compartilhamento de informações
quantitativas são eventualmente mais graves no que tange aos dados
qualitativos, cuja produção é absolutamente incipiente, vez que a área
da segurança pública ainda não institucionalizou a cultura de produção
de diagnósticos e avaliações. Os dados qualitativos são esparsos, não
contam com nenhuma periodicidade e nem com metodologias de
produção minimamente semelhantes.
Este panorama geral nos leva à fundamental questão acerca de
qual deveria ser o papel da Senasp na gestão de informações em
segurança pública. Para responder esta indagação, é impossível não
considerar, ainda que brevemente, qual deveria ser o papel geral da
Senasp na gestão de uma política nacional de segurança pública. Essa
resposta fundamental ainda não foi formulada com clareza e o cardápio
de temas a que a Secretaria se dedica vem aumentando ao longo dos
anos e sem o correspondente aumento de recursos humanos, materiais
e orçamentários. A atuação da Senasp como agência financiadora da
segurança pública nem sempre esteve atrelada à sua função indutora. A
criação da Força Nacional de Segurança Pública abriu uma linha de
atuação voltada ao reforço operacional que fez com que o papel da
Senasp ficasse ainda mais confuso. Em alguns momentos a função
operacional chegou a se sobrepor à função de articulação de políticas
públicas, como, por exemplo, durante a implantação do Programa
64
Brasil Mais Seguro em Alagoas e no papel central que a Força assume
no plano de segurança do governo Temer73.
Avançar na implementação de uma política nacional de segurança
pública orientada para a efetividade demanda resgatar o papel central
da Senasp na condução de estratégias de indução à adoção de boas
práticas pelos demais entes federados. Adicionalmente, a Senasp
deveria ter seu principal foco de atuação no desenvolvimento de
capacidades organizacionais das estruturas estaduais e municipais de
segurança, seja através do financiamento responsável74 de sua
modernização, suas práticas e equipamentos, seja através da execução
direta de ações de apoio técnico ou, e este é um ponto essencial, da
capacitação dos profissionais de segurança.
A atuação da Senasp na gestão de informações em segurança
pública pode ser estruturada de modo a atender cada um desses
propósitos. Aprimorar a produção, a organização e o uso da informação
é ação que alimenta tanto a formulação e condução estratégica da
política nacional, quanto o fortalecimento das capacidades
organizacionais.
O primeiro desafio que se coloca para tanto é ter clareza do que
produzir, para que produzir e para quem produzir75. Imaginar a
construção de um sistema de informações ideal e que sirva a todos os
propósitos possíveis não nos parece razoável e, em certa medida, é um
equívoco no desenho e na implementação do Sinesp. Os recursos são
limitados e buscar desenvolver, simultaneamente, um sistema de
73 Entendemos que o impacto da criação da Força Nacional na atuação da Senasp enquanto condutora de uma política nacional de segurança pública nunca foi devidamente analisado. A capacidade de atuar com pronta-resposta em auxílio imediato aos Estados fez com que a Senasp mudasse suas dinâmicas políticas interna e externamente e, pelo menos desde o final do primeiro mandato da Presidenta Dilma, não é raro encontrar atores que afirmam que “a Senasp se resumiu à Força Nacional”. 74 Entendemos como financiamento responsável aquele que está vinculado, no mínimo, a um planejamento estratégico que esteja alinhado à política nacional de segurança. 75 No âmbito do projeto “Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública, Beato (2004) desenvolveu detalhadamente aspectos sobre que informações produzir e para quem, sobre como é importante contar com dados de outras fontes além das agências de justiça criminal, como surveys populacionais,
65
estatísticas criminais e diversas ferramentas de suporte à atuação
operacional pode se transformar em um jogo de tudo ou nada, o que é
sempre arriscado, ainda mais em um cenário de severas restrições
orçamentárias.
Aprimorar a política de gestão da informação demanda, ao menos:
criar mecanismos de financiamento que assegurassem a continuidade
da política; estabelecer prioridades e trabalhar com cronogramas
públicos que prevejam entregas de curto, médio e longo prazo; e incluir
as Universidades e demais agências e atores especializados no trabalho
com informações e indicadores no processo de elaboração da política de
gestão da informação76.
Por fim, mas talvez o mais importante, é fundamental
compreender que sistemas são apenas ferramentas e tão relevante
quanto eles é o desenvolvimento de capacidades e competências que
possibilitem seu uso. Assim, se há uma tarefa a ser desempenhada
simultaneamente ao desenho de quais as informações quantitativas e
qualitativas são mais relevantes, essa tarefa é começar, de imediato, a
composição de uma equipe altamente qualificada tanto no uso da
informação para formulação, monitoramento e avaliação das políticas
de segurança, quanto na análise de tendências e na assistência técnica
estratégica aos Estados e ao Distrito Federal.
76 Veja-se aqui, por exemplo, que atualmente o Conselho Gestor do Sinesp é composto por sete representantes do governo federal e cinco representantes dos Estados (Decreto 8075/2013). Não há nenhuma espécie de participação social nem de atores/agências especializados na pauta.
66
REFERÊNCIAS
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Criminológicos: Limites e Potenciais. In: Anais do 1º Encontro do Fórum
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VALENTINI, Luísa. Incrementalismo. Dicionário de Políticas
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2015.
67
7. INOVAÇÃO NO ENSINO POLICIAL: HISTÓRIA E LIÇÕES
José Vicente Tavares dos Santos
A questão do modo de segurança emerge na transição do regime
militar para o regime civil, principalmente após a Constituição de 1988.
Se observarmos as funções do Estado democrático de direito, temos a
impressão de que os avanços científicos e tecnológicos, incluindo as
tecnologias sociais, foram incorporados à área da educação, da saúde,
da habitação e da alimentação. Entretanto, neste que seria um dos
direitos fundamentais da pessoa humana, a segurança da vida, parece
ter havido um atraso em relação às tecnologias sociais e às próprias
tecnologias periciais e policiais.
Paradoxalmente, há um imenso campo de produção de sentido
acerca do que significa a segurança, havendo muitas contradições,
tensões e transições; ou, o que o Durkheim chamava de efervescência.
Porém, qual o sentido da efervescência?
No Século XXI, assistimos a profundas transformações nas
sociedades contemporâneas, configuradas por novas formas do social,
novos agentes e diferenciadas representações sociais. Não por outras
razões, a década de 1990 foi marcada por uma sucessão de reuniões
internacionais discutindo a questão das violências e da segurança
pública. Desde a Conferência Mundial dos Direitos Humanos da ONU,
em Viena, em 1993, pode-se localizar mais de 100 reuniões mundiais
nas quais a questão da crise da polícia e da atuação policial tem sido
discutida. Recentemente, houve a Conferência “Global trends in law
enforcement training and education”, organizada pelo Colégio Europeu
de Polícia (CEPOL), em Budapeste, em outubro de 2016.
Estamos vivenciando na América Latina um paradoxo: um ciclo
de inclusão social acompanhado de uma consciência social punitiva, a
qual produz e acompanha a configuração de Estado de Controle Social
repressivo. Em outras palavras, estamos diante de formas
contemporâneas de controle social, com as características de um
68
Estado repressivo acompanhando a crise do Estado-Providência. Por
outro lado, o policial tem sido proposto como um agente voltado para a
segurança do Estado e a proteção da sociedade.
A educação policial no Brasil Contemporâneo encontra-se diante
de uma série de problemas do campo do controle social, os quais
poderiam ser resumidos nas seguintes indagações: Como a formação
integrada poderá ajudar a superar as disputas de competências entre
os policiais de segurança pública – Polícia Federal, Polícia Rodoviária
Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares,
Guardas Municipais – propiciando um patamar inovador acerca do
significado e das funções das organizações policiais? Como resolver o
problema da formação das guardas municipais, neste cenário de
“municipalização”? Como um sistema de formação policial poderia
contribuir à regulação e controle público das empresas privadas de
segurança? Em que medida a educação policial poderá ajudar a superar
uma cultura organizacional militarista nas Polícias Militares, marcada
pela presença da arbitrariedade e da exaltação de um tipo de disciplina
e de hierarquia militar reprodutora de privilégios? Em que medida a
educação policial poderá ajudar a mudar a ênfase em uma cultura
burocrática e juridicista existente na Polícia Civil? Qual a contribuição
da educação policial no sentido de aumentar a eficiência do
desempenho policial e da gestão da segurança pública? Como a
educação policial pode explicitar os efeitos da mundialização no campo
da violência, do crime e do controle social, e discutir a
internacionalização dos modelos de polícia e os desafios da integração
regional, na busca de um relacionamento soberano e democrático entre
as polícias dos países da América do Sul e de outros continentes? De
que maneira a educação policial pode assegurar o respeito aos direitos
humanos em todas as atividades policiais?
Existe uma história das inovações brasileiras no ensino policial.
Inicia nos anos de 1980, com o professor Antônio Luiz Paixão, seus
estudos criminais e a relação com a Polícia Militar de Minas Gerais, por
69
meio da Fundação João Pinheiro (FJP). Depois, Teotônio dos Santos
organizou os primeiros cursos de direitos humanos para policiais no
segundo governo Brizola.
Nas universidades federais, no caso da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), esse diálogo começou em 1993 com um
seminário nacional77. Entre 1995 e 1996, foi realizado o primeiro curso
de especialização em violência, segurança pública e cidadania. Na
Universidade Federal Fluminense (UFF), na mesma época, Kant de Lima
iniciou cursos para policiais. Em 2003, a Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP) começou a elaborar uma Matriz Disciplinar
Nacional, com ampla participação de policiais, de gestores e de
acadêmicos.
Desde 2003, o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP),
afirmava:
“A formação deve estar comprometida com a paz e a cidadania e
conectada com os avanços da ciência. Só assim será possível desenvolver
a construção de conceitos teóricos e práticos de segurança pública, de
Polícia Militar, de Polícia Civil, dentre outras instituições, que expressem
os valores, as garantias e o sentido de ordem para o Estado Democrático
de Direito e para a sociedade organizada”.
Enfim, o PNSP formula uma concepção de Educação Policial
orientada para a proteção dos direitos constitucionais e fundamentais
do cidadão brasileiro:
“A formação unificada das polícias é fator imprescindível para a
integração coordenada, profissional e ética do trabalho preventivo e
investigativo, tendo sempre como destinatário o cidadão, a sua defesa e
a proteção de seus direitos”.
77 Cf. os trabalhos constantes no livro: TAVARES-DOS-SANTOS, José Vicente. Violência em tempo de globalização. São Paulo, HUCITEC, 1999.
70
Há uma década, partimos da concepção do ofício de policial como
um agente voltado para a segurança do Estado e a proteção da
sociedade. Como a função do Estado é servir à sociedade, devemos,
através da educação, fazer com que o policial reconheça que o Estado é
um meio e não um fim: o policial deve ser um profissional que trabalha
em favor da sociedade, garantindo a segurança do cidadão78.
Neste processo histórico, podemos registrar alguns
acontecimentos que deixaram marcas, desilusões e esperanças.
Primeiro, observamos as experiências interessantes de “escolas
integradas”, tanto no Instituto de Ensino de Segurança Pública (IESP),
no Pará, como no Rio Grande do Sul, no Governo Olívio Dutra. As
experiências de formação integrada que houve no Brasil foram muito
importantes, como também foram fundamentais as experiências de
convênios com universidades. No Rio Grande do Sul, começamos, em
1993, uma relação, com a Brigada Militar e, ao longo dos anos 1990,
foram se espraiando essas experiências. Talvez o melhor legado dos
anos 1990 tenha sido esse relacionamento institucional. Esse processo
possibilitou, por exemplo, que a SENASP firmasse convênios com
universidades para colaboração sobre Laboratórios Periciais, de
genética forense, biologia forense e medicina legal, tentando a
incorporação da ciência e da tecnologia ao trabalho policial.
A segunda experiência inovadora no ensino policial consistiu em
cursos de especialização envolvendo a temática Segurança Pública e
Cidadania, desde 1995 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
na Universidade Federal Fluminense. Mediante uma estratégia
educacional competente, orientada por valores pedagogicamente
inovadores, coordenada pelo poder público, segundo as políticas
federais da matriz curricular e aproveitando, mediante convênios, o
78 TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente; ZAVERUCHA, J.; LIMA, R. K.; BALESTRERI, R.; QUEJADA, J. A. J. Educação policial: limites e possibilidades para a democracia ampliada. In: MARTINS, Paulo Henrique; MEDEIROS, Rogério de Souza (Org.). América Latina e Brasil em PERSPECTIVA. Recife: Editora Universitária, 2009, p.379-404
71
saber das instituições universitárias que têm desenvolvido pesquisas e
construído interpretações críticas acerca do papel das organizações
policiais na sociedade contemporânea. Outras instituições realizaram
convênios análogos: a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a
Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
a Universidade Candido Mendes (UCAM), a Universidade de São Paulo
(USP), a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT), a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade Federal da Bahia
(UFBA), a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Federal
da Paraíba (UFPB), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Recentemente, a UFF criou um Curso de Bacharelado em Segurança
Pública e um Instituto de Segurança Pública.
A terceira experiência foi a implementação da Rede Nacional de
Especialização em Segurança Pública (Renaesp), pela SENASP do
Ministério da Justiça (MJ), desde 2005. O objetivo da RENAESP foi:
“o credenciamento de Instituições de Ensino Superior (21, em
vários Estados) para a promoção de cursos de especialização em
Segurança Pública para difundir entre os profissionais de segurança
pública e, deste modo, entre as instituições em que trabalham, o
conhecimento e capacidade crítica, necessários à construção de um
novo modo de fazer segurança pública, compromissado com a
cidadania, os Direitos Humanos e a construção da paz social e
articulado com os avanços científicos e o saber acumulado”79.
A Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública
(Renaesp) da SENASP/MJ, consiste em um programa de fomento de
cursos de especialização em segurança pública para difundir entre os
profissionais de segurança pública:”[...] o conhecimento e capacidade
79 Site do Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública: http://www.mj.gov.br/senasp
72
crítica, necessários à construção de um novo modo de fazer segurança
pública, compromissado com a cidadania, os Direitos Humanos e a
construção da paz social e articulado com os avanços científicos e o
saber acumulado”80.
Nesse quadro, a SENASP desencadeou um processo de elaboração
da Matriz Curricular para a área da Segurança Pública, envolvendo
policiais e acadêmicos, de 2003 a 2014, cuja finalidade foi estabelecer:
“Ferramenta de gestão educacional e pedagógica, com ideias e
sugestões que possam estimular o raciocínio estratégico-político e
didático-educacional necessários à reflexão e ao desenvolvimento das
ações formativas na área da segurança pública” (SENASP, 2014)
Na mesma linha de estimular a reflexão sobre a área, foram
publicados vários volumes de pesquisas na Coleção Pensando a
Segurança Pública, de 2013 a 2016, e a revista Segurança, Justiça e
Cidadania, de 2008 a 2014, ambas pela SENASP.
No ano de 2010, funcionavam 85 Cursos de Especialização em
Segurança Pública, Direitos Humanos e Cidadania, em 63 Instituições
de Ensino Superior, tendo como alunos profissionais da segurança
pública e do público em geral. Alguns conteúdos eram obrigatórios,
dentro das 360 horas regulares: Sociologia da Violência, Direitos
Humanos, Violência contra a mulher e a criança, Análise da violência
homofóbica e Administração pública. Os conteúdos restantes foram
organizados pelas universidades, com ênfase nas Ciências Sociais e na
mediação de conflitos. Este programa aproximou os setores de
segurança pública dos estados e as universidades no Brasil: de um
lado, a tradicional formação técnica e operacional e o estudo das leis; de
outro, incorporou a enraizada formação acadêmica, com a compreensão
científica dos fenômenos sociais, históricos, econômicos e culturais.
Deste modo, construiu-se um processo de diálogo entre universidades e
órgãos de segurança pública, configurando um debate sobre novos
80http://portal.mj.gov.br
73
rumos aos modelos de policiar, orientados no sentido de democratização
das relações sociais. Estima-se que, entre 2005 e 2015, foram
diplomados 8.000 especialistas em 150 cursos, nas várias regiões
brasileiras.
Uma criteriosa avaliação concluiu:
“Os principais efeitos encontrados apontam para mudanças de
valores e percepção dos egressos e para uma maior integração de
diferentes corporações e hierarquias em um espaço híbrido de discussão
e troca de conhecimentos. Os resultados indicam, ainda, a aproximação
da comunidade acadêmica e agentes de segurança pública e a promoção
desta temática como área de conhecimento”81.
Uma segunda avaliação pode salientar que houve avanços
individuais sem que tenha havido uma incorporação ao trabalho
institucional:
“Houve certa uniformidade em destacar que os cursos impactaram
significativamente em sua vida profissional e pessoal, no sentido de lhes
permitir um novo olhar sobre o sistema de justiça criminal e segurança
pública, bem como a construção de um novo sentido para sua atuação
profissional. Contudo, esse impacto ficou restrito à sua atuação, ou à
forma de perceber sua atividade individual e pouco efeito teve sobre sua
real possibilidade de alterar a rotina da atividade policial na qual está
inserido.”82
Em quarto lugar, há experiências de inovação curricular, de
processos de ensino-aprendizagem, de metodologias didáticas e de
integração institucional nas Escolas e Academias de Polícia. No Rio 81Renato Sérgio de Lima; Flávia Carbonari; Laís Figueiredo e Patricia Pröglhöf. Avaliação de resultados da Rede nacional de altos estudos em segurança pública. In: Pensando a Segurança Pública . Brasília : Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), 2014. v. 4, p. 187-224
82Nalayne Mendonça Pinto; Haydée Caruso; Luciane Patrício; Elizabete Ribeiro Albernaz e Vanessa de Amorin Cortes. Cursos de pós-graduação em Segurança Pública e a construção da Renaesp como política pública: considerações sobre seus efeitos a partir de diferentes olhares. In: Pensando a Segurança Pública . Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), 2014. v. 4, p. 225-260
74
Grande do Sul, em 1997, foi aprovada uma nova lei para a Brigada
Militar, pela qual as pessoas entrariam para as academias somente com
o curso de Direito, permanecendo por dois anos. Em Minas Gerais, foi
aprovada lei nos mesmos termos, em 2010. Em São Paulo, há um
debate sobre a questão, ainda inconcluso.
Em quinto lugar, houve a proposta de uma Escola Nacional de
Altos Estudos em Segurança Pública (ENAESP) apresentada em 2016
pela SENASP do Ministérios da Justiça, em parceria com a Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério
da Educação (MEC). Seria um estabelecimento localizado em Brasília,
em articulação com as IFES que apresentassem projetos de Mestrado
Profissional à CAPES; estava previsto o financiamento de 5 projetos.
Também foi proposta uma parceria com a Universidade Aberta do Brasil
(UAB) para apoiar cursos superiores de Tecnologia em Segurança
Pública, a fim de qualificar os profissionais que ainda não tivessem
curso superior. Seria constituído, ainda, um centro de excelência em
ensino e valorização dos profissionais de segurança pública do Brasil,
para aumentar a qualificação técnica e cultural. Foram identificadas
algumas experiências de Mestrado Profissional nesta área em várias
IFES (UFPA, IFNMT, UEA, UFBA, UFRGS e UFS). Entretanto, esta
proposta ainda não foi implementada.
Em conclusão, as instituições de ensino policial estão vivenciando
um processo de mudança, ainda que não lineares e nem deterministas,
cujos resultados parecem ambivalentes. Ora assistimos à reprodução
da cultura militarista e jurídico-dogmática, ora há mudanças
importantes, a emergência de outras noções, de outros conceitos, de
outras pedagogias. Observa-se um leque de experiências de inovação
que, em vários lugares do Brasil, revela o quanto a sociedade brasileira
tem sido capaz de propor um ofício de polícia como um construtor da
cidadania e um promotor de direitos humanos.
Tais experiências parecem ter sido orientadas por uma concepção
epistemológica da complexidade aplicada aos processos de educação
75
das polícias, tentando: superar um saber fragmentado e apenas
instrumental e construir coletivamente conhecimentos, a partir de
situações concretas e do estabelecimento de conexões da teoria com a
prática; promover a reflexão ativa e reflexiva de todos os educandos;
enfim, propiciar as condições para o desenvolvimento de hábitos,
comportamentos e responsabilidades éticas referenciados aos direitos
humanos.
As concepções, o processo, a metodologia e o sistema de educação
policial realizados, em desenvolvimento ou projetados, possibilitarão a
construção de um saber teórico-prático processual e reflexivo, fundado
no princípio da complexidade e reconhecendo a multidimensionalidade
do social.
Estas inovações de saber teórico-prático tem contribuído para a
renovação das práticas policiais no Brasil, no sentido de fortalecer a
justiça social, a equidade social, a eficiência e a eficácia. Caso sejam
ampliadas as inovações, e enraizada enfim uma postura de respeito às
diferenças sociais e culturais, haveria condições e possibilidades de ser
ampliada a confiança e legitimidade às organizações policiais
brasileiras, aprofundando o Estado Democrático de Direito. Este é o
grande desafio da SENASP, pois precisaria deixar estabelecido seu papel
de protagonista na necessária reforma do ensino policial no Brasil.
Esta esperança de futuro na educação policial mobiliza todos os
homens e mulheres que almejam uma sociedade pacificada e
garantidora dos direitos sociais e dos direitos humanos. Algum dia, as
novas gerações de policiais, de cidadãos e de cidadãs, ficarão
agradecidos por poder viver em uma cultura da paz.
76
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79
8. O PAPEL DA UNIÃO NO FINANCIAMENTO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA
Samira Bueno
Os episódios recentes no campo da segurança pública no Brasil
apontam para um cenário de fragilidade institucional e crescimento das
diversas modalidades de crimes violentos, em especial o homicídio
doloso. Para citar alguns exemplos, a crise no sistema prisional e a
guerra entre facções criminosas que vieram a público com uma série de
decapitações; a greve da Polícia Militar do Espírito Santo; a reversão dos
indicadores de um dos principais programas de redução da violência
letal do país, o Pacto pela Vida; e o colapso das Unidades de Polícia
Pacificadora no Rio de Janeiro são apenas algumas das evidências de
que o modelo de segurança pública brasileiro falhou em garantir
segurança e cidadania à população.
Neste contexto de crise, uma característica marcante do modelo
organizacional da segurança pública no país tem sido a falta de
coordenação de um projeto nacional com foco na redução dos crimes
violentos, em especial os crimes contra a vida. A omissão do Governo
Federal por décadas em relação ao tema, o modelo bipartido de
organização policial e as dificuldades inerentes ao pacto federativo
resultaram em um quadro de baixa capacidade de indução e
coordenação governamental, no protagonismo das Unidades Federativas
na implementação das políticas públicas de segurança e na indefinição
do papel dos municípios na área, que só tornou-se objeto de reflexões
mais sistêmicas nos últimos quinze anos (PERES; BUENO, 2013).
Este cenário diferencia-se bastante do observado em outras
políticas públicas com a redemocratização do país nos anos 1980. Isto
porque, ao longo dos anos 1990 e 2000, as áreas da Saúde e Educação
viveram mudanças estruturantes no sentido de sua sistematização e
controle de seu financiamento, o que possibilitou a coordenação e a
indução de políticas públicas. É forçoso reconhecer que ainda há muito
que avançar em ambas as áreas, porém, também é possível destacar
80
pontos de acerto e formas de operacionalização que caminharam no
sentido de dar maior transparência e controle ao recurso público. Na
educação, a reforma iniciada na década de 1990, com a criação do
FUNDEF, e que continuou nos anos 2000 com o FUNDEB, inovou ao
criar um sistema de fundos para repasses entre as três esferas de
governo. Já no caso da saúde, o formato de repasses fundo a fundo foi
estabelecido desde o início da década de 1990 (PERES et al, 2014).
No caso da Segurança Pública, não existe a operacionalização de
repasses fundo a fundo entre o Governo Federal e as demais esferas
federativas; o Fundo Nacional de Segurança Pública não conta com
recursos vinculados, como nas áreas de educação e saúde; e não existe
uma lei orgânica ou sistematização de competências entre União,
Estados e Municípios, como a Lei de Diretrizes e Bases na Educação
(LDBN), a Lei nº 8080 na Saúde e a Lei Orgânica na Assistência (LOAS).
A autonomia dos Estados é muito maior nessa área relativamente às
outras, bem como os orçamentos, ainda que boa parte dos recursos
fique restrita ao pagamento dos salários das polícias.
Diante deste quadro, o protagonismo do Governo Federal no
fomento à cooperação intergovernamental e no aprimoramento dos
mecanismos de operacionalização de repasses e padronizações
contábeis se mostra fundamental para o desenvolvimento de políticas
públicas mais efetivas e eficientes, e se coloca como eixo central para a
implementação de uma política nacional de segurança pública. No
entanto, como bem destaca acórdão produzido pelo Tribunal de Contas
da União e divulgado em abril de 2017:
“Quanto aos estudos comparativos realizados com políticas e
planos nacionais de outras sete áreas temáticas, observou-se que, em
todas elas, o termo ‘política nacional’ consta entre as áreas de
competência do respectivo ministério (item 164 deste relatório).
Entretanto, na área de Segurança Pública, não se observou essa prática,
ou seja, entre as competências do Ministério da Justiça e Segurança
Pública, elencadas no art. 1º do Decreto 8.668, de 11 de fevereiro de
81
2016, não consta a ‘política nacional de segurança pública’. Embora sua
formulação esteja prevista no ordenamento jurídico nacional desde 1990
(Decreto 98.936), nunca existiu documento ou norma intitulado
oficialmente ‘Política Nacional de Segurança Pública’, isto é, nunca houve
uma Política Nacional de Segurança Pública formalizada” (TCU, p. 91).
De fato, a entrada da União no tema da segurança pública
ocorreu de modo bastante tardio, inaugurado pela criação da então
Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública
em 1997, atual Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
Ações mais estruturadas passaram a ser implementadas a partir do
início dos anos 2000, quando a Senasp criou o I Plano Nacional de
Segurança Pública (PNSP), em um sinal da prioridade que o tema da
segurança começava a assumir na esfera federal. O PNSP representou o
primeiro esforço de indução e cooperação do Governo Federal com
Estados e municípios (SOARES, 2007), mas correspondeu menos a uma
política pública formulada com um propósito claro sobre o papel do
governo nesta área e mais à necessidade de dar respostas a um
contexto de crise83. O gráfico 1 apresenta a evolução das despesas com
a função segurança pública por parte da União, que aumentaram
consistentemente entre 2002 e 2010, auge de implementação do
Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI), iniciado
em 2008 na gestão do presidente Lula. A partir de 2011, os recursos
voltaram aos patamares de gasto de 2008 e 2009 e, no ano de 2015,
foram gastos R$9 bilhões com a área.
83O PNSP foi divulgado pelo Ministério da Justiça apenas após o sequestro do ônibus 174, episódio no qual um jovem sobrevivente da chacina da Candelária fez diversas pessoas de refém em um ônibus no Rio de Janeiro e, em uma ação desastrada da polícia, acaba com a morte do criminoso e de uma refém (SOARES, 2007)
82
GRÁFICO 1
Evolução das despesas realizadas com a função segurança pública.
União, 2002-2015 (em reais constantes de 2015)
Fonte: Peres, Bueno e Tonelli, 2016. "Os Municípios e a Segurança Pública no Brasil: uma análise da relevância dos entes locais
para o financiamento da segurança pública desde a década de 1990". Revista Brasileira de Segurança Pública, 2016; Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
Apesar do expressivo volume de recursos gasto com a área nos
últimos anos pela União, verifica-se que o volume de convênios e o valor
repassado a Estados e municípios reduziram substancialmente nos
últimos anos, conforme gráfico 2. O ano de 2015 apresentou o segundo
menor valor de repasse para estados e municípios da série histórica
iniciada em 1996, com valor superior apenas aos R$ 59 milhões
dispendidos em 1999.
83
GRÁFICO 2
Convênios do Ministério da Justiça - Despesas empenhadas por
ano, conforme ente federativo, e quantidade total de convênios
firmados - Despesas em valores de 2015 (IPCA) e em R$ Milhões
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional; Ministério da Justiça.
Este movimento é reflexo da crise fiscal que assola o país, mas
também evidencia algumas das prioridades assumidas pelo Ministério
da Justiça nos últimos anos. A tabela 1 apresenta a execução
orçamentária do Ministério da Justiça entre 2006 e 2015 por
órgão/unidade orçamentária. Considerando o último ano disponível,
verifica-se que, do total de recursos implementados pelo Ministério,
50% foram destinados à Polícia Federal, 31% à Polícia Rodoviária
Federal e 6% foram utilizados para gestão da máquina. As principais
fontes de recursos relacionadas ao apoio a implementação de ações nos
Estados e municípios – o Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) e o
Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) – representam,
respectivamente, 2% e 3% do volume de recursos gastos pelo órgão. É
de se destacar também o fato de que houve um aumento de 15% na
execução orçamentária do Ministério da Justiça em dez anos, mas
redução de 49,2% nos valores do FUNPEN e redução de 35,2% no
FNSP.
84
TABELA 1
Execução Orçamentária do Ministério da Justiça por
Órgão/Unidade Orçamentária/GND
Em reais constantes de 2015
(R$ milhões) (1)
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Variação (%)
Ministério da Justiça 9.797,55 11.483,45 12.904,39 13.164,44 13.708,50 12.744,33 13.143,62 13.260,11 12.479,54 11.285,70 15,2
MJ - Administração Direta
343,64 431,12 2.168,90 2.350,54 2.672,67 1.704,09 1.769,74 1.765,53 1.345,68 731,70 112,9
Depto. Polícia Rodoviária Federal
2.977,82 3.178,41 3.019,91 3.303,65 3.452,40 3.461,78 3.425,97 3.643,06 3.599,21 3.466,00 16,4
Depto. Polícia Federal 4.431,76 4.952,92 5.642,50 5.796,84 5.719,03 5.510,68 5.167,27 5.666,26 5.817,55 5.623,30 26,9
Funai 399,83 465,01 509,92 578,78 614,67 634,70 628,12 670,91 598,41 539,80 35,0 Funpen 521,48 330,79 352,11 150,84 127,10 120,39 519,36 392,75 354,60 265,00 -49,2 Fundo Nacional de Segurança Pública
582,81 1.375,95 494,23 319,39 291,45 350,88 463,98 429,37 400,31 377,40 -35,2
Fundo Nacional Antidrogas
- - - - - 22,18 86,68 190,19 212,71 150,30 577,7
Outros 540,20 749,25 716,81 664,39 831,18 939,63 1.082,50 502,03 151,07 132,20 -75,5 Fonte: Execução Orçamentária dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Secretaria de Orçamento Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (1) Valores atualizados pelo IPCA de dez./2015. (-) Fenômeno inexistente.
O Fundo Nacional de Segurança Pública foi criado em 2000 e
significou um passo importante no fomento à cooperação
intergovernamental em cinco áreas prioritárias de atuação: implantação
de sistemas de informações e estatísticas policiais, reequipamento das
polícias estaduais, treinamento e capacitação profissional e implantação
de programas de policiamento comunitário (COSTA & GROSSI, 2007).
O gráfico 3 apresenta a evolução dos recursos do FNSP entre
2002 e 2015. O auge dos recursos do fundo se dá em 2007, com R$ 1,3
bilhões disponíveis. Este é um período de significativa injeção de
85
recursos por parte do Governo Federal na área da segurança pública, e
a redução nos anos subsequentes até 2010 se dá em função da
implementação do Pronasci, cujo orçamento não estava alocado no
fundo.
GRÁFICO 3
Execução Orçamentária do Fundo nacional de Segurança Pública
(Em reais constantes de 2015)
Fonte: Peres, Bueno e Tonelli, 2016. "Os Municípios e a Segurança Pública no Brasil: uma análise da relevância dos entes locais
para o financiamento da segurança pública desde a década de 1990". Revista Brasileira de Segurança Pública, 2016; Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
(1) Valores atualizados pelo IPCA de dez./2015.
Nos anos mais recentes, o FNSP vai sendo paulatinamente
esvaziado, atingindo o valor de R$377 milhões em 2015, redução de
48% ante os valores de 2002. Em paralelo a este processo, em 2004 é
criada a Força Nacional de Segurança Pública, um programa de
cooperação criado pelo governo federal que mobiliza profissionais de
segurança pública dos estados. Estes profissionais ficam à disposição
86
da União no DF e, além dos salários em seus respectivos estados,
recebem diárias do governo federal. A Força Nacional funciona como
uma espécie de “polícia” a serviço do governo federal e é deslocada para
os estados em casos de crises e calamidade pública, desde que
solicitado pelo Executivo Estadual. Segundo dados do Ministério da
Justiça, no ano de 2015, 1.446 profissionais estavam mobilizados pela
Força Nacional de Segurança Pública com custo estimado em R$162
milhões.
GRÁFICO 4
Execução Orçamentária da Força Nacional de Segurança Pública
Fonte: Secretaria Nacional de Segurança Pública; Ministério da Justiça; Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(1) Valores atualizados pelo IPCA de dez./2015.
ALGUMAS REFLEXÕES...
Os dados apresentados neste artigo oferecem um panorama do
financiamento da segurança pública por parte da União nos últimos
anos. Verifica-se que é a partir do início do anos 2000, com a criação do
I Plano Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional de
87
Segurança Pública, que ações mais sistêmicas passam a ser incluídas
na agenda do Ministério da Justiça. Neste período, observa-se um
incremento nos valores repassados a Estados e municípios por meio de
convênios, a criação da Força Nacional de Segurança Pública, um breve
período de bonança com a implementação do Pronasci, dentre outros.
Mas a análise da série histórica demonstra também que, se a criação do
Fundo Nacional de Segurança Pública representou um passo
importante no fomento à cooperação intergovernamental e a
possibilidade de indução de ações por parte da União nos estados e
municípios, à medida que os recursos foram ficando escassos, ele foi
sendo esvaziado. A Força Nacional de Segurança Pública, cujo
orçamento equivale à metade do orçamento do Fundo, firmou-se como
prioridade da atuação do Ministério da Justiça em anos recentes e
passou por um crescimento expressivo com o aumento de contingente
em 2016, bandeira do então Ministro da Justiça, Alexandre de
Moraes84. Ainda não se tem clareza do impacto em termos econômicos
que essa medida ocasionou, mas o aumento desta força policial em
relação a 2015, cujos dados estão disponíveis, implica num aumento
substantivo dos recursos que não parecem estar disponíveis85.
De modo complementar, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária
Federal foram sendo fortalecidas e ganharam prioridade no orçamento
do MJ. É inegável o fundamental papel que ambas as forças
desempenham no Brasil hoje, mas sua manutenção não deveria ocorrer
em detrimento das iniciativas de cooperação intergovernamental com
Estados e municípios.
Ao fim e ao cabo, o Brasil permanece sem uma política nacional
de redução de homicídios, como se 60 mil assassinatos anuais não
84 A Medida Provisória Nº 737, de 6 de julho de 2016, permite que policiais militares e bombeiros militares dos Estados e Distrito Federal inativos há menos de cinco anos possam compor a Força Nacional de Segurança Pública. 85 A proposta do então Ministro da Justiça era a de aumentar o efetivo da Força Nacional para 7 mil homens. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,contingente-adicional-da-forca-sera-formado-por-agentes-inativos-ha-5-anos-diz-moraes,10000085648.
88
fossem o suficiente para colocar o tema na prioridade de número um do
governo. A julgar pelas tendências verificadas, os recursos destinados à
indução de ações seguem sem força e caberá aos estados a
implementação de toda e qualquer ação com foco na manutenção da
segurança pública. A questão é se é possível alcançar resultados
diferentes sem um protagonismo da União no processo de coordenação.
Infelizmente a experiência mostra que não, e que seguiremos contando
nossos mortos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA, A.; GROSSI, B. C. Relações intergovernamentais e
segurança pública: uma análise do fundo nacional de segurança
pública. Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 1. v. 1, São Paulo,
2007.
PERES, U. D, BUENO, S. Pacto Federativo e Financiamento da
Segurança Pública no Brasil. In: Guaracy Mingardi. (Org.). Política de
segurança: os desafios de uma reforma. 1ed. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2013, v. 1, p. 125-144.
PERES, U. D, et al. Segurança Pública: reflexões sobre o
financiamento de suas políticas públicas no contexto federativo
brasileiro. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 8, p. 132-153,
2014.
SOARES, Luiz E. A Política Nacional de Segurança Pública:
histórico, dilemas e perspectivas. Revista Estudos Avan- çados, 21 (61),
2007
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. SEGUNDA ETAPA DE
AVALIAÇÃO DA GOVERNANÇA E DA GESTÃO DA SEGURANÇA
PÚBLICA (IGOVSEG II). TC 020.481/2016-0. Sessão Ordinária de
26/4/2017.
89
9. A SENASP E AS POLÍTICAS ESTADUAIS DE SEGURANÇA
Arthur Trindade M. Costa
INTRODUÇÃO
Deste a sua criação em 1996, a atuação da SENASP tem se
pautado pelo respeito às autonomias federativas. Assim, seu principal
papel tem sido a indução de políticas públicas e de cooperação
intergovernamental. O principal instrumento utilizado para buscar seus
objetivos tem sido o fomento de ações estaduais e municipais através da
transferência de recursos federais. O fomento destas ações tem ocorrido
principalmente através do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP)
e do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI). De
fato, a criação destas duas fontes de fomento significou um considerável
aumento nos gastos federais com Segurança Pública. Os gastos federais
na área saltaram de pouco mais de R$ 1,5 bilhões, em 1992, para cerca
de R$ 9 bilhões, em 2015, o que significou um aumento de 500%,
conforme as várias edições do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública.86
Não foram apenas os gastos federais com segurança pública que
aumentaram. Os Estados também elevaram suas despesas com
segurança. Entretanto, observou-se que, na esfera estadual, os
investimentos cresceram bem menos que os gastos de pessoal e custeio.
Isto se deveu ao aumento dos efetivos e da melhoria dos salários dos
profissionais de segurança pública. Deste modo, observou-se que na
maior parte dos estados, o investimento em segurança pública é
financiado majoritariamente com recursos federais. Portanto, o governo
federal desempenha um papel relevante nas políticas estaduais de
segurança pública.
86 http://www.forumseguranca.org.br/atividades/anuario.
90
Quanto à qualidade do financiamento federal, observou-se que
86% do total de recursos repassados pela União aos Estados e
Municípios destinaram-se à compra de equipamentos, viaturas,
armamentos, material de comunicações, bem como construção de
prédios. Somente 3% dos recursos foram utilizados no treinamento e
formação dos policiais. Finalmente, apenas 7% foram aplicados na
implantação de projetos inovadores, tais como policiamento
comunitário, centros integrados de segurança e cidadania, ouvidorias
de polícia, sistemas de informações criminais87.
Ou seja, embora desempenhe papel relevante, a União tem se
concentrado fundamentalmente no reequipamento das polícias
estaduais, deixando de lado uma tarefa fundamental: o apoio aos
projetos inovadores na área de segurança pública. O apoio tem sido
raro e resume-se ao custeio dos projetos. Diferente de outros países, o
governo federal não se ocupa em fornecer assessoria técnica para
planejar, implementar e avaliar projetos inovadores. Essa é sem dúvida
uma importante lacuna na atuação da SENASP.
INDUÇÃO DE PROGRAMAS DE SEGURANÇA PÚBLICA
A partir da década de 2000, verificou-se o surgimento de
inúmeras iniciativas baseadas na filosofia do policiamento comunitário.
Isso foi resultado das políticas do governo federal que, através de apoio
financeiro, incentivou a criação de programas de policiamento
comunitário. O Estado de São Paulo implantou um sistema de bases
fixas, seguindo o modelo japonês das Koban. No Ceará e Amazonas,
criaram-se unidades de policiamento motorizado, com estreita
comunicação com a vizinhança, chamadas de Rondas do Quarteirão. No
Rio Grande do Sul e na Bahia, implantou-se a Patrulha Maria da Penha,
destinada a zelar pela execução das medidas protetivas para as vítimas
de violência doméstica. Mas certamente, a iniciativa mais importante foi
87 http://www.forumseguranca.org.br/atividades/anuario.
91
a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro,
que constituíram uma espécie de policiamento de proximidade
implantados em algumas áreas de risco.88
Praticamente todas as Unidades da Federação apresentaram
propostas para implantar algum tipo de policiamento comunitário. A
variedade de iniciativas foi enorme, mas apesar dos esforços poucas
tiveram sucesso. E dentre os programas que conseguiram sucesso
relativo, foram raros aqueles que conseguiram se institucionalizar. Na
maioria dos casos, os problemas foram resultado da precariedade de
planejamento dos programas e da ausência de uma doutrina específica
para este tipo de policiamento.
Foi o que aconteceu no Distrito Federal, que, a partir de 2007,
implantou o Programa de Segurança Comunitária. O programa
inicialmente foi apresentado nas eleições de 2006 como uma proposta
da campanha de José Roberto Arruda (DEM-DF) ao governo do Distrito
Federal. A ideia era implantar Postos de Segurança Comunitários. Cada
posto teria sala de atendimento ao público, sistema de
videomonitoramento e acomodações para os policiais. De acordo como o
projeto, os PSC’s serviriam como ponto de referência para a
comunidade89.
O projeto original previa 300 PSC’s com uma guarnição de 30
policiais para cada posto, sendo quatro sargentos, sete cabos e 19
88 Ver FERRAGI, César Alves. (2011). “O Sistema Koban e a Institucionalização do Policiamento Comunitário Paulista”. Revista Brasileira de Segurança Pública, Vol. 8, pp.60-75. BARREIRA, César e RUSSO, Maurício. (2012). “O Ronda do Quarteirão: relatos de uma experiência”. Revista Brasileira de Segurança Pública, Vol. 6, pp. 282-297. GERHARD, Nádia. (2014). Patrulha Maria da Penha: impacto da ação da polícia militar no enfrentamento da violência doméstica. Porto Alegre: Ed: PUCRS. CANO, Ignacio; BORGES, Doriam e RIBEIRO, Eduardo (Orgs.) (2014). Os Donos do Morro: uma análise exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundo Brasileiro de Segurança Pública/LAV/UERJ. MISSE, Daniel G. (2014). “Cinco Anos de UPP: um breve balanço”. Dilemas, Vol. 7, pp. 675-700.
89 Ver SILVA, Gilvan Gomes. (2015). Políticas de Segurança Pública: Um olhar sobre a formação da Agenda, das Mudanças do padrão de policiamento e da Manutenção do Policiamento Comunitário no Distrito Federal. Universidade de Brasília. Tese de Doutorado.
92
soldados. Diferente da rotina da PMDF, as escalas seriam mensais e os
policiais focariam suas atividades para o atendimento comunitário
local. Além das rondas a pé, os policiais deveriam realizar palestras,
encaminhar a solução de problemas para outros órgãos de governo e
lavrar termos circunstanciados. O programa recebeu apoio da SENASP,
que financiou a construção de 127 postos, além da aquisição de
automóveis, equipamentos e mobiliário. O custo total do projeto foi de
R$ 5.400.000,00.
O Programa de Segurança Comunitário era um projeto ambicioso,
que iria alterar radicalmente as rotinas e doutrinas em vigor na PMDF.
Isto certamente exigiria um planejamento complexo, com previsão de
diversas ações tais como capacitação, elaboração de nova doutrina,
redistribuição e contratação de efetivos, aquisição de novos
equipamentos, elaboração de plano de comunicação, desenvolvimento
de novas tecnologias, dentre outras. Uma vez que o programa iria
mudar radicalmente a estrutura da PMDF, seu planejamento também
deveria incluir a participação de vários setores da polícia.
Infelizmente, nada disso foi feito. O projeto previa poucas ações
que se resumiram a uma breve capacitação e a construção dos Postos
de Segurança Comunitários. Claro que um projeto com planejamento
precário e com objetivos tão ambiciosos não poderia dar certo. Não
havia efetivo suficiente para mobiliar os postos, outros setores da
polícia não foram consultados, tampouco foi elaborada uma doutrina de
policiamento comunitário e nem foi feita articulação com outros órgãos
de governo. Como resultado, aos poucos os PCS foram sendo
abandonados. Muitos foram depredados e incendiados. Assim, o
Programa de Segurança Comunitária tornou-se uma enorme dor de
cabeça para a PMDF.
93
PLANEJAMENTO, METAS E APOIO TÉCNICO
O caso do Distrito Federal mostra que a implantação de projetos
inovadores não depende apenas de recursos financeiros e apoio político.
É necessário assessoramento técnico especializado. Sem isso, iniciativas
promissoras tendem a fracassar, colocando em descrédito a ideia de
inovação em segurança pública.
Embora necessária, a capacitação de policiais estaduais em
planejamento e gestão de políticas públicas não tem sido suficiente para
melhorar a qualidade dos programas de segurança pública. Nem
sempre os policiais capacitados nestes conteúdos irão ocupar funções
de planejamento. Assim, os estados continuam se ressentindo da falta
de capacidade de identificar problemas e formular projetos voltados
para resolvê-los. Também há enorme dificuldade para construir
indicadores e estabelecer metas de acompanhamento.
Nos raros casos em que os projetos inovadores são avaliados, a
metodologia utilizada é precária. Via de regra, as avaliações são feitas a
partir da simples comparação das taxas criminais antes e depois da
implantação dos projetos. Como não há controle sobre a validade
interna das avaliações, os projetos não podem ser aperfeiçoados e
replicados em outros estados.
Em resumo, não basta que o governo federal financie a compra de
armamento, viaturas e equipamentos dos estados. Cabe a SENASP
induzir reformas e apoiar a inovação em segurança pública. Para isso, é
necessária a criação de um órgão ou departamento específico para
assessoria técnica aos estados.
94
10. A SENASP E O PAPEL DOS MUNICÍPIOS NA SEGURANÇA PÚBLICA: O CASO DAS GUARDAS CIVIS MUNICIPAIS
Almir de Oliveira Junior
INTRODUÇÃO
Mesmo sem negar que o papel dos governos estaduais na
segurança pública continua preponderante, ele tem passado por uma
considerável relativização nos últimos quinze anos. A criação de
secretarias municipais de segurança pública e a implantação de
guardas municipais no país se deram com forte influência da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (Senasp). O aumento da participação da
União tem se dado ao mesmo tempo em que os municípios vão
conquistando um novo espaço de atuação. Este artigo trata
resumidamente da incursão dos municípios no campo da segurança
pública, com foco na instituição dessas corporações municipais, e da
relevância da Senasp nesse processo. O objetivo, contudo, não é
meramente descritivo. Pretende-se ensejar uma discussão prospectiva a
respeito da atuação dos municípios na construção de uma política
nacional no setor, notadamente no que diz respeito ao papel a ser
assumido por suas guardas civis.
A SENASP E A PROMOÇÃO DA INSERÇÃO DOS MUNICÍPIOS NA
SEGURANÇA PÚBLICA
A Senasp foi criada em 1997 com o objetivo de sanar problemas
de coordenação e articulação entre os órgãos de segurança pública,
acompanhando suas atividades e prestando apoio à sua
modernização90. Já em 2000 anunciou o primeiro Plano Nacional de
Segurança Pública - PNSP. Nesse documento se reconheceu a
necessidade de envolver diferentes órgãos governamentais, em todos os
níveis, no desafio de implementar ações que surtissem efeito na
diminuição das taxas de violência e criminalidade, almejando-se o 90 Decreto 2.315/1997.
95
estabelecimento de um Sistema Nacional de Segurança Pública. A ideia
era criar, em âmbito nacional, um sistema de gestão voltado para
resultados, englobando inclusive a participação dos entes municipais. A
consolidação efetiva de um sistema de gestão dessa magnitude ajudaria
a Senasp na tarefa de aumentar a racionalidade quanto à utilização dos
recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, o FNSP (constituído
com recursos orçamentários da União e empregado em ações com o
apoio dos Estados e Municípios)91. A partir de então, ocorreram
sucessivas tentativas de formular e implantar políticas por meio da
elaboração de planos orquestrados pelo Governo Federal. Em todas
elas, o poder municipal aparece como instância relevante para atuar na
prevenção da violência. Um exemplo paradigmático foi o Programa
Nacional de Segurança Pública com Cidadania, o Pronasci, que definia
ações voltadas para recuperação de espaços públicos, incentivo à
prática de esportes e programas educativos e profissionalizantes
voltados para jovens92. Isto é, implementar ações justamente onde as
prefeituras possuíam um espaço considerável para promoção de
políticas inclusivas, com participação ampla das populações locais93.
O Plano Plurianual 2016-2019, apesar de marcar uma redução de
transferências de recursos e uma ausência de diretrizes claras que
induzam a ação do poder municipal no setor, incluiu o programa
91 O primeiro PNSP foi lançado em 20 de junho de 2000 pelo Governo Federal, enquanto o FNSP foi instituído pela Media Provisória 2.045-1, de 28 de junho de 2000, que foi depois reeditada e convertida na Lei nº 10.201, de 14 de fevereiro de 2001. 92 O PRONASCI foi um programa intersetorial lançado em 2007, instituído pela Medida Provisória n. 384, de 20 de agosto, alterada pela Lei n. 11.707 em junho de 2008. Envolveu vários ministérios e secretarias no âmbito da administração federal e uma série de ações com implementação coordenada por prefeituras. 93 É interessante observar que o mesmo ocorreu no contexto da instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPP´s, no Rio de Janeiro (modelo replicado em algumas outras cidades do país). Gerou-se a expectativa de que o investimento em assistência social, juntamente com atividades educativas e práticas associativas, ocorreria por meio da ação municipal, sucedendo a etapa “militarizada” (baseada em operações que articulavam polícias estaduais, Força Nacional e tropas das Forças Armadas para “recuperar” os chamados “territórios” para o Estado, uma vez que estariam em poder de quadrilhas e traficantes). Inclusive, apontou-se a ineficiência em disponibilizar serviços públicos e incentivar a participação social nessas áreas como um dos motivos do relativo fracasso das UPP´s (Ver “Os Donos do Morro”: Uma análise exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora UPPs no Rio de Janeiro. São Paulo, Rio de Janeiro: Fórum Brasileiro de Segurança Pública/Laboratório de Análise da Violência-UERJ, 2012).
96
“Justiça, Cidadania e Segurança Pública”, com alusão a um pacto
nacional pela redução de homicídios que envolveria todos os entes
federados, inclusive os municípios.94
Mesmo com a diminuição do protagonismo da Senasp no contexto
atual, o fato é que já desempenhou um papel histórico fundamental no
estímulo à criação das secretarias e guardas municipais, sendo
indutora de uma reconfiguração na segurança pública desde o primeiro
PNSP, quando passou a financiar e orientar a participação dos
municípios nas políticas de segurança pública (PATRÍCIO, 2008; KAHN,
ZANETIC, 2009; MISSE, BRETAS, 2010)95.
Em suma, além dos recursos do orçamento da União para área de
segurança pública deixarem de ser divididos apenas entre os entes
estaduais, como ocorria anteriormente, a Senasp estipulou uma série
de orientações baseadas em vários instrumentos de instrução que, ao
final, defendem até mesmo a centralidade do papel do município na
segurança pública. Alguns desses instrumentos são o “Guia para a
prevenção do crime e da violência nos municípios” que, dentre outros
objetivos, visou orientar a atuação das guardas municipais, a
elaboração de planos municipais de segurança pública, a discussão da
inclusão dos municípios no projeto de um Sistema Único de Segurança
Pública - SUSP, bem como estabelecer o propósito de formular uma
matriz curricular para a formação e construção da identidade
profissional das guardas municipais, vinculando-as a padrões comuns
de organização, gestão e atuação (MJ/SENASP, 2005a, 2005b;
BARROSO, MARTINS, 2016).
94 Com a destituição do governo de Dilma Roussef, tal pacto nunca se consolidou. No governo atual, entrou em vigência um novo PNSP, que também faz menção aos municípios (http://www.justica.gov.br/noticias/plano-nacional-de-seguranca-preve-integracao-entre-poder-publico-e-sociedade/pnsp-06jan17.pdf ).
95 A Senasp contribuiu ativamente para a criação das guardas municipais, na medida em que vinculou a liberação de recursos do FNSP para os Estados à existência de guardas civis ou de secretarias de segurança nos municípios. Essa exigência foi modificada em 2003, alterada pela Lei 10.746/03, que define não ser mais necessário que o município mantenha uma Guarda Municipal para pleitear recursos do fundo.
97
O PRESENTE E AS PERSPECTIVAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO
DAS GUARDAS MUNICIPAIS: ENTRE O ISOMORFISMO E O DESAFIO
DA INOVAÇÃO
Se, no início dos anos 2000, os esforços dos municípios quanto à
sua inserção na segurança pública ainda eram tímidos, dados de 2015
apontam a existência de 1.081 guardas civis no Brasil, com um efetivo
em volta de 99 mil homens e mulheres (IBGE, 2015). Esse crescimento
da participação dos entes municipais no setor também pode ser
demarcado pelo volume de gastos destinados à segurança pública, que
se multiplicou nesse período, passando de 0,03% para 0,08% do PIB e
alcançando 0,61% das despesas totais dos municípios (PERES, BUENO,
2016).
De forma pragmática, mesmo com a atual redução de
transferências do governo federal, o número expressivo de estruturas
encarregadas da segurança pública criadas por prefeituras espalhadas
pelo país indica a irreversibilidade do processo. Diante desse
diagnóstico, é necessária uma reflexão aprofundada sobre a natureza
das atividades desempenhadas pelas guardas civis, enquanto a face
mais visível da atuação dos municípios no campo da segurança para os
cidadãos. Não se pode ignorar ou subestimar a forte tendência de que
se tornem quase cópias, em miniatura, das forças policiais militarizadas
estaduais, justamente reproduzindo alguns problemas e aspectos
infrutíferos dos padrões de policiamento tradicionalmente adotados.
Questiona-se qual poderia ser a efetividade dos municípios em
contribuir para a qualidade de um serviço público tão valioso, como a
segurança, se oferecerem o que poderia ser definido simplesmente como
o “mais do mesmo” 96. Ao mesmo tempo em que as guardas municipais
96 “Após uma série de pesquisas feitas nos EUA, no início dos anos 70, evidenciou-se que a quantidade de policiais fazendo policiamento nas ruas, no modelo reativo de atendimento de emergência, mostra relação custo-efetividade muito pior do que se imaginava até então, ou então requer um número de policiais muito mais alto do que qualquer governo poderia financiar” (KOPITTKE, 2016: 76).
98
têm se configurado como grupo profissional capaz de canalizar
reivindicações próprias e de gerar novas expectativas na população a
respeito dos serviços de segurança pública, elas também se encontram
em meio a um processo de transição nessa arena política em que se
instaura grande descrédito quanto a um modelo anterior de
policiamento - reativo e repressor - já bastante desgastado e criticado
por suas limitações, mas que não foi substituído por outro que se
mostre realmente convincente ou satisfatório (OLIVEIRA JUNIOR,
ALENCAR, 2016).
Em vez de buscar um modelo de atuação alternativo,
preenchendo lacunas e inovando no atendimento aos cidadãos,
algumas guardas municipais já possuem unidades especializadas de
“caveiras”, ou seja, com divisões que lembram batalhões de operações
especiais das polícias militares. É fundamental citar que isso ocorre
apesar da aprovação do “Estatuto Geral das Guardas Municipais”, a Lei
13.022/2014, que foi criada para regulamentar as ações das guardas
no âmbito da prevenção da violência, ao definir um escopo de atuação
claramente à parte das funções já atribuídas às polícias estaduais,
buscando:
(...) garantir que as guardas não confundam suas atribuições e
sua identidade institucional com as polícias militares, mas ao mesmo
tempo não se restrinjam aos cuidados dos prédios públicos. A lei, na
prática, descreve e organiza quais são os ‘serviços’ de segurança pública
que um município pode desenvolver dentro do atual desenho
constitucional (KOPITTKE, 2016: 75).
O Estatuto, contudo, vem sendo geralmente mal interpretado. O
debate tem enfatizado a questão do “poder de polícia” das guardas (até
mesmo como se esse fosse o propósito da normatização estabelecida).
Essa visão é direcionada por um isomorfismo institucional, que ocorre
quando influências formais e informais são exercidas sobre a instituição
de novas organizações por outras organizações que se colocam como
modelo, o que é reforçado pelas expectativas culturais da sociedade em
99
que essas organizações atuam. Desse modo, as estruturas formais de
muitas organizações constituem um reflexo dos valores ou crenças de
seu campo institucional (DIMAGGIO, POWELL, 1991).
O desenvolvimento das guardas municipais sofre as pressões do
clamor público por mais segurança, bem como da dinâmica conflitiva
das relações sociais difusa no país, principalmente nos centros
urbanos. Em meio a esse processo, as guardas acabam por receber uma
forte influência da lógica reativa de policiamento, o que paralisa o
potencial prevencionista que poderiam desenvolver de forma mais ativa.
Como resultado, apresentam muita dificuldade em se afastar do modelo
das polícias militares e deixam de contribuir de forma mais eficaz para
uma nova narrativa no campo da segurança pública (FBSP, 2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em que pese o fato de que as guardas civis têm pendido a se
tornarem um tipo de força policial municipal, é preciso buscar se
garantir um mínimo de governança em relação a esse processo. Nesse
contexto, é necessário que a Senasp mantenha sua vocação no papel de
estabelecer diretrizes e orientações. Como instância de alcance
nacional, a Senasp precisa fomentar o debate sobre os itens relevantes,
como por exemplo: As guardas deverão desempenhar, como já vem
ocorrendo em várias cidades, um policiamento ostensivo nas vias
públicas? Poderão preencher Termos Circunstanciados e efetuar
prisões? Até que ponto se poderá ampliar o mandato constitucional de
cuidar de “bens” municipais, fazendo com que abranja também os
cidadãos e sua segurança? A Senasp deve contribuir para localizar as
funções específicas das guardas dentro de um sistema de segurança
pública e, acima de tudo, precisa retomar sua voz institucional de modo
a supervisionar e garantir que possuam capacitação, formas de
controle, normas e estruturas hierárquicas diversas àquelas próprias
das instituições militares.
100
REFERÊNCIAS
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sentido para a participação dos municípios na segurança pública”.
Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 10, n. 2, 12-23, Ago/Set
2016
102
11. CENÁRIOS PROSPECTIVOS E DESAFIOS NA SEGURANÇA PÚBLICA
Helder Ferreira
INTRODUÇÃO
Em 2014, o Ipea - juntamente com a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República e com colaboração do
Ministério da Justiça (MJ) e da Secretaria de Planejamento e
Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão – desenvolveu o projeto A Segurança Pública no Brasil em 2023:
uma Visão Prospectiva (SPB23). O objetivo deste exercício foi o de
contribuir, pela construção e análise de cenários prospectivos, com o
planejamento do governo federal na área de segurança pública. Em
uma das oficinas de trabalho realizadas com os parceiros e especialistas
em segurança pública, que contou com a participação de colaboradores
do MJ - Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do
Departamento de Polícia Federal (DPF), da equipe da Estratégia
Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras, do Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN) etc., foram realizadas análises dos
cenários propostos para 2023. Nesta análise, foi aplicado o método
SWOT, em que foram identificadas onze ameaças – ou seja, aspectos
negativos do ambiente externo com potencial de comprometer a ação do
Ministério da Justiça – a partir dos cenários (Ferreira, Marcial, 2015). O
objetivo deste artigo é rediscutir algumas dessas ameaças com foco no
papel da Senasp, tendo sido descartadas aquelas que extrapolam a área
de segurança pública e de competências da Senasp, ou que não se
adequem à proposta de evitar a discussão de reformas estruturais e
constitucionais. Os próximos seis itens tratam das ameaças, trazendo
inclusive algumas tendências97 e incertezas98 identificadas no mesmo
projeto.
97 Refere-se àquele “evento cuja perspectiva de direção e sentido é suficientemente consolidada e visível para se admitir sua permanência no período considerado” (Marcial, 2011, p. 88).
103
AUMENTO DA CRIMINALIDADE, EXPANSÃO DO MERCADO DE
DROGAS ILÍCITAS E FORTALECIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS, INCLUSIVE NO INTERIOR.
Nos últimos anos, de 2011 para 2014, houve acréscimo em
alguns crimes registrados pela polícia: estupros (de 40.196 para
43.950), furto de veículos (de 197.052 para 263.649), roubo de veículos
(de 159.125 para 239.432), homicídios dolosos (de 40.564 para 50.692)
(Sinesp, 2016). Sobre a expansão do mercado de drogas ilícitas, entre os
dados recentes, observa-se que no Brasil tem crescido a apreensão de
drogas por maior aplicação da lei e crescimento do mercado doméstico e
dos embarques para outros mercados (UNODC, 2016). Quanto ao
fortalecimento das organizações criminosas, estudiosos têm apontado
sua vinculação com o aumento da população carcerária (Fábio, 2016).
Quanto a isso, a meta do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP)
de se reduzir até 15% da população carcerária até 2018 pode não ser
atingida, seja por aumento da entrada de presos no sistema – em 2015,
quase trezentas mil penas privativas de liberdade começaram a ser
cumpridas no Brasil frente a quase cento e cinquenta mil em 2009
(Montenegro, 2016), seja por aumento da retenção nas prisões, como
previsto na proposta do PNSP de aumento do tempo de cumprimento
mínimo de pena em regime fechado para crimes violentos. Por fim,
notícias indicam que facções criminosas já estariam atuando em todos
os estados brasileiros (Hisayusu, 2017).
FÁCIL ACESSO E DESCONTROLE SOBRE A CIRCULAÇÃO DE
ARMAS DE FOGO
Foram apontadas como tendências no estudo a manutenção de
um fácil acesso à arma de fogo e a pressão pela flexibilização do
Estatuto do Desarmamento. Um indício do fácil acesso de armas de fogo
98 “São variáveis das quais não se sabe qual será o comportamento futuro” (Ferreira, Marcial, 2015, p. 23).
104
no Brasil é a proporção de homicídios por arma de fogo no país, que,
depois de cair de 71,6% de 2007 a 2010 (70,4%), alcançou 71,7% em
2014 (Waiselfisz, 2016). A pressão pela flexibilização do Estatuto do
Desarmamento já tem alcançado resultados com a flexibilização das
restrições via Decreto99. Um aspecto que pode levar ao descontrole sobre
a circulação de armas de fogo é um possível crescimento do negócio de
aluguel de armas100. Por fim, a política insuficiente de controle de arma
e a incapacidade de fiscalizar o setor de segurança privada foram
pontos fracos do MJ indicados na oficina mencionada acima. Quanto a
isso, o próprio PNSP prevê ações como as campanhas e indenizações de
desarmamento, a implantação de fiscalização de normas mais rigorosas
sobre a guarda das armas de empresas de segurança privada e
implementação de uma Ação Coordenada na Identificação de Armas de
Fogo e Munições como Política Pública no Combate à Criminalidade.
PERCEPÇÃO NEGATIVA DA POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA E
BAIXA CONFIANÇA NA POLÍCIA
Segundo a CNI (2017), em pesquisa de opinião pública com
abrangência nacional, 50% dos entrevistados responderam, em
dezembro de 2016, que consideram a situação da segurança pública
como péssima (CNI, 2017). Em pesquisa semelhante da CNT/MDA
(fevereiro de 2017), para 46,6% dos entrevistados, a segurança pública
no país vai piorar nos próximos seis meses. Quanto às polícias
especificamente, a confiança é baixa. Em pesquisa do Datafolha (2015)
com paulistanos, 60% dos entrevistados responderam quem têm mais
medo do que confiança na polícia militar, sendo 55% para a polícia civil
(FSBP, 2016). O SPB23 indicou como tendência a manutenção de baixa
confiança na polícia. Uma das explicações é a violência policial. Foi
apontada também a tendência de manutenção de alto número de
mortes pela polícia. O número de mortos decorrentes de intervenção 99 Texto “Decretos flexibilizam Estatuto do Desarmamento e entidades reagem”. Ver Referências. 100 Texto ‘É uma conduta antiga’, diz delegado geral sobre aluguel de armas no Piauí. Ver Referências.
105
policial recentemente passou de 3.146 (2014) para 3.320 (2015). A
violência policial atinge não só as vítimas diretas; em pesquisa
FBSP/Datafolha, de abrangência nacional e abril de 2017, 12% dos
entrevistados responderam sim à pergunta de se tinham algum
conhecido, amigo ou parente morto por policial ou guarda municipal
(FBSP, 2017).
CRISES NA SEGURANÇA PÚBLICA (GREVES, OPERAÇÕES
TARTARUGA ETC.) ORIUNDAS DA PRECARIZAÇÃO DAS
INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA E ESCASSEZ DE RECURSOS
FINANCEIROS
No último ano, o Brasil assistiu a várias crises na segurança
pública, como as greves da polícia no Espírito Santo e Rio de Janeiro
em fevereiro101, em mobilizações por aumentos salariais e contra atrasos
de pagamento. Recentemente, o STF proferiu entendimento de que é
inconstitucional o direito de greve de servidores que atuam na
segurança pública102. Uma das incertezas apontadas no SPB23 é de se
haveria mais recursos para a segurança pública. Os sinais atuais
apontam que não: a recente crise econômica que afetou a situação
financeira da União, estados e Distrito Federal (IFI, 2017) e municípios;
a Emenda Constitucional 95 que pode levar os gastos de segurança
pública da União crescerem abaixo da inflação (Orair, 2016); e o
Regime de Recuperação Fiscal dos estados (Lei Complementar nº
159/2017), que prevê, entre outras coisas, o congelamento de salários
dos servidores e limitações para o crescimento de despesas obrigatórias
(o que pode afetar gastos de investimento em segurança pública). Isto
pode aumentar a tensão nas instituições de segurança pública.
101 A greve dos policiais militares no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. Ver Referências. 102 Plenário reafirma inconstitucionalidade de greve de policiais. Ver Referências.
106
GOVERNANÇA DEFICITÁRIA NAS INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA
PÚBLICA (AUSÊNCIA DE AVALIAÇÃO DOS PROGRAMAS,
DESCONTINUIDADE POLÍTICA E FINANCEIRA DE PROGRAMAS E
AÇÕES, BAIXA CAPACIDADE DE EXECUÇÃO DE RECURSOS
FEDERAIS POR ESTADOS E MUNICÍPIOS, FALTA DE
COMPROMETIMENTO DOS ATORES POLÍTICOS DAS DIVERSAS
ESFERAS DE GOVERNO ETC.)
Os problemas de governança começam pelo próprio Ministério da
Justiça. Na oficina já mencionada, os pontos fracos indicados do MJ
que parecem também representar a situação da Senasp são: a)
planejamento e gestão deficiente, insuficiência de diagnósticos e de
indicadores, falta de integração de ações (políticas, programas e
projetos) e unidades, processos de trabalho não padronizados,
monitoramento e avaliação insuficientes; b) falta de mecanismos de
financiamento de médio e longo prazo para programas prioritários; c)
ineficácia, inadequação e ineficiência dos instrumentos de parceria; e)
não utilização plena de suas capacidades para articular e induzir
políticas; d) deficiência na integração com outras unidades da
Federação e órgãos da segurança pública; e) falta de articulação com
pastas da área social; f) insuficiência de recursos humanos e de
qualificação especializada e falta de gestão por competências.
Recentemente o TCU103 publicou o Acórdão nº 811/2017, realizado a
partir de uma segunda avaliação da governança das entidades
incumbidas da segurança pública, que concluiu: haver fragilidade e
descontinuidade na formulação de políticas públicas e precariedade do
processo de planejamento e de tomada de decisão do Governo Federal
nesta área; ter melhorado as dimensões de gestão e resultados dos
órgãos de segurança pública dos estados em relação à avaliação de
2013, piorado nas dimensões de estratégia, pessoas e controles, não
havendo mudanças nas dimensões de arranjos institucionais e
tecnologia e conhecimento; e que os índices de governança das polícias
103 TCU divulga índices de governança na segurança pública. Ver Referências
107
civis (nível inicial) são inferiores aos das polícias militares (nível
intermediário).
ESTADO POLICIAL (CRIMINALIZAÇÃO DE JOVENS E POBRES,
AFASTAMENTO ENTRE SOCIEDADE E POLÍCIA, VIOLÊNCIA
POLICIAL ...)
A ameaça do estado policial está ligada ao risco de o Brasil
caminhar no sentido do crescimento de um Estado Penal, em
detrimento de um Estado de Bem-Estar Social. Entre os riscos de
criminalização de jovens e pobres estão: aprovação da PEC 33/12 de
redução da maioridade penal; alterações na lei do terrorismo (lei nº
13.260/16) que retire a salvaguarda quanto às ações de manifestações
políticas e movimentos sociais (como o proposto no PL 5065/16);
medidas para reforçar o caráter excludente das penas (como a PEC
304/13, que pretende extinguir o auxílio-reclusão). Quanto ao
afastamento da polícia e sociedade e o uso exacerbado da violência,
destacam-se recentes casos de utilização do aparato policial para
reprimir movimentos e manifestações sociais e execuções extrajudiciais
(Anistia Internacional do Brasil, 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este conjunto de ameaças foi apontado no SPB23 e não se
pretende que seja irretocável. De qualquer forma, acrescente-se que
para enfrentar tais ameaças foram apresentadas várias propostas em
Ferreira e Marcial (2015). Mas a Senasp não poderá fazê-lo, entre outras
coisas, se a segurança pública não se mostrar uma prioridade do
Governo Federal, se o Governo se deixar levar por uma agenda
populista em segurança pública ou abandonar a busca de objetivos
estratégicos e ficar apenas reagindo aos incêndios na segurança
pública.
108
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